Ana Cláudia Leocádio – AGÊNCIA CENARIUM
BRASÍLIA (DF) – Os Estados do Amazonas, Mato Grosso do Sul e Roraima apresentaram aumento no número de assassinatos de indígenas em 2023, em comparação a 2022, e também tiveram o maior índice de suicídios entre esta população, no ano passado, segundo mostra o relatório “Violência contra os povos indígenas no Brasil – dados de 2023” apresentado, na tarde desta segunda-feira, 22, pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), em Brasília.
Vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Cimi elabora este relatório desde 1986 e, desde 2003, o divulga anualmente. Segundo os dados de 2023, foram registrados 404 casos de “Violência contra a Pessoa”, dos quais 208 foram assassinatos.
Em Roraima foram registradas 47 mortes, no Mato Grosso do Sul, 43, e no Amazonas, 36. Em 2022, Roraima registrou 41 assassinatos, Mato Grosso do Sul, 38, e Amazonas, 30, números ainda considerados altos pelo Cimi. Os dados, foram compilados a partir da base do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e de informações obtidas junto à Sesai via Lei de Acesso à Informação (LAI).
Ainda de acordo com o relatório, os “ataques de garimpeiros contra indígenas Yanomami, em Roraima e no Amazonas, foram registrados ao longo de 2023, apesar das operações realizadas no primeiro semestre do ano na TI Yanomami. Assassinatos, ataques armados violências sexuais e aliciamento de indígenas para o garimpo, com fomento de conflitos internos, integraram o trágico quadro da continuidade das violências neste território.”
Em 2023, o Cimi registrou 180 suicídios ante 115, em 2022. “Os índices mais altos, assim como nos anos anteriores, foram registrados no Amazonas (66), Mato Grosso do Sul (37) e Roraima (19)”.
Os números do Cimi foram apresentados no momento em que o país registra o acirramento dos conflitos dos povos indígenas, principalmente no Mato Grosso do Sul (MS) e Paraná (PR). Representantes dos guarani kaiowá foram ao Cimi pedir apoio para parar os conflitos no MS, assim como Vilma Vera, da Terra Indígena Guaçú Guavira (PR), que estão em conflito nos municípios de Guaíra e Terra Roxa.
Os dados são, ainda, o compilado do primeiro ano do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que foi inaugurado prometendo uma nova política indigenista para o país, em contraponto ao governo anterior, considerado anti-indígena.
O presidente do Cimi, arcebispo de Manaus, cardeal Leonardo Steiner, se disse triste em divulgar um relatório diante dos relatos e clamores dos indígenas que estavam presentes na seda da CNBB, relatando o acirramento das violências. Steiner promete distribuir o relatório às autoridades brasileiras e ao Papa Francisco para angariar apoio à causa indígena no Brasil.
Para o dirigente, o cenário é reflexo da disputa pelos direitos dos povos indígenas pelo Congresso Nacional, que tenta impor leis que prejudicam essas populações, como a Lei 14.701/2023, que estipulou o ano de 1988 como marco temporal para demarcação das terras indígenas e está sendo contestada no Supremo Tribunal Federal (STF). “É preciso muita resistência e muita mística para suportar tanta dor e tanta morte”, afirmou.
Violência contra o Patrimônio
No que diz respeito à “violência contra o patrimônio”, que abrange categorias como omissão e morosidade na regularização de terras, conflitos relativos a direitos territoriais, e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, em 2023 foram 1.276 casos, contra 1.334, em 2022.
A maior parte dos registros deu-se na categoria de omissão e morosidade na regularização de terras, com 850 casos, o que enseja justamente a origem da maioria dos conflitos, segundo ressaltou Lúcia Helena Rangel, organizadora do relatório do Cimi.
No ano de 2023, foram registrados 150 casos de conflitos relativos a direitos territoriais, que ocorreram em pelo menos 124 terras e territórios indígenas em 24 estados do Brasil. “A maioria dos registros envolve comunidades em contexto de luta pela terra, em muitos casos há vários anos”, diz o documento.
A maior parte dos conflitos envolve pressão, assédio e intimidações, com alguns chegando a resultar em ataques armados e violência direta contra comunidades indígenas, segundo o Cimi. O relatório destaca os conflitos ocorridos nos estados da Bahia, do Mato Grosso do Sul e do Paraná.
Na região Norte, o Amazonas lidera o número de conflitos, com 16 registros, seguido com Pará, com 15, e Roraima em terceiro, registrando 5 conflitos em 2023.
Dentre os registros em solo amazonense, está a ocorrida na Terra Indígena Baixo Seruini/Baixo Tumiã, do povo Apurinã, quando a empresa Nemus Brasil Participações S/A desconsiderou as recomendações do Ministério Público Federal (MPF) de “venda, negociação ou qualquer outra forma de comercialização de títulos incidentes sobre territórios indígenas ou tradicionais”.
A empresa é especializada no comércio de de NFTs (Tokens Não Fungíveis). Os indígenas temem pela expropriação de seu território uma vez que o processo de demarcação ainda não foi concluído, segundo o Cimi.
Outro conflito diz respeito aos indígenas de Soares/Urucurituba, da etnia Mura, que sofrem pressão para apoiar a exploração da silvinita para a produção de fertilizantes pela Potássio do Brasil. Além do desrespeito à Convenção 169, da OIT, que obriga a consulta prévia aos indígenas, os Mura também reclamam do total desrespeito aos seus direitos durante o processo de licenciamento feito pela empresa aos órgãos licenciadores. Além disso, eles também aguardam uma definição sobre o pedido de identificação e demarcação de seu território.
Morte de crianças indígenas cresce quase 20%
Outro tópico apresentado pelo Cimi no relatório é sobre os casos de “Violência por Omissão do Poder Público”, organizado em sete categorias. Os dados são colhidos juntos ao SIM e à Sesai e mostram que foram registradas 1.040 mortes de crianças indígenas de 0 a 4 anos de idade, em 2023, contra 835 mortes, em 2022. Um crescimento de cerca de 19,7%.
O Amazonas lidera o número de mortes, com 295 registros, seguido de Roraima, com 179 casos, e Mato Grosso, com 124. Se comparado a 2022, os três estados apresentaram piora no quadro de mortes de crianças indígenas ano passado.
De acordo com o Cimi, a maior parte dos óbitos teve causas consideradas evitáveis “por meio de ações de atenção à saúde, imunização, diagnóstico e tratamento adequados”. Entre as causas registradas estão: gripe e pneumonia (141), por diarreia, gastroenterite e doenças infecciosas intestinais (88) e por desnutrição (57).
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