Aos 90 anos, última pajé nativa do Marajó dissemina saberes ancestrais da Amazônia
Além disso, com seus conhecimentos e tradições ancestrais, a pajé pratica a cura xamânica há muitos anos, seguindo os ensinamentos dos indígenas da etnia Sacaca.
02/08/2024 18h59
Fabyo Cruz - AGÊNCIA CENARIUM
Belém (PA) - Conhecida como a última pajé indígena nativa do município de Soure (PA), localizado no Arquipélago do Marajó, a ecologista Zeneida Lima completou 90 anos no dia 21 de julho deste ano. Um dos principais legados da pajé nativa é a fundação da Instituição Caruanas do Marajó Cultura e Ecologia (ICMCE), uma unidade de ensino onde cerca 180 crianças em situação de vulnerabilidade social aprendem sobre a preservação ambiental e a cultura marajoara. Além disso, com seus conhecimentos e tradições ancestrais, a pajé pratica a cura xamânica há muitos anos, seguindo os ensinamentos dos indígenas da etnia Sacaca.
Mesmo vivendo cercada pela exuberância da biodiversidade amazônica e adquirindo conhecimentos sobre preservação desde cedo, a pajé nativa enfrentou uma infância desafiadora, assim como diversas crianças na Ilha do Marajó. Por isso, ela nunca abandonou o sonho de mudar a realidade, pois se identificava com as dificuldades vividas no passado.
Em entrevista à CENARIUM, Zeneida Lima afirmou que um dos seus principais objetivos de vida é ajudar as pessoas. “Eu estou sempre em busca de ajudar as pessoas, o próximo, o meu semelhante, principalmente as crianças, porque elas são o futuro."
Ela também mencionou a fundação de uma escola, localizada no meio da floresta amazônica. Atualmente, a Instituição Caruanas funciona em parceria com a prefeitura de Soure (PA) e recebe crianças em condição de risco social, que têm a oportunidade de estudar do jardim de infância até a quinta série do ensino fundamental.
"Sou imensamente realizada por ter a oportunidade de fazer isso através da pajelança e do Instituto Caruana do Marajó. Também me sinto realizada e feliz ao trabalhar pela preservação da natureza e da pajelança cabocla, essa cultura tão linda, genuína, antiga que herdamos dos nossos indígenas. E é isso que me move, que me faz sentir renovada e que pretendo fazer todos os dias enquanto tiver força, não importa a idade”, declarou.
A ecologista diz que a população do Marajó “precisa de mais cuidado, carinho, saúde, educação, principalmente as crianças, além de mais oportunidades de emprego e renda”. Ela reforça que a mudança só é possível com o envolvimento de toda a sociedade e deixa uma mensagem para a juventude.
“Gostaria que o jovem amasse a natureza, como eu amo, a própria vida, e que, entendam, reconheçam a importância do meio ambiente. Nós devemos aprender a conviver com o meio ambiente sem destruí-los, fazendo com que ele se perpetue para as futuras gerações”, frisou.
Pajelança cabocla
A pajelança cabocla é uma prática cultural originária dos povos nativos que viviam na região do Marajó. De acordo com Zeneida, o pajeísmo acontece quando o ser humano se conecta às energias da natureza conhecidas como "Encantados" ou "Caruanas", que são as forças que habitam as águas.
Esses seres místicos têm propósitos específicos que somente um pajé pode realizar. Em sua essência, o principal objetivo de um Caruana é manter o equilíbrio natural, mas muitas vezes eles também se dedicam à cura dos habitantes da Terra.
O ex-bancário Rubens Amorim, 63 anos, filho de Zeneida, pontua que a Caruanas não se trata de uma religião, mas sim de uma manifestação cultural. De acordo com Amorim, os antigos nativos marajoaras celebravam a natureza, reunindo-se em um local especial, ricamente florestado, para realizar seus rituais. A prática da pajelança cabocla surge quando os tratamentos convencionais falham, sendo necessário recorrer às energias caruanas.
Já Eliana Lima, de 70 anos, que também é filha de Zeneida, disse à CENARIUM que sente orgulho pelo fato da mãe nunca ter perdido a fé nos Caruanas. Ela descreveu a pajé indígena como fiel a princípios e destacou a felicidade em saber que a sua mãe ajudou na preservação da região.
“Em nenhum momento ela deixou de lutar pelo que acreditava. É um exemplo de fé para todos, assim como determinação, coragem e amor à natureza e ao próximo. Ela sempre foi fiel aos seus princípios e sua crença nos Caruanas. Fico muito feliz por ela ter ajudado a preservar e a divulgar a cultura da pajelança que veio dos indígenas da ilha do Marajó e a mensagem dela de amor ao próximo, amor à natureza”, afirmou.
Filme, livros e carnaval
Em 2017, Zeneida Lima ganhou um filme baseado no seu livro 'O Mundo Místico dos Caruanas da Ilha do Marajó'. O longa-metragem 'Encantados', dirigido por Tizuka Yamasaki, conta a história da própria Zeneida, que fugiu da casa dos pais aos 12 anos de idade para seguir uma paixão, e logo descobriu seu dom para a pajelança. O elenco contou com nomes como Dira Paes, Letícia Sabatella, Cássia Kiss, Fafá de Belém e José Mayer.
A obra literária também foi adaptada pela escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, em 1998. A agremiação não vencia o Carnaval n o Carnaval do Rio de Janeiro. Com o enredo 'Pará, o Mundo Místico dos Caruanas nas Águas do Patu-Anu', e a presença de Zeneida em um dos carros alegóricos, a agremiação sagrou-se campeã daquele ano.
Neste ano, a escritora lançará um novo livro. Intitulado como 'A Confusão dos Bichos', a obra infantil transporta os leitores para o coração da selva, onde os bichos ganham vida de forma divertida e esclarecedora, abordando questões importantes. O livro promete envolver as crianças em uma cativante história entre os animais da floresta, destacando temas relevantes como solidariedade, diversidade, amizade, justiça e sinceridade.
A Aids será tratada na obra de maneira delicada e objetiva, ressaltando a importância de lidar com a doença sem preconceitos, com empatia e compreensão, tanto na esfera médica quanto humana.
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