Acho muito legal quando artistas de uma área encontram jeito de homenagear os de outra – especialmente quando o resultado fica ótimo, é claro. E no final dos anos 90, a DC lançou uma curta série de graphic novels em que os principais membros da Liga da Justiça (Superman, Batman e Mulher-Maravilha) foram usados para homenagear filmes daquilo que ficou conhecido como o expressionismo alemão: “Dr. Mabuse” e “Metrópolis”, dirigidos por Fritz Lang e lançados em 1922 e 27, respectivamente; “O Gabinete do Dr. Caligari” (de Robert Wiene, 1920); “Nosferatu” (F. W. Murnau, 1922); e “O Anjo Azul” (Josef von Sternberg, 1930).
Este divertido “crossover” entre quadrinhos e cinema começou em 1997, com “Superman: Metrópolis”. Como o nome do filmaço de Fritz Lang é o mesmo da cidade adotiva do kryptoniano e o protagonista do longa é um herói identificado da classe operária (mas com condições de atuar “acima” dela), o “amálgama”, por assim dizer, não foi tão difícil. O alemão Clarc Kent-son enfrenta o poderoso magnata Lutor, com direito a participação da poderosa ginoide “Futura” (mesma aparência da personagem do filme).

Os méritos desta HQ ficam com o casal Jean-Marc Lofficier e Randy Lofficer, o já então veterano Roy Thomas e Ted McKeever, que contava então com pouco mais de uma década de carreira. Os três primeiros ficaram com o roteiro, cheio de referência e pequenas homenagens tanto ao clássico de Lang quanto à mitologia do Superman – aparecem versões adaptadas de Lois Lane, Lana Lang e outros. McKeever ilustrou e coloriu tudo com um estilo anguloso, sombrio, quadrado – uma combinação perfeita com a estética do filme original.

O segundo volume da saga deste universo particular demorou dois anos: “Batman: Nosferatu” reuniu a equipe original, exceto por Roy Thomas, e saiu em 1999. Nesta sombria história, Bruss Wayne-son não vira o famigerado Batman, mas Nosferatu – em homenagem ao clássico de Murnau. Ambientada em um asilo (no caso, o Arkham, peça vital na construção de Gotham City), a história acaba tendo mais semelhanças com o maravilhoso “O Gabinete do Dr. Caligari”.

“Wonder Woman: The Blue Amazon” (“Mulher-Maravilha – Amazona Azul”, em tradução livre) demorou ainda mais e saiu só em 2003. Seu título já traz uma pista de um dos filmes em que foi baseado: “O Anjo Azul”, com atuação mesmerizante de Marlene Dietrich. Além dele, há grande inspiração em “Dr. Mabuse”, em que o personagem-título é amalgamado com o Doutor Psycho, notório inimigo da Mulher-Maravilha. De quebra, temas o retorno dos protagonistas dos dois volumes anteriores.

Em minha opinião, a saga é ótima. As mitologias dos personagens são ricamente representadas, e as referências aos longas dão vontade de reassisti-los. Entretanto, aparentemente, nem todo mundo concorda comigo. Apenas o primeiro volume saiu aqui no Brasil, segundo o ótimo site-banco-de-dados “Guia dos Quadrinhos”: “Super-Homem – Metrópolis”, lançado em 2002 pela Brainstore. E, mais triste: o projeto ficou inacabado.

Os roteiristas tinham planos para a quarta e derradeira edição, com apresentação de mais personagens e, talvez, a formação de uma Liga da Justiça para este peculiar universo. O inédito “The Green Light” traria uma versão feminina do Aquaman inspirada em “Atlântida” (G. W. Pabst, 1932), filme em que o mítico reino é comandado por uma mulher; e haveria também versões do Flash, do Lanterna Verde e do Caçador de Marte a partir de filmes como “The Blue Light” (Leni Riefenstahl, 1932) e “Der weiße Rausch” (Arnold Fanck, 1931).

Como fã de quadrinhos, cinema e boas histórias, tenho três desejos: que as edições restantes sejam lançadas no Brasil; que a DC publique o último número; e que surjam mais projetos como este...
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