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Letícia Misna - DA AGÊNCIA CENARIUM

MANAUS (AM) - Que o Amazonas enfrenta o que já é considerado uma das piores secas da história não é novidade (pelo menos para quem vive no Estado), mas, enquanto muitos voltam seus olhares e preocupações para a capital, Manaus, uma parte da população do interior do Estado padece em isolamento: sem alimento, sem combustível e, principalmente, sem água.

De acordo com o Boletim Estiagem mais recente, publicado pela Defesa Civil do Amazonas, até o momento são 477 mil pessoas afetadas pela seca. Na terça-feira da semana passada, 10 de setembro, esse número era de 340 mil.

Todos os 62 municípios do Amazonas estão classificados em situação de emergência. Abaixo estão listadas as cidades* com a pior taxa de vazante em cada calha de rio, conforme dados atualizados nesta quinta-feira, 19:

  • Alto Solimões: Tabatinga, com -1,99 metros
  • Baixo Amazonas: Parintins, com -0,10 metros
  • Baixo Solimões: Codajás, com 3,26 metros
  • Juruá: Envira, com 0,91 metros
  • Madeira: Nova Olinda do Norte, com 7,33 metros
  • Médio Amazonas: Silves, com 1,92 metros
  • Médio Solimões: Tefé, com 0,59 metros
  • Negro: Santa Isabel do Rio Negro, com 3,10 metros
  • Purus: Lábrea, com 3,54 metros

Na calha do Purus, apesar de Boca do Acre — a 1.028 quilômetros de Manaus — apresentar a menor taxa de vazante, a cidade ainda se apoia na BR-317 para garantir seu abastecimento de suprimentos. O que não é o caso de Pauini — a 923 quilômetros da capital — município com o segundo pior índice do Purus (6,79), que depende inteiramente das vias fluviais.

Quando começa a seca, começa a faltar os produtos que a gente usa no dia a dia, porque as embarcações demoram a chegar aqui. Viagens que gastam 24h, durante a seca, vão de dois a três dias, e os produtos já chegam estragados aqui, como hortifrútis no geral, frango, ovos, esses materiais que são perecíveis, porque, às vezes, os barcos não são apropriados para carregar esse tipo de mercadoria, né? Não tem frigorífico próprio”, relata João Carlos, oficial de Justiça morador de Pauini.

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Além de alimentos, essas embarcações, que saem justamente de Boca do Acre, também abastecem Pauini com combustível. De acordo com João Carlos, uma tática utilizada pelos barqueiros é tirar as botijas de gás de dentro dos barcos e jogá-las no rio amarradas, para as embarcações perderem peso e não encalhem. Apesar de fazer com que a viagem demore ainda mais, é um método necessário nesse período.

Recentemente, um barco que viajava entre Pauini e Lábrea afundou no Rio Purus depois de bater em um tronco de árvore e ter o casco furado. O fato ocorreu no dia 16 de agosto e a seca teria contribuído para o agravamento do acidente.

Embarcação encalhada no interior do Amazonas (Reprodução)

Devido a essa situação, o combustível não chegou na cidade e o pouco que tinha só mesmo lá no chamado ‘Pontão’, posto de gasolina que fica na beira do rio, então aqui na cidade nos postos a gasolina já começou a faltar. A fila esses dias estava imensa, a gente pensava até que era fila para político, para negócio de passeata e alguma coisa assim. Foi quando o meu amigo disse ‘corre para te comprar gasolina que nós vamos ficar sem aqui em Pauini’”, relatou o oficial.


João Carlos conta que chegou ao Pontão às 19h e só conseguiu sair às 20h30, com apenas cinco litros de gasolina para abastecer sua moto. Na época, o litro custava R$ 8,60 nos postos autorizados, mas, quando a gasolina acabou de vez, a população passou a depender dos chamados “atravessadores”, vendendo combustível clandestinamente por R$ 20 o litro.

À CENARIUM, João Carlos enviou uma foto de uma garrafa de refrigerante e uma garrafinha de cachaça, “brincando”: “Olha a que ponto a seca desse ano nos afetou, R$ 50 de gasolina, uma garrafa PET de 2 litros e uma garrafinha de Corote. Não é ostentação, não, é necessidade. Oremos por dias melhores até chegar o inverno e os rios comecem a encher”, completa.

Combustível e bebida alcoólica são vendidos a R$ 50 (Arquivo pessoal)

Atualmente, os postos autorizados de Pauini já possuem combustível novamente, mas o preço médio subiu para R$ 10. João Carlos ainda relatou que durante as eleições trabalha em comunidades mais isoladas, como a Vila Céu do Mapiá, levando as urnas e fiscalizando o processo. Neste ano, o transporte feito normalmente por barcos, deverá ser por meio de helicóptero.

Para tentar amenizar a situação, até agora o Governo do Amazonas já enviou mais de mil toneladas de alimentos para os locais mais afetados, além de 200 toneladas de medicamentos e insumos. Mas a situação do Estado nos seus próximos dias é incerto. Em meio a incêndios descontrolados e fumaça insistente, a tendência é piorar.

Vitrine da catástrofe

Em tempos de redes sociais como o principal meio de comunicação, a população amazonense tem utilizado as mídias como vitrine para expor a situação da vazante em seus municípios. Nos últimos meses, os moradores de cidades no interior do Estado têm utilizado o TikTok e o Instagram como plataformas para documentar e compartilhar a dura realidade da seca que afeta a região.

Com vídeos e fotos impactantes, eles mostram não apenas os rios com níveis alarmantemente baixos, mas também as consequências para a fauna, a flora e a vida cotidiana das comunidades ribeirinhas. Essas redes sociais se tornaram ferramentas essenciais para sensibilizar o público sobre os desafios ambientais nessas localidades.