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Reprodução/Sabrina
Reprodução/Sabrina

O norte-americano Nick Drnaso lançou, em 2018, a graphic novel “Sabrina”, que recentemente saiu aqui no Brasil. Sorte nossa. Pela qualidade do texto e das imagens, bem como pelos temas abordados, é uma das melhoras obras em quadrinhos lançadas neste distópico ano de 2020.

Um resumo, sem spoilers: Sabrina desapareceu. Foi sequestrada? Assassinada? Cometeu suicídio? Fugiu de tudo e de todos? Não sabemos, nem o namorado dela. Abatido, desesperado, em depressão, ele vai morar com um amigo para se recuperar.

OK, este é o resumo. O desenvolvimento da graphic novel reúne três dos principais problemas da segunda década do século 21: depressão, fake news e teorias da conspiração. (Não espere por alguma menção a Covid, pandemia ou isolamento social – o livro saiu antes de o mundo como o conhecemos se despedaçar.)

A depressão ainda é tabu. Ao meu redor, vejo poucas pessoas falarem abertamente sobre este tema. Nas artes – e nos quadrinhos, especialmente – idem. O excelente álbum brasileiro “Talco de Vidro”, de Marcello Quintanilha, é uma exceção. E o que vemos em “Sabrina” é seu namorado indo morar em outra cidade apenas com a roupa do corpo. Ele não pensa em se vestir, procurar emprego, comer ou conversar. O livro não mostra seus pensamentos. Pela sua falta de energia, pelos atos (ou a ausência deles), presumimos o que esteja sentindo: o luto, a dor, a angústia.

Os outros dois grandes temas de Drnaso caminham de mãos dadas: fake news e teorias da conspiração. No livro, a imprensa norte-americana noticia o desaparecimento de Sabrina. Blogueiros e influenciadores ignoram a polícia e tocam suas próprias investigações. Sem acesso às testemunhas, aos laudos técnicos ou aos locais que ela frequentava, baseiam-se em fotos (!), comentários de redes sociais (!!) e na opinião de outras pessoas, que também não tiveram acesso a testemunhas, laudos ou locais (!!!).

Esses blogueiros e influenciadores chegam às suas próprias conclusões. Por exemplo: Sabrina nunca existiu, é uma personagem que foi interpretada por atrizes diferentes com o passar dos anos. Como se chega a uma conclusão “brilhante” dessas? Olhando fotos: o nariz dela mudou de uma foto de 5 anos atrás para uma de hoje. “Portanto, é uma pessoa diferente!”

“Raciocínios” como esse, sem o menor sentido ou embasamento lógico, são amplamente divulgados nas redes sociais. Vide a quantidade de “experts” que, hoje, “brigam” com cientistas e médicos a respeito da pandemia de Covid-19. Sem provas, sem laudos, sem nada. Munidos apenas de “raciocínios”, querem confrontar a Medicina e a Ciência.

No livro, outra “conclusão” a que um internauta chega é que Calvin, o amigo que recebe o namorado de Sabrina, está envolvido em uma conspiração. O rapaz passa a receber e-mails de pessoas que querem “fazer o que a polícia não consegue”. Ou seja, o que ele ganha por tentar ajudar um amigo deprimido? O “prêmio” é virar alvo de malucos (ou mal-intencionados?) que acreditam em qualquer teoria da conspiração sem a menor lógica.

Conforme o livro avança, esse misto de fake news com teoria da conspiração embrulha o estômago. O coração acelera. Como é possível alguém acreditar nisso? Como é possível alguém propagar isso? Aí você fecha a graphic novel e vai ler o noticiário. “Sabrina” pode ser o resumo desta década, mas a vida real é muito pior.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. Nascido e criado em São Paulo, é filho de um físico luso-angolano e de uma jornalista paulistana.

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