Gabriel Abreu - AGÊNCIA CENARIUM
MANAUS (AM) - A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) fez duras críticas após ser informada da troca de comando na Superintendência da Polícia Federal do Amazonas (PF/AM). A entidade manifestou preocupação com os inquéritos ambientais conduzidos pela instituição. A PF investigações de casos de grande repercussão no Brasil e no mundo. Entre eles estão: o massacre do Rio Abacaxis, os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips, além do servidor da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) Maxciel Pereira dos Santos, em 2019, passarão a ser conduzido por outro delegado.
A superintendência da PF no Estado passou a ser coordenada pelo delegado federal Umberto Ramos, irmão do ex-deputado e candidato a prefeito de Manaus Marcelo Ramos (PT). Ele assumiu a gestão em março de 2023, no início do governo Lula, ao ser indicado pelo diretor-geral Andrei Passos e pelo ex-ministro da Justiça e Segurança Pública (MJSP) Flávio Dino. Agora, quem assume a função é o delegado João Paulo Garrido Pimentel.
Em nota encaminhada à imprensa, a Univaja elenca uma série de preocupações quantos aos inquéritos em andamento. A instituição, afirmou o líder Eliésio Marubo, elenca que houve avanços durante a gestão de Umberto Ramos no combate ao crime organizado de forma significativa. A nota pontua que o cenário narrado não é o melhor diante da complexidade que é a política de segurança, ante a falta de compromisso dos superiores hierárquicos com a indicação de recursos financeiros para atender a urgência necessária.
"A redistribuição do inquérito a outro delegado só prejudica as investigações que avançam com
a possível elucidação dos crimes e têm como alvos, possivelmente, autoridades amazonenses
que dão sustentação às práticas criminosas no Estado que ostenta a terceira posição em
criminalidade do País", diz trecho da nota.
Para a entidade, o avizinhamento das eleições municipais, oportunidade em que se reconfigura o cenário político de 2026 e a redistribuição dos inquéritos policiais lança sombra sobre uma possível interferência política na condução dos processos de investigação.
"A notícia de redistribuição do inquérito lança sombra sobre o real motivo da mudança e faz crer que há interferência política nessa conjuntura, uma vez que, como destacamos, temos companhado de perto as ações policiais no contexto amazônico e não há razão de interesse público que justifiquem tais modificações", aponta a nota.
Por fim, a Univaja reforça profunda preocupação com as recentes mudanças na PF no Amazonas, nos inquéritos presididos pelo delegado natural dos casos Dom, Bruno, Massacre do Rio Abacaxis e o assassinato do servidor da Funai, Maxciel, além de outros crimes com motivações ambientais e de Direitos Humanos envolvendo altas autoridades no Estado do Amazonas. A entidade pede urgente manifestação do Ministério da Justiça, sob pena da conduta auxiliar o fortalecimento do crime organizado e penalizar a boa polícia.
Entenda o caso
Bruno Pereira e Dom Philips foram assassinados em 5 de junho de 2022 nas proximidades da Terra Indígena Vale do Javari, na zona rural do município de Atalaia do Norte (AM) e uma das maiores reservas de indígenas em isolamento voluntário do mundo. À época, Dom trabalhava em um livro sobre a preservação da Floresta Amazônica e estava sendo acompanhado por Bruno, que havia agendado encontros e entrevistas com lideranças locais.
Bruno Pereira era um dos maiores especialistas em indígenas em isolamento voluntário do Brasil, servidor de carreira da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) – licenciado do órgão desde 2019 – e trabalhava como consultor para a União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Segundo a organização, ele recebia constantes ameaças de garimpeiros, madeireiros e pescadores ilegais por sua atuação em defesa dos povos tradicionais e do meio ambiente da região.
Já Dom Phillips era um jornalista inglês veterano na cobertura internacional que já havia trabalhado para veículos como Washington Post, The New York Times e Financial Times e, à época, colaborava com o jornal inglês The Guardian. Com mais de 15 anos no Brasil, Dom escreveu inúmeras reportagens denunciando atividades criminosas e desmatamento na região amazônica e estava no Vale do Javari entrevistando indígenas e ribeirinhos para um livro sobre a Amazônia.
Massacre Rio Abacaxis
Em agosto de 2020, seis pessoas foram executadas e outras duas desapareceram, todas de comunidades dos municípios de Nova Olinda do Norte (AM) e Borba (AM), no episódio que ficou conhecido como Massacre do Rio Abacaxis. Na época, cerca de 130 policiais, entre civis e militares, chegaram a ser investigados suspeitos de terem participação nos crimes.
De acordo com as investigações da PF, em julho de 2020, o então secretário executivo do Governo do Amazonas, Saulo Rezende Costa, foi baleado no braço após tentar entrar com uma lancha particular em uma área, em Nova Olinda do Norte. Dias depois, quatro policiais militares à paisana foram até o local para prender os atiradores. Dois deles morreram em confronto.
A Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) enviou 50 policiais para a área. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a sucessão de acontecimentos levou à execução de seis pessoas e o desaparecimento de duas nas comunidades ao longo do Rio Abacaxis, em uma violação de direitos humanos cometida por agentes a serviço do Estado. Além disso, há diversos relatos de torturas e violações de direitos humanos.
A chacina resultou nas mortes dos irmãos indígenas do povo Munduruku, Josimar e Josivan, da Aldeia Laguinho, que viajavam a Nova Olinda do Norte para receber pagamento, e de mais quatro ribeirinhos, sendo um menor de idade.
Dois anos após o massacre no Rio Abacaxis, em 2022, o Ministério Público Federal (MPF) requereu, por parte de órgãos públicos das três esferas de poder, que resguardassem a integridade física e mental dos povos indígenas e comunidades tradicionais afetados pelo cenário de insegurança no Rio Abacaxis.
Em 2023, O Coletivo pelos Povos do Rio Abacaxis divulgou manifesto apontando uma “manobra maliciosa” para trocar o delegado responsável pela investigação do massacre, no Amazonas, além da intensificação de invasões de garimpeiros, ameaças e agressões, e até a queima de uma aldeia indígena, devido à falta de proteção dos povos tradicionais e indígenas da região.
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