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“Primeiro ele dizia para mim que eu era feia, que minhas pernas eram feias, que eu deveria cortá-las e que jamais eu deveria olhar no espelho porque o espelho poderia quebrar. Depois, ele me dava tapas, empurrões e chutes, e então colocava a faca no meu pescoço e me ameaçava”. O depoimento é da assistente social Lucy Lima, de 45 anos, mas poderia ser também o de Maria, Carolina, Andrea, Mariana e tantas outras.

A violência contra mulher é por vezes silenciosa, não deixa apenas marcas físicas, tem diversas formas. Uma pesquisa do Instituto Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostrou que, em 2020, cerca de 17 milhões de mulheres sofreram algum tipo de violência. Mas esse número poderia ser ainda maior, já que por vezes as mulheres não sabem que aquilo que dói, que gera desconforto, é de fato uma violência.

Nesta quinta-feira (25), Dia internacional da luta contra a violência à mulher, o site da TV Cultura conversou com a jurista criminal Bruna Queiroz, para entendermos quais são as facetas da violência e como buscar ajuda.

Tipos de violência contra a mulher

De acordo com o capítulo II, Art. 7º da Lei Maria da Penha, são consideradas violência doméstica e familiar cinco tipos: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial.

Destes, o mais comumente abordado é a violência física, quando, segundo a jurista, a mulher toma a decisão de seguir com o boletim de ocorrência. Entre os exemplos de agressões físicas estão:

  • Espancamento
  • Estrangulamento
  • Ferimentos com objetos cortantes
  • Queimaduras
  • Torturas

“Depois que elas fazem esse boletim de ocorrência sobre violência física, elas vão pro IML para fazer um exame de corpo de delito e ver o grau da lesão corporal, que pode ser leve, grave ou gravíssima, quando por exemplo a mulher não consegue mais trabalhar por causa desse tipo de violência”, explica Bruna.

A violência psicológica é classificada assim quando há uma conduta que cause dano emocional à mulher, diminuição da autoestima ou que prejudique seu desenvolvimento. Entre elas estão:

  • Constrangimento
  • Humilhação
  • Manipulação
  • Isolamento
  • Vigilância constante
  • Perseguição contumaz
  • Insulto
  • Chantagem
  • Violação da intimidade
  • Ridicularização
  • Exploração e limitação do direito de ir e vir
  • Tirar a liberdade de crença
  • Distorcer e omitir fatos para confundir a mulher sobre sua memória e sanidade

“A violência psicológica acaba passando despercebido porque tem o ciclo da violência, que começa ali, entre quatro paredes, no ouvido, dentro de casa, e às vezes as mulheres não conseguem perceber que estão sofrendo esse tipo de violência. Ele ficar te humilhando na frente das pessoas, te xingar, proibir você de frequentar a sua família, são exemplos”.

“Um outro termo que agora estão usando bastante é de gaslighting, quando a mulher acaba ficando em dúvida sobre o que realmente aconteceu que o cara fica tanto na cabeça dela fica fazendo tantas distorções na cabeça dela fica distorcendo tanto os fatos que às vezes ela acha que é louca ela não não tem noção do que aconteceu exatamente de tanto que ele fala no ouvido dela”.

Violência sexual, é entendida assim quando a mulher é forçada a presenciar, manter ou participar de qualquer relação sexual não desejada.

  • Estupro
  • Impedir a mulher de fazer uso de qualquer método contraceptivo
  • Forçar o aborto, o matrimônio, a gravidez ou a prostituição

Limitar ou anular o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

“Você anula qualquer escolha que a mulher tenha em relação ao próprio corpo, a parte sexual dela, tem uns casos de estupro matrimonial, que é dentro do casamento. A pessoa é casada, a mulher não quer ter relação sexual com o marido naquele dia, e o marido força obriga. Isso também é tipo de violência sexual e as mulheres, principalmente depois do casamento, acabam não percebendo eh que isso é um tipo de de manipulação, um tipo de anulação”.

Já a violência patrimonial trata de ações em que se retenha os bens da mulher, ou destrua instrumentos de trabalho, documentos pessoais, e recursos econômicos.

  • Destruir documentos pessoais
  • Controlar o dinheiro
  • Deixar de pagar pensão alimentícia
  • Furtar extorquir ou danificar bens da mulher
  • Privar recursos econômicos

“Deixar de pagar a pensão alimentícia é um tipo de violência patrimonial porque, por mais que o dinheiro não vá pra ela, isso também afeta na renda dela. Ela terá que tirar do bolso dela um valor que deveria ser de responsabilidade dos dois. Quebrar notebook, quebrar celular, tudo isso é violência patrimonial”.

Por último, temos a violência moral, qualquer ato que configure calúnia, difamação ou injúria.

  • Acusação de traição
  • Exposição da vida íntima da mulher
  • Desvalorização pela vestimenta
  • Insultar
  • Fazer críticas mentirosas

“Acusa a mulher de traição, e aí pode entrar a violência psicológica também, porque às vezes o homem acusa tanto a mulher de traição que ela começa a distorcer os fatos na cabeça dela e então ela fica em dúvida sobre o que realmente aconteceu, achando que ela tá errada. Outro tipo de violência moral quando o homem diz ‘mulher que fica em bar não é mulher pra namorar’, ou então ‘se veste minissaia é puta’”.

Entre todos esses tipos de violência, é importante ressaltar que não necessariamente elas ocorrem em um namoro ou casamento. O Art. 5º da Lei Maria da Penha distribui as violências entre doméstica, familiar ou em qualquer relação íntima.

  • Doméstica: Quando ocorre no espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;
  • Familiar: Na comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa
  • Relação íntima de afeto: Quando o agressor convive ou conviveu com a vítima, independentemente de coabitação.

“Essa relação íntima de afeto pode ser um ex ficante, ficante, namorado, marido ou qualquer tipo de vínculo afetivo. Não precisa ter tido uma relação sexual efetivamente, mas quando as pessoas que estão na fase de começar a flertar, já dá para caracterizar como um tipo de violência contra a mulher na Lei Maria da Penha, para que ela tenha medidas protetivas e benefícios que são dados especiais para a mulher que está sofrendo”, esclarece a jurista.

Entretanto, muitas mulheres ainda encontram dificuldades para denunciar os casos de violência. “Você está com vergonha, com medo, você não quer falar para as pessoas. Muitas mulheres não querem denunciar porque é o pai do filho, e ai vai ser preso e a renda vem dele, e não quer denunciar também porque mesmo depois de passar por tudo isso, o homem volta como um príncipe, ele se arrepende, pede desculpas, vai chorar, vai mudar e depois de um tempo vai voltar aquele comportamento”.

A pesquisa "Percepções da população brasileira sobre feminicídio" realizada pelos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, com apoio do Fundo Canadá, mostrou que 30% das mulheres, o equivalente a cerca de 25,7 milhões de brasileiras, já disseram terem sofrido ameaça de morte pelos companheiros ou ex. Entre essas, 1 em cada 6 já sofreu tentativa de feminicídio. Nessas situações, 57% afirmaram ter terminado o relacionamento, 37% denunciou à polícia e 12% não tomou nenhuma atitude diante do caso.

Como denunciar?

As formas de se denunciar a violência têm se ampliado para acompanhar uma realidade que se agravou com a pandemia de Covid-19. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os índices de feminicídio cresceram 22,2% em 2020, comparados aos meses de março e abril de 2019. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostrou que o número de vítimas de feminicídio atingiu um recorde no último ano, foram 1.350.

Diante disso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) criaram a campanha Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica, com objetivo de ajudar as mulheres a denunciarem a violência.

Com um sinal “X” feito na palma da mão, ou em um pedaço de papel a mulher consegue pedir ajuda em farmácias, órgãos públicos e agências bancárias. Os atendentes, ao receberem o sinal, de forma reservada registraram os dados da suposta vítima e acionam a Polícia Militar.

Outro meio para denunciar é ligar no número 180, a Central de Atendimento a Mulheres que tem atendimento 24 horas em todo o Brasil, e que podem não apenas receber a queixa, mas também tirar dúvidas a respeito de situações em que as mulheres não sabem se estão de fato sofrendo uma violência.

As Delegacias da Mulher, onde o atendimento é feito por servidoras públicas mulheres, além de Delegacias comuns. Contudo, Bruna explica que no caso de delegacias comuns, nem sempre o tratamento é adequado. “Por exemplo, o caso acontece de madrugada, quando há muito flagrante de tráfico de drogas, então a delegacia está um caos, e às vezes eles vão dizer para a mulher ir para casa, e muitas vezes elas desistem”.

A especialista lista ainda as Defensorias Públicas, e as medidas protetivas que podem ser solicitadas pelo aplicativo Maria da Penha Virtual, ou por meio do 197.

“Você explica a sua situação, e essa medida protetiva será apreciada pelo juiz, que tem 48 horas para deferir, um prazo rápido porque é a situação é urgente e podem ser determinantes assegurar a vida da mulher”.

Por fim, as mulheres também podem ligar no 190. “Neste caso, é sempre melhor quando está acontecendo uma situação no momento, você está ouvindo sua vizinha, liga no 190, vem a viatura e pode prender em flagrante. No caso do 180, eu recomendo que seja utilizado quando a agressão já cessou”.

Denuncie, sempre!

“Compartilhem com pessoas próximas, deixe que saibam o que tá acontecendo com você, por mais que seja vergonhoso, isso pode salvar sua vida. É importante você ter uma amiga, uma psicóloga, um médico, uma mãe, uma prima, uma tia, qualquer pessoa que saiba da situação e que também pode ser usada como testemunha referencial no processo, alguém da sua confiança que vá te dar um apoio emocional. Se você tiver alguém também para te dar um apoio financeiro, quando você está saindo de uma situação de violência e tentando retomar o prosseguimento da sua vida, vai ser muito bom também”, destaca Bruna.

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