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A Deutsche Gramophon lançou no ano passado, dentro das comemorações de seus 125 anos de existência, vários álbuns históricos que permaneceram inéditos comercialmente numa série intitulada The Lost Tapes, os teipes perdidos. Preciosidades como que traz as derradeiras gravações das sonatas “Waldstein” e “Appassionata”, de Beethoven. pelo pianista checo Rudolf Serkin, nascido em 1903 e morto em Vermont, nos Estados Unidos, em 1991.
Embora adepto da escola alemã, que pregava a fidelidade ao texto musical acima de tudo, Rudolf Serkin idolatrava o pianista ucraniano Vladimir Horowitz e nunca escondeu isso de ninguém. Nascido em Eger, na Checoslováquia, vinha de família pobre (“comecei a trabalhar aos 12 anos; minha família era tão pobre que eu contribuía para alimentar dez pessoas”), estudou piano em Viena com Richard Robert, e composição por três anos com Schoenberg. Lá conheceu o violinista Adolf Busch, do qual foi íntimo por toda a vida. Busch levou-o a Berlim, e tornou-se folclórica a ingenuidade de Serkin após um concerto de Bach ao lado do violinista. Nos bastidores, Serkin perguntou a Busch que peça tocar como extra. “As Variações Goldberg”, brincou o violinista. Ele levou a sugestão a sério. Pouco mais de uma hora depois, ao final das portentosas variações de Bach, permaneciam na sala de concertos apenas Busch, o pianista Arthur Schnabel e o musicólogo Alfred Einstein.
Serkin casou-se com Irene, filha de Busch, e no final dos anos 1930 transferiu-se definitivamente para os EUA, onde estreou em 1936 num concerto de Mozart com Toscanini. Tinha repertório elástico, mas aos poucos desviou-se para a música de câmara. E era excepcional, como comprovam suas gravações com Busch nos anos 40, e sobretudo o belíssimo registro das duas sonatas para violoncelo de Brahms com Rostropovich, realizadas em 1982 pela DG. Fundou o Festival e Escola de Música de Marlboro, em Vermont, para onde se transferiu nas últimas décadas de vida; ensinou durante muitos anos e foi diretor entre 1968 e 1976 no célebre Curtis Institute da Filadélfia, celeiro dos grandes músicos norte-americanos, ao lado do New England Conservatory de Boston e da Juilliard de Nova York.
Nos anos 1980, confessava candidamente que “Rachmaninoff e Horowitz foram as maiores experiências pianísticas da minha vida”, até porque não tinha a técnica natural desses notáveis virtuoses do teclado. Serkin foi, ao lado de Schnabel e Backhaus, um dos pianistas que contrapuseram à espalhafatosa linhagem virtuosística do século 19 o ascetismo de Brahms. Se nos tempos de juventude Serkin tinha repertório muito amplo, nos anos finais, vivendo em sua fazenda em Vermont, reduziu-o às últimas duas sonatas de Schubert e às sonatas de Beethoven. Aos poucos, num raro itinerário estético, Serkin foi descartando os truques de sedução que tanto apaixonam os pianistas e mergulhando de modo sempre mais profundo no texto das obras.
Por isso, o CD desta semana é uma gema rara. Serkin gravou as duas sonatas nos últimos cinco anos de vida: a Waldstein em 1986 e a Appassionata em 1989. Judith, sua filha, revela que a gravação permaneceu inédita porque Serkin não chegou a autorizar seu lançamento.
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