O voto do ministro Luiz Fux na sessão da última quarta-feira (10) do julgamento da tentativa de golpe de Estado foi dissonante ao do restante dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), que votaram até agora na ação penal 2668. A medida contrariou, também, a opinião de juristas.
A declaração de Fux apresentou vários contrapontos ao do relator do processo, Alexandre de Moraes, e ao de Flávio Dino, que foi o segundo ministro a se manifestar. Ambos votaram pela condenação de Jair Bolsonaro e dos outros sete réus. Logo no início, ele considerou que o Supremo não seria o foro adequado para esse julgamento e votou pela anulação do processo.
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O professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gustavo Sampaio, esclarece como as acusações têm sido interpretadas pelo STF.
"A Constituição está ali determinando que o crime praticado durante o mandato, durante o cargo ou durante a função é crime que gera a competência da Corte. Essa é a interpretação feita pelo Supremo Tribunal Federal. Por que Jair Bolsonaro está sendo julgado no Supremo Tribunal Federal? Porque é acusado de crime que supostamente terá acontecido enquanto ele era presidente. A interpretação do ministro Fux vai no outro sentido. Ambas as interpretações são interpretações plausíveis à luz da ciência e da Constituição", explica.
Quando os atos de 8 de janeiro começaram a ser julgados, em 2023, Fux acompanhou o relator, ministro Alexandre de Moraes, sem questionar que as pessoas envolvidas nos ataques aos Três Poderes não tinham foro privilegiado e que poderiam responder em primeira instância. Agora, na hora de julgar o núcleo crucial da trama golpista, o ministro mudou o entendimento.
O diretor do curso de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Oscar Vilhena, afirma que o voto de Fux surpreende devido ao tempo que ele está no Supremo e pela maneira com que ele costuma conduzir seus atos.
"Infelizmente, os ministros mudam com frequência o seu entendimento. No caso do ministro Fux, o que causa muita estranheza é o fato de que ele não é um juiz novo no Supremo, ele está no Supremo há muito tempo, e ele foi, consistentemente, um juiz bastante conservador do campo penal, bastante punitivista. Nós lembramos da participação dele durante o Mensalão. E mesmo no julgamento de 8 de janeiro, ele não se insurgiu contra uma série de teses que agora está se insurgindo. Então, eu diria o seguinte: o que causa perplexidade no caso do ministro Fux é o fato de que ele rompe uma consistência”, comenta.
Fux citou o artigo 333 do Regimento Interno do STF, que trata dos embargos infringentes. O texto exige a aprovação por unanimidade do mérito da ação, contestada pelo ministro. Mas, em 2018, uma decisão do plenário do Supremo mudou esse entendimento. Desde então, são necessárias duas divergências para a defesa do réu ter direito a um recurso.
"O entendimento da Corte é da aplicação da chamada proporcionalidade adequada. O que significa isso? Significa dizer que como cada turma se constitui de cinco ministros, para caberem embargos infringentes de decisão de turma, é necessário que três condenem e dois votem pela absolvição”, complementa Gustavo Sampaio.
Em seu voto, Fux também considerou que, mesmo que o Supremo tivesse competência para julgar os réus, isso deveria ser feito no plenário da Casa e não na Primeira Turma.
A decisão de julgar ações penais em turmas foi tomada depois do caso do Mensalão, que monopolizou a Corte entre 2007 e 2013, atrasando outras ações. Em 2020, uma mudança no regimento devolveu ao plenário a competência para apreciar inquéritos e ações penais. Mas em 2023, depois dos atos antidemocráticos do 8 de janeiro, uma nova alteração restabeleceu a competência das turmas.
"O Supremo já definiu, o regimento já definiu, a jurisprudência já definiu, e já se sabe que é um erro. Além do mais, é importante que seja na turma. Por quê? Porque, se houver agravo regimental, tem para quem recorrer. Então, amplia, inclusive, a possibilidade de recurso. Eu acho que o ministro também está equivocado nesse ponto", acrescenta Oscar Vilhena.
O ponto mais crucial no voto de Luiz Fux foi desconsiderar a existência de crime para a maioria dos réus da trama golpista. Na opinião do ministro, não há golpe sem a deposição do governo eleito. Sampaio argumenta, no entanto, que a lei não tipifica como crime um golpe de Estado bem-sucedido.
"Se golpe houvesse acontecido, nós não estaríamos sequer aqui na imprensa para comentar os fatos da política nacional, porque sob a vigência de um golpe de Estado, a liberdade de imprensa fica de plano comprometida. Mas o que diz a lei não é isso. A lei sequer tipifica como crime um golpe de Estado bem-sucedido. Eu diria até que se o golpe de Estado tivesse acontecido, o fato seria atípico", diz.
Oscar Vilhena complementa: "Tentar abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo, restringindo a atividade dos poderes. Ou tentar, por grave ameaça ou violência, impedir que o governo legitimamente eleito exerça sua função. Veja, ambos os crimes se consumam não pelo resultado, que é impedir o presidente ou impedir o outro poder de funcionar, mas pela tentativa dele."
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