Fundação Padre Anchieta

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O desemprego entre a população travesti e transexual é elevadíssimo. Mais de 40% não exercem nenhuma atividade remunerada, segundo mapeamento de pessoas trans da cidade de São Paulo de 2021. Dos que possuem ocupação, 27% se declararam profissionais do sexo.

Mas esse cenário, ainda que lentamente, começa a mudar. Um sinal disso é o aumento de contratações de pessoas trans intermediadas pela TransEmpregos, maior e mais antigo projeto de inclusão dessa população no mercado de trabalho: passou de 1, em 2014, primeiro ano de funcionamento, para 707 em 2020.

Das várias barreiras para a contratação do profissional trans, o preconceito ainda é a maior delas. “As empresas precisam romper os preconceitos internos, principalmente dentro dos RHs, para abrir espaço para o trans no mercado”, diz a advogada Márcia Rocha, uma das fundadoras da TransEmpregos.

Pesquisa realizada pela consultoria Santo Caos mostrou que 38% das empresas têm restrições para contratar profissionais LGBTQIA+. Por isso, muitos ainda omitem a orientação sexual no ambiente de trabalho.

Segundo Márcia, outro empecilho é a ideia pré-concebida de que o trans não tem capacitação para o trabalho. Dos 22 mil currículos registrados pela TransEmpregos, 40% são de pessoas com curso superior e 30% com ensino médio ou curso técnico.

Abaixo, três profissionais trans contam como superaram as barreiras para inclusão no mercado de trabalho:

Deise Miron, supervisora de loja do Carrefour

Ela foi contratada como operadora de loja do Carrefour em 2018. Quando foi chamada para a entrevista, percebeu que só havia candidatos homens na recepção. “Fui até perguntar se poderia participar mesmo e a pessoa da recepção me disse para ficar tranquila.”

Deise diz que se sentiu respeitada desde o primeiro momento, pois logo na seleção perguntaram a ela por qual nome gostaria de ser chamada e identificada no crachá. “Quando entrei, ainda não tinha trocado de nome, mas sempre fui chamada como Deise.”

Mas ela diz que já se sentiu constrangida e humilhada em outros processos seletivos. “Coloquei meu nome social na ficha e na hora de me chamarem, chamaram pelo nome de registro. Fiquei muito triste, saí de lá chorando”, conta.

Deise passou por outras situações difíceis quando trabalhava como atendente de telemarketing. “Eu podia usar o nome social, mas por causa da voz masculina os clientes brincavam, ofendiam. Até que um dia tomei uma decisão difícil, que foi passar a me apresentar pelo nome de registro.”

Para ela, o mais legal de ter começado a trabalhar no Carrefour foi se sentir incluída desde o início. “Percebi que era verdadeiro que se eu batalhasse e corresse atrás daria para crescer. O tempo foi passando, fui convidada para o treinamento de encarregada, passei por várias lojas, até que passei na entrevista para a unidade de Santo André. Foi um momento maravilhoso.”

Assim que soube da promoção, ela foi compartilhar a notícia no grupo de trans do Carrefour. “Disse como estava feliz de ter chegado lá e que todo mundo também pode, basta querer e correr para realizar esse sonho.”


Diana Conrado, auxiliar jurídica do escritório Mattos Filho

Aos 25 anos, Diana trabalha há dois anos como auxiliar jurídica do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr e Quiroga Advogados. Antes disso, ela teve duas experiências profissionais: foi jovem aprendiz e depois trabalhou como recepcionista bilíngue.

Ela entrou no escritório por meio do programa de estágio Soma, voltado para estudantes universitários autodeclarados negros e pardos. “Entrei na primeira turma do Soma, não foi em uma vaga para trans. O legal e interessante é que o Soma já traz isso no nome, que é a ideia da diversidade, a ideia de somar todas as pessoas.”

Diana enfrentou preconceito logo em seu primeiro emprego, que era um shopping center. “Embora eu já tivesse cabelo longo, ainda não me apresentava como Diana. Eu tinha de usar o banheiro masculino do shopping, pois tinha medo que alguém da loja me visse usando o feminino. Até que um dia um cliente me viu lá no banheiro e começou a gritar. Sem entender nada, disse que tinha uma sapatão no banheiro masculino. Chegou num estágio que não dava mais para ficar lá.”

Hoje, ela sente-se à vontade para ser quem é dentro do emprego. Mas nem sempre foi assim. “Fiz uma transição lenta, tinha muito medo, precisava do emprego para fazer o tratamento hormonal. Foi um período complicado até conseguir reivindicar meu lugar de mulher transexual. Até hoje, muitas pessoas se escondem por medo de não serem aceitas ou de perderem seus empregos.”

Para Diana, a inclusão do profissional trans depende da vontade das empresas. “Falta para a sociedade enxergar que o trans é uma pessoa como qualquer outra, que precisa trabalhar, que tem família. Tenho a impressão que foi uma população esquecida por muito tempo, que quando procurava emprego, não era contratada porque havia preconceito. Não davam nem a oportunidade da pessoa se mostrar um profissional capaz.”


Diana, assistente jurídica no escritório Mattos Filho
Crédito: Arquivo Pessoal

Maria Paula Cruz, assistente jurídica da Veirano Advogados

Maria Paula não gosta de usar o termo transição. “Não gosto de falar transição, porque para mim passa a ideia que você saiu de um ponto A para ir ao ponto B. Acredito que não existe transição, mas a afirmação de algo que sempre fui.”

Ela se descobriu Maria Paula durante a faculdade de Direito. “Minha família sempre achou que tinha um filho gay. Aí fui fazer terapia e vi que a questão não era essa e passei a fazer o tratamento hormonal, as interferências cirúrgicas e estéticas.”

Nesse tempo, ela trabalhava numa grande consultoria, mas ainda se apresentava como Paulo. “Eu notava que ali não havia espaço para eu fazer esse processo. Era um meio jurídico muito conservador, cercado de pessoas com uma cultura e ideologia que não me deixava confortável.”

Maria Paula foi selecionada como trainee então de uma grande rede de fast food. “Lá eu também não consegui fazer meu processo. Quando iniciei o tratamento hormonal, sinalizei isso para o RH, mas a empresa disse que não tinha como me chamar pelo nome social. Então fui atrás de fazer a alteração de CPF RG, fui em todos os órgãos e os entraves para mudança de nome permaneceram. Isso acabou virando uma demanda trabalhista.

Nesse momento, Maria Paula deu um tempo na busca por trabalho e focou nos estudos. “Estava desgostosa com a carreira e zero realizada com o meio que havia escolhido para trabalhar, muito conservador e machista.”

Foi em 2021 que surgiu a oportunidade de trabalhar no Veirano. “E o processo foi totalmente diferente e novo. Já entro como Maria Paula, sou bem recepcionada e percebo que estou num ambiente de pluralidade forte nos propósitos e valores.”

Para a analista jurídica, os profissionais trans são vítimas de uma sociedade que ‘genitaliza’ as pessoas. “Para muita gente, pessoas como eu estão fadadas à prostituição e ficar à margem da sociedade, como se não pudessem ocupar outros espaços.”

Mas Maria Paula diz que não precisa ser assim. “Quando contei para meu pai, ele se preocupou como seria minha vida lá fora. Eu disse que iria ocupar o espaço que qualquer pessoa competente ocuparia, sendo ela homem ou mulher.”