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Reprodução da Internet Gerd Schaller

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Anton Bruckner nasceu há exatos duzentos anos, em 4 de setembro de 1824, na diminuta cidadezinha de Ansfeld, no interior da Áustria (região chamada de Alta Áustria), de pai professor primário e firme fé católica. Anton também foi destinado ao magistério, mas estudou música – órgão e composição -- desde cedo com o primo Johann Weiss.

As palavras do poeta e dramaturgo alemão Goethe -- “minha obra é uma ‘série de fragmentos de uma confissão mais ampla” – aplicam-se em todos os sentidos à sua produção musical. De modo direto, é claro, à sua importante criação sacra – além das missas, o célebre Te Deum, primeira obra que o tornou conhecido fora da Áustria. Mas suas onze sinfonias – duas não numeradas, de juventude, além das nove – constituem também uma maravilhosa declaração de fé religiosa.

Aliás, as sinfonias já foram muitas vezes chamadas de catedrais sonoras, tamanha sua monumentalidade. De fato, não há outra maneira de ouvir os emocionalmente intensos adágios. O da sétima, por sinal, tem vários significados simbólicos. Em primeiro lugar, ele o compôs sob o impacto da notícia da morte de seu mestre maior, Richard Wagner. E, depois, o nazismo associou-o ao anúncio da morte de Adolf Hitler.

Em todo caso, é curioso que, ao contrário de Wagner, satanizado por causa do uso que o nazismo fez de sua obra, Bruckner tenha passado ileso por mais essa polêmica. Afinal, e ao contrário de Wagner, que expressou claramente seu antissemismo, Bruckner jamais posicionou-se contra os judeus. Ele não era um intelectual. Era apenas um músico, que verteu sua fé religiosa em música. Suas sinfonias demonstram independência criativa, segurança e refinamento.

Numa metáfora esclarecedora, o musicólogo vienense Gustave Kars diz que Bruckner e Mahler operam criativamente como biólogos manipulando em laboratório cromossomos e genes. “Se a melodia é a molécula, o motivo é o átomo; os elementos que compõem o átomo são as novas unidades do trabalho temático. Ou seja, o intervalo, o ritmo, e mais tarde o timbre”. De fato, uma obra grandiosa como a sétima sinfonia, anota Kars, de uma hora de duração, constrói-se a partir dos intervalos expostos nos nove primeiros compassos do primeiro movimento. Bruckner avança em relação a Brahms (que trabalha basicamente o motivo) e adota como guru e modelo técnico Richard Wagner. De certo modo, antecipa o processo composicional de Mahler e contém em germe até as melodias de timbres de Anton Webern. É, portanto, o elo de ligação mais forte entre a música clássica tradicional e a revolução da música atonal que explodiria nas primeiras décadas do século 20 com Arnold Schoenberg, Alban Berg e o citado Webern.

É muito pequena a produção de Bruckner no reino da música de câmara. A orquestra é seu veículo criativo como compositor. Sabe-se de um quarteto de cordas de seus tempos de estudante em Linz, que só foi descoberto tempos depois de sua morte. Em 1878, o violinista Joseph Hellmesberger pediu-lhe que compusesse algo para seu quarteto de cordas. Bruckner concebeu um quinteto de cordas como o de Mozart, com uma segunda viola. Mas Hellmesberger não gostou, argumentando que era difícil demais, sobretudo o scherzo. Mais do que depressa, em sua insegurança habitual, Bruckner compôs em seu lugar um intermezzo.

O CD desta semana na Cultura FM homenageia Bruckner na passagem de seus 200 anos de nascimento. E de uma maneira diferente. Com uma versão para orquestra das suas raras obras camerísticas, realizada pelo organista e maestro Gerd Schaller. Hoje com 59 anos, ele vem se dedicando há décadas à obra de Bruckner. Já gravou uma integral das sinfonias. E colocou toda a sua expertise nesta versão orquestral admirável. Ele optou por uma formação sinfônica romântica, e não tão agigantada como a orquestração romântica tardia. E a execução da Orquestra Sinfônica da Rádio de Praga empolga. Detalhe: Schaller adota o seguinte encadeamento dos movimentos do quinteto na sua versão orquestral: os primeiros três movimentos originais – Moderado – o Scherzo da primeira versão – e o Adagio final. O quarto movimento é o Intermezzo que Bruckner escreveu para substituir o scherzo que tinha desagradado Hellmesberger. A quinta faixa é um finale revisado pelo compositor em 1884. A sexta e última faixa traz outra raridade, a Abertura em sol menor, obra de juventude, dos tempos do Anton estudante.

Uma observação final: a instrumentação permanece limitada a pares de instrumentos de sopro e trompetes, três trombones e tímpanos. Em suma, ele não utiliza um efetivo orquestral maior porque tentou manter o espírito característico e as sonoridades da música de câmara.