Fabyo Cruz – AGÊNCIA CENARIUM
BELÉM (PA) – Um caso recente reacendeu o debate sobre intolerância religiosa em Belém: a Justiça do Pará determinou o fechamento do terreiro de umbanda Casa Mãe Mariana, comandado há quatro anos pela mãe de santo Jussilene Natividade Maia, a Mãe Ju, no bairro de Canudos. A decisão foi tomada após uma série de denúncias feitas por uma vizinha por perturbação sonora.
Para mãe Ju, o episódio reflete um cenário maior de perseguição e discriminação contra as religiões afro-brasileiras. À CENARIUM, o advogado de defesa Rodrigo Leite disse que a mãe de santo buscou resolver os problemas e realizou mudanças no terreiro, como o fechamento do espaço para diminuir o som. No entanto, mesmo após essas tentativas de conciliação, a vizinha resolveu levar o caso ao Ministério Público do Estado do Pará (MP-PA).
Na audiência, mãe Ju compareceu desacompanhada de um advogado, enquanto a denunciante estava representada por uma advogada. “A promotora fez uma fala bastante intolerante, comparando a umbanda ao Carnaval”, relatou mãe Ju, que se sentiu constrangida e desamparada durante o processo. O advogado aponta que a promotora, durante a audiência, sugeriu que a religião era simplesmente “aquela batucada que fica tocando lá”. Para ele, isso representa uma clara demonstração de intolerância religiosa dentro do próprio MP-PA.
Após a audiência, o caso foi encaminhado ao Judiciário, que determinou a desocupação do espaço em 30 dias. A decisão judicial inclui ainda restrições como a proibição de manifestações sonoras no terreiro, caracterizando um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que evoluiu para uma sentença de despejo do local.
“Realizo sessões de desenvolvimento uma vez por semana, até no máximo 22h30. No entanto, devido às denúncias, precisei interromper as atividades. Hoje, realizo o desenvolvimento dos meus filhos com medo de que apareçam aqui mandando parar tudo, e não posso tocar tambor ou bater palmas. Até mesmo o uso da sineta gerou reclamações. Além da interrupção das atividades, tenho que mudar para outro local, mas aqui também é minha residência, não só o terreiro”, diz mãe Ju.
Em resposta à sentença, a defesa de mãe Ju registrou uma queixa na Delegacia de Crimes Discriminatórios, acusando a vizinha de intolerância religiosa. “Este não é o primeiro caso. Há outras situações em que o Ministério Público está pedindo o fechamento de casas de Umbanda”, afirmou o advogado, que também destacou a falta de legalização como um dos principais motivos para o fechamento dos terreiros.
Leite aponta que a maioria dos terreiros de Umbanda em Belém enfrentam dificuldades para se legalizar devido à dependência de doações para sua manutenção. “Muitos terreiros sobrevivem de doações, e os processos de legalização, apesar de serem similares aos de qualquer outro estabelecimento, demandam recursos que muitas vezes são escassos”, afirma.
A situação de mãe Ju evidencia um cenário mais amplo de intolerância religiosa institucionalizada, segundo o advogado. “É uma luta constante para assegurar o direito à liberdade de culto e prática religiosa, especialmente para as religiões de matriz africana, que continuam sendo alvo de discriminação”.
Rodrigo Leite ressaltou ainda a importância da atuação das entidades representativas dos terreiros na proteção e na promoção do respeito às religiões de matriz africana. Para ele, a inserção dos terreiros em entidades representativas, como a Federação Espírita Umbandista e de Cultos Afro-Religiosos do Estado do Pará (Feucabep), é fundamental. “Essas entidades funcionam como guarda-chuvas de proteção, especialmente no enfrentamento à intolerância religiosa. A associação a essas organizações não só fortalece a união entre os terreiros, mas também proporciona um espaço seguro para denúncias e orientações”, destacou.
Além de atuar como um ponto de apoio para as comunidades religiosas, essas federações também recebem denúncias de atos de intolerância e oferecem esclarecimentos sobre os direitos dos praticantes. Rodrigo enfatiza que qualquer pessoa interessada em conhecer mais sobre a federação ou que precise fazer uma denúncia pode procurar a sede da entidade para receber suporte, localizada na travessa Enéas Pinheiro, N. ⁰ 697, entre Pedro Miranda e Marquês de Herval, no bairro da Pedreira, em Belém.
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