Nestes tempos em que os esquemas de jogo são dissecados sem piedade pelos analistas, em que o discurso sobre o jogo de bola definitivamente parece ter ganho um ar científico, o todo sugere que o futebol não tem mais segredos. Autopsiado que está pelos entendidos. Pelas onipresentes câmeras à serviço do árbitro de vídeo. Mas não falo sobre essa , digamos, vigilância. Nem desse exercício louco de mirar os jogadores em campo e a partir dos movimentos de cada um fazer nascer uma interpretação sobre o que tinha o treinador na cabeça quando decidiu ensaiar aquele tipo de dança com suas linhas.
O que me faz escrever sobre os mistérios que se derramam sobre o futebol são os meninos da Vila. Não exatamente aqueles que no final dos anos setenta com seu futebol quase imberbe se colocaram de vez na história do Santos e, a partir dali, ficaram assim conhecidos. Falo de todos os meninos que nunca pararam de brotar no gramado de Urbano Caldeira. Como não falo também só daqueles que ao quebrar a fronteira do anonimato foram saudados de maneira efusiva e viram cair sobre eles o peso de ter de lidar com a sombra de um menino Rei que sempre irá pairar por ali.
Falo de todos os meninos que tiveram na Vila uma porta de entrada para um mundo que também viria a se revelar uma outra coisa, não exatamente sinônimo de fama e grana. Escrevo sobre o assunto porque nos últimos dias muitos amigos depois de assistirem ao time santista , jovem, fazer o que andou fazendo vieram me perguntar como seria possível explicar isso. E me vi incapaz de encontrar uma resposta que não sugerisse algo misterioso, algo do qual não se tem compreensão.
Não queria me amparar no que já virou um lugar comum quando se fala sobre o tema. Na visão macro acho impossível a base do Santos não passar pelos mesmos desafios e imprecisões que desafiam outros clubes na hora de tratar seus meninos. Talvez, a insistência ao longo da história em ter um moleque ou mais entre os bambas ajudando a dar originalidade à receita seja um caminho pra entender o que se passa. Ainda que estejamos cansados de saber que muitas vezes essa presença dos garotos se dê mais por necessidade do que exatamente por planejamento.
Fato é que os meninos sempre foram onipresentes no time santista. E romântico que sou ouso pensar que essa magia toda se dá também porque nos meninos - e no seu jeito de jogar - o futebol ainda se encontra em estado mais puro. Só não me venham dizer que o clube sempre apostou nos meninos que essa não cola. É só ver a grana que o Santos gastou nos últimos anos contratando medalhões de talento duvidoso, bancando contratações capazes de deixar até os torcedores adversários inconformados.
Escolhas que não deixam dúvida alguma sobre o que ao longo do tempo tem sido realmente prioridade. De quantos garotos seria possível cuidar com a fortuna que se apostou em Leandro Damião, por exemplo? Isso pra não dizer que formar um time de garotos, usando a experiência de maneira pontual, exigiria uma ousadia que só os garotos costumam ter, cartolas não. Enfim, estou totalmente ciente do quanto é desafiador desvendar que mistério é esse que desde sempre se derramou sobre o time santista. A única certeza que tenho é a de que um clube deve sempre zelar por sua mística.
Vladir Lemos é jornalista, apresentador Revista do Esporte e diretor de Esporte da TV Cultura.
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