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Esta história já foi repetida muitas vezes: a situação do violão como instrumento de marginais no Rio de Janeiro das últimas décadas do século 19 e primeiras do século 20 levava a polícia a fazer batidas pedindo para os suspeitos mostrarem os dedos da mão esquerda: se estivessem calejados, já iam presos.
Surpreendentemente, em São Paulo a situação do violão e dos violonistas era muito diferente, como demonstra a tese de doutorado de Flavia Prando, violonista, doutora e mestre em música, pesquisadora do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc em São Paulo. Ela concentrou pesquisas sobre o violão na São Paulo do período 1880-1932 e agora, além da tese, está registrando, em três álbuns, estas gemas que até agora permaneciam rigorosamente inéditas.
Henrique Cazes, no livro “Choro: do quintal ao Municipal”, escreve que “as composições dos violonistas de São Paulo mostram sensíveis diferenças em relação aos choros cultivados no Rio de Janeiro, então capital federal. Pela instrumentação pode-se ter ideia de quanto o choro paulista caminhava mais para o romântico, para o clima de serenata, enquanto no Rio o objetivo era o balanço a brejeirice”.
Não só o choro. Flávia vai aos detalhes: “Ao reelaborarem as estilizadas danças de salão europeias, como valsas, polcas, mazurcas e gavotas com temáticas locais, esses músicos tornaram possível a identificação de características específicas na produção musical do violão paulistano. Além do mais, transitando entre os universos da música de concerto e da música popular - das tradições rurais e das novas formas urbanas em ascensão no início do século XX - esses violonistas foram exitosos na combinação destes ingredientes, cujas sínteses, desprovidas de hierarquias, geraram ricas e potentes linguagens instrumentais em distintas localidades do país, sendo que ainda há muitos violões brasileiros a serem descortinados”.
O álbum “Violões na Velha São Paulo (1880-1932) ” é um real banquete de descobertas e resgate de composições até hoje completamente ignoradas. O violão na cidade era coisa de gente fina, num contraste total com a situação carioca. Em 1906 aconteceu na cidade o primeiro recital de violão. Entre as peças e compositores resgatados por Flavia estão, por exemplo, dois violonistas compositores parentes de Tarsila, a grande musa modernista: seu primo Mário Amaral (1895-1926), o único violonista paulistano a ter atuação registrada por Mário de Andrade. Menotti Del Picchia, outro personagem da Semana de 22, também escreveu sobre ele. Outro parente de Tarsila, seu tio Antonio Estanislau do Amaral (1869-1938), também está no álbum.
O CD desta semana é precioso porque mapeia em primeiras gravações este segmento da vida musical paulistana que permaneceu ignorada até o duplo trabalho virtuoso de Flavia Prando: como pesquisadora e excelente violonista.
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