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Ilustração de mapa-múndi com fios vermelhos ligando cidades e países
Getty Images
Pelo que se sabe até o momento, cerca de 100 pessoas vieram da Europa infectadas. Dessas, três espalharam o coronavírus pelo Brasil

"Se eu te dissesse que sempre pensei em trabalhar com dinâmicas de transmissão de doenças infecciosas ou epidemiologia genômica, estaria mentindo".

Foi assim que Darlan Cândido começou a contar sua trajetória na área acadêmica. Formado em farmácia pela Universidade Federal do Ceará, o foco inicial de suas pesquisas na pós-graduação foi a reação do sistema imunológico e cardiovascular durante a infecção pelo protozoário Trypanosoma cruzi, o causador da doença de Chagas.

"Eu não me identifiquei com o trabalho, não estava feliz. Faltava algo relacionado à saúde pública", lembra.

Sua vida mudou quando encontrou ao acaso o cientista português Nuno Faria, professor da Universidade de Oxford, na Inglaterra, instituição onde Cândido faz seu doutorado. "Foi tudo muito aleatório e inesperado. Acabei mudando de projeto e de orientador", conta.

Hoje, Cândido integra um time de especialistas que investiga as mutações genéticas que um vírus acumula para entender a sua propagação por diferentes cidades, estados e países — como você deve imaginar, esse conhecimento é de vital importância numa pandemia como a que estamos vivendo em 2020.

"Nós analisamos todas as mutações que um determinado vírus sofre para determinar como ele se movimenta e como é transmitido no tempo e no espaço", explica.

O trabalho já rendeu frutos importantes: em junho, Cândido e uma equipe de mais de 50 pesquisadores escreveram um artigo que revelou como o Sars-CoV-2, o coronavírus responsável pela crise sanitária atual, entrou e se espalhou pelo Brasil.

Posteriormente, o trabalho foi revisado por pares e publicado na prestigiosa revista Science.

Um esforço de restauração

Para conhecer os caminhos da covid-19, os cientistas sequenciaram o genoma de 427 amostras obtidas de pacientes espalhados por todas as regiões do país.

A partir dessas informações, eles compararam os genes e observaram pequenas mutações quase insignificantes que ocorreram no vírus. A partir disso, foi possível entender como ele se espalhou para outras pessoas e por várias cidades e Estados.

Vamos a um exemplo hipotético: imagine que uma pessoa (nomearemos ela de paciente X) esteja infectado com o Sars-CoV-2, e a análise genética revele que esse vírus apresenta uma pequena alteração inédita nas letrinhas que compõem seu código genético. Para facilitar, vamos chamá-la de mutação Y.

Imagine agora que o estudo de outras amostras, colhidas de indivíduos que pegaram o coronavírus em um momento posterior, apontem essa mesma "mutação Y" no genoma. Dá pra inferir, portanto, que o paciente X de alguma maneira passou o vírus adiante, criando uma nova cadeia de transmissão.

A partir da comparação de centenas de genomas, essas relações são estabelecidas para criar um mapa da dinâmica de transmissão. Assim, os cientistas conseguem entender o comportamento e os fluxos de um surto, uma epidemia ou uma pandemia num determinado local.

E o que aconteceu na covid-19?

Uma das constatações mais curiosas do trabalho é o fato de que, pelo que se sabe até o momento, a pandemia começou a se espalhar no país por três linhagens principais, a partir de pessoas que estiveram na Europa e voltaram de viagem já infectadas.

"No total, cerca de 100 indivíduos chegaram com o vírus. Como o mundo já estava em alerta, a maioria deles foi identificado e isolado a tempo. Mas alguns escaparam e iniciaram as cadeias de transmissão no país", explica Cândido.

Outro achado importante: o vírus já estava em circulação no Brasil antes de o primeiro caso ser confirmado oficialmente, no dia 26 de fevereiro. "É provável que esse coronavírus tenha chegado uma semana ou alguns dias antes desta data", afirma o cientista.

A primeira região a ser acometida foi o Sudeste, com destaque para São Paulo. A partir daí, o patógeno pulou para as capitais e passou por um processo de interiorização, em que afetou (e continua a afetar, diga-se) cidades pequenas, com uma menor capacidade de responder à emergência sanitária.

Mas isso não significa que o Estado paulista foi a única porta de entrada da covid-19 em território nacional. "Observamos novas introduções independentes em outros lugares. Há uma cadeia de transmissão que é específica do Estado do Ceará", exemplifica Cândido.

Com as informações disponíveis no momento, ainda não dá pra saber se o Brasil teve um papel preponderante no espalhamento da pandemia para a América Latina. "Além disso, como temos poucas amostras do Norte e do Nordeste, precisamos entender melhor como se deu a dinâmica de transmissão por lá", pondera o pesquisador.

Poderia ter sido muito pior (ou muito melhor)

No artigo publicado na Science, os autores defendem a ideia de que o Brasil não estava preparado para conter a pandemia: "As intervenções atuais continuam insuficientes para manter a transmissão do vírus sob controle no país", escrevem os especialistas.

No mesmo trabalho, Cândido analisou mais de perto o que aconteceu nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro e constatou como as medidas de contenção ajudaram a frear a progressão dos casos de covid-19 nesses locais.

O número básico de reprodução da doença — conhecido como R0 — chegou a ficar acima de 3 nessas capitais do Sudeste. Em outras palavras, isso significa que um único indivíduo infectado passava o vírus para outras três pessoas.

Homem e mulher com máscara andam de bicicleta em meio ao trânsito
O vírus depende da mobilidade das pessoas para circular entre cidades, estados e países

Com a adoção das estratégias preventivas, como o uso de máscaras e o isolamento social, essa taxa ficou entre 1 e 1,6. Isso significou uma redução de metade ou quase dois terços nas médias de contágio.

Essa constatação pode significar duas coisas: em uma visão otimista, a situação poderia ter sido bem pior (ao menos nesses dois municípios) se comércio, escolas e demais estabelecimentos continuassem funcionando como antes.

Já pelo lado pessimista, é possível afirmar que poderíamos ter feito muito mais. "A taxa de mobilidade urbana nesses locais ficou em torno de 50%. Em locais onde as medidas foram mais rígidas e houve um lockdown nacional, a redução dos casos foi mais alta", compara Cândido.

Lições para o futuro

Enquanto não temos uma vacina ou um remédio seguro e efetivo, não existem maneiras de acabar com a pandemia. O que o mundo pode fazer no momento é minimizar os danos por meio de ações e políticas públicas que diminuam os números de novos casos e mortes.

A segunda onda, que parece estar em pleno avanço pela Europa, é algo que possivelmente vamos vivenciar por aqui em breve. "O vírus depende da mobilidade humana e do contato. Portanto, com um novo crescimento das taxas de infecção, medidas de restrição mais drásticas precisarão entrar em cena", vislumbra Cândido.

De forma mais ampla, o cientista brasileiro acredita que a crise com o coronavírus pode trazer outros ensinamentos no longo prazo. "A gente precisa investir em ciência e inovação no Brasil. Só assim conseguiremos dar respostas rápidas para as novas ondas que vão aparecer".

Cândido também chama a atenção para a importância do SUS neste contexto. "Diferentemente de outros países, nós temos a sorte de possuir uma rede pública de saúde. Se não tivéssemos essa estrutura, estaríamos numa situação muito pior agora".

Conhecer os caminhos da covid-19 nos ajuda a remontar a história da pior pandemia das últimas décadas e entender como ela se infiltrou pelo país. Informações como essa podem fazer toda a diferença no combate às futuras pandemias que veremos daqui em diante.

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