Quando estreou em 13 de dezembro de 1928, em concerto da Filarmônica de Nova York regida por Walter Damrosch, o poema sinfônico “Um Americano em Paris”, de George Gershwin (1898-1937), recebeu críticas diametralmente opostas. Uma delas qualificou-a como “maçante, desequilibrada, prolixa, fútil”. Mas a outra afirmou que ela está no mesmo nível do “Carnaval Romano” de Hector Berlioz e de “España” de Emmanuel Chabrier. Ou seja, equiparou-a a duas obras do século 19 populares, muito conhecidas e celebradas como exemplos de maestria de orquestração.
Nem uma coisa nem outra, podemos dizer hoje com a tranquilidade do distanciamento histórico, olhando pelo retrovisor. Era a terceira incursão do festejado autor de musicais da Broadway e de centenas de canções admiráveis, como “I Got Rhythm” e ‘Embraceable You”. Foi uma homenagem ao seu amigo e guru Maurice Ravel, com quem pediu para estudar em Paris. Neste caso, o aluno ensinou ao mestre ao levá-lo para conhecer o Harlem. Ravel se encantou com o blues a ponto de incluí-lo em seu concerto para piano e também numa sonata para violino e piano.
Gershwin esteve três vezes em Paris: em 1923, 1926 e 1928. Mas foi neste último ano que comprou as famosas buzinas de táxis franceses que soam logo no início de “Um Americano em Paris”. Quanto à orquestração, jamais se saberá ao certo se é só dele, ou em que medida Ferde Grofé a sofisticou, digamos assim.
Aliás, como este poema, também a “Rhapsody in Blue” recebeu muitas versões e retoques na forma que a conhecemos. Por isso, é milaruloso como suas obras mais ambiciosas mantêm o encanto sob as mais variadas versões e arranjos instrumentais.
O ensemble de metais inglês Septura, grupo residente da Royal Academy of Music de Londres, vem realizando uma série de álbuns para a Naxos com repertórios diversificados para sua formatação: Philip Cobb. Alan Thomas e Simon Cox nos trompetes; Matthew Gee, Peter Moore e Matthew Knight nos trombone; Daniel West no trombone baixo; Sasha Koushk-Jalali, na tuba; e Patrick Flanaghan no corne-inglês. Simon Cox e Matthew Knight são os diretores artísticos do grupo, responsáveis pelos arranjos. Se de um lado perde-se muito da intenção do compositor em homenagear Ravel em “Um Americano em Paris” usando uma orquestra sinfônica completa, por outro ganha em clareza e potência.
O álbum completa-se com arranjos para metais de duas suítes do ccompositor norte-americano Aaron Copland: a da trilha sonora do filme “Quiet City”, de 1939, obra mais escura e desolada, digamos assim: mas tem um Copland mais otimista, com a suíte da música composta para o balé “Appalachian Spring” (1944). Matthew Knight assina o arranjo de três prelúdios originais para piano solo de Gershwin.
Entre todas estas obras, a mais envolvente é sem dúvida “Um Americano em Paris”. Aliás, esqueci de acrescentar que outro compositor francês que conheceu Gershwin, Francis Poulenc, declarou publicamente que esta é sua composição musical favorita do século 20. Exagerou, claro. Mas com certeza provocou uma ampliação do público que se decidiu a ouvi-la. Em 1951 o poema sinfônico virou a base da trilha e deu nome ao filme, que no Brasil chamou-se Sinfonia de Paris, com Gene Kelly no auge da forma, espetacular.
A cada semana o crítico musical João Marcos Coelho apresenta aos ouvintes da Cultura FM as novidades e lançamentos nacionais e internacionais do universo da música erudita, jazz e música brasileira. CD da Semana vai ao ar de terça a sexta dentro da programação do Estação Cultura e Tarde Cultura.
REDES SOCIAIS