Uma epidemia que perdura nos Estados Unidos há tempos, a crise dos opióides, é uma questão de saúde pública – sobretudo quando se fala do fentanil.
Quase 100 vezes mais potente que a morfina e responsável por cerca de 100 mil mortes anuais nos EUA, esse opióide sintético foi originalmente desenvolvido para fins médicos: como anestésico e analgésico, sobretudo em dores de pós-operatório.
O fentanil foi sintetizado pela primeira vez no final da década de 1950 pela belga Janssen Pharmaceutica, devido a busca por um analgésico potente e de rápida ação. Anos mais tarde, em 1968, o fármaco foi registrado nos Estados Unidos como um analgésico intravenoso. No entanto, a crise que assola o país foi desencadeada apenas nos anos 80.
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Com o forte efeito do fentanil já conhecido na época, uma das principais causas da overdose do opióide no país foi a super prescrição pela Purdue Pharma, atualmente em recuperação judicial, que receitava o fármaco para tratamento de dor crônica. A professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP (FCF-USP) e pesquisadora em inflamação e imunotoxicologia, Sandra Farsky, explica que pelo fato do fentanil apresentar tolerância e dependência, ele não deve ser usado para esse tipo de situação.
“Farmacologicamente, a tolerância ocorre quando aquela quantidade de droga ou fármaco de abuso que está sendo usado já não é mais suficiente para causar o seu efeito. Então, é necessária uma concentração maior para manter o mesmo efeito.” Ela complementa que por conta disso, o opióide não deve ser indicado e muito menos feito por conta própria o uso para tratamento de dor crônica.
“O paciente que tem uma dor crônica, vai se viciar nesse opióide. A pessoa não tem controle de uso, quem vai dar é o médico numa única condição de dor extrema; e aí ele é um ótimo analgésico e pronto. Já o paciente que tiver alta do hospital: de jeito nenhum, não é pra ser usado. E foi isso que aconteceu nos Estados Unidos”, diz Farsky.
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Com a super prescrição e a dependência generalizada, o fentanil passou a ser vendido e usado ilegalmente, frequentemente misturado com outras drogas de abuso. A pesquisadora esclarece que essa substância age da mesma forma e no mesmo receptor do sistema nervoso central que outros opióides, como a morfina e a heroína. Mas mudanças na estrutura química do fentanil fazem com que ele seja mais potente e fique mais tempo ligado a esses receptores.
Além do alívio da dor, a droga promove a liberação de uma grande quantidade de dopamina no cérebro, o que proporciona ao usuário a sensação de euforia e bem-estar. No entanto, sua ação também provoca a depressão respiratória, que pode levar à parada cardiorrespiratória e morte em um curto período de tempo.
É estimado que a “dose letal” de fentanil seja em torno de 3mg – algo menor que o tamanho da ponta de um lápis. Embora isso varie de acordo com a idade, condição da pessoa e via de administração, ainda assim a overdose desse opióide é muito “fácil” de acontecer, principalmente quando misturado com outras substâncias.

Os principais sintomas iniciais de uma overdose de fentanil incluem letargia, confusão mental e dificuldade de fala. Nos Estados Unidos, em regiões como a Califórnia, por exemplo, frequentemente são vistos dependentes da droga que têm o comportamento como de um “zumbi”.
“Você tem uma toxicidade no sistema nervoso central, então tem todo um cognitivo que fica complicado. A pessoa perde a razão, não sabe o que está fazendo direito, pode ficar agressiva, e ela vai aumentando a dose até que ela pode ir à morte, né? Então a pessoa fica meio um zumbi mesmo”, menciona Sandra.
No Brasil, o fentanil foi registrado pela primeira vez em março de 2023, em Cariacica, no Espírito Santo, apreendido nas mãos de traficantes. Assim como nos EUA, normalmente a substância entra misturada com outras.
Apesar de existirem apenas apreensões pontuais, sem apontamentos de um grande uso indevido da droga no país, Farsky alerta que isso não significa que a população esteja em segurança. “Eu acho que se não for reprimido, pode representar um perigo para o Brasil. Aqui não chegou em grande quantidade porque nenhuma indústria farmacêutica iria cometer o mesmo erro absurdo.”
Mesmo com esses episódios pontuais, o país fica em alerta para o perigo de disseminação do fentanil e o impacto devastador que ele pode apresentar em termos de saúde pública e segurança. Para a professora da FCF-USP, é necessário alertar a população dos riscos da droga, além do poder público coibir o tráfico.
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