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Ana Pastana - DA AGÊNCIA CENARIUM

MANAUS (AM) – O agricultor Edimilson Nakua, irmão do vice-presidente da Organização Geral dos Mayuruna (OGM), Maurício Mawi Mayuruna, liderança indígena acusada de agredir a esposa, defendeu o familiar após a CENARIUM repercutir o caso e afirmou que “o que ocorreu foi um acidente, uma briga pequena de casal, algo que é cultural do seu povo”.

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No último dia 9 de outubro, um familiar da vítima, que não quis ser identificado, denunciou à reportagem que Analicia Shany Mayuruna, uma indígena da etnia Mayuruna, foi vítima de violência doméstica praticada pelo marido. O caso ocorreu na comunidade Nova Esperança, na Terra Indígena (TI) Vale do Javari, nas proximidades do município Atalaia do Norte (AM), a 1.138 quilômetros de Manaus.

Além de mensagens de textos, Nakua enviou uma nota com uma versão alternativa do que teria acontecido. O documento diz que o casal teve um desentendimento na manhã do dia 9 e Analicia viajou sem o marido em uma pequena embarcação. A mesma nota foi enviada à CENARIUM por Maurício após a reportagem solicitar um posicionamento.

“O vice-presidente da Organização Geral dos Mayuruna (OGM) estava (...) conversando com as lideranças e sua esposa estava com muita pressa para descerem [para] Atalaia do Norte. Devido ao tempo de demora, a mulher ficou com raiva, perdeu a paciência e tomou a decisão de ir embora deixando o marido. Depois de encerrar a conversa, Maurício Mawi Mayuruna pegou carona e foi atrás da embarcação”, disse o texto.

Ainda segundo a nota, em seguida, ao chegar perto da canoa, Maurício pediu que Analicia parasse a embarcação e desligasse o motor, o que foi negado por ela. O posicionamento enviado por Edmilson e Maurício relata o momento em que a agressão aconteceu.

“Naquele momento houve empurra-empurra, [ele] puxou o cabelo da mulher tentando parar, desligar o motor. A mulher se desequilibrou, baixou a cabeça e bateu no motor na parte do acelerador. Houve um corte abaixo da sobrancelha, [em] parte do olho da mulher. Depois [disso] acontecer, seguiu a viagem até chegar à aldeia Terrinha. As lideranças das aldeias consideram [que] naquele momento houve acidente e não foi violência brutal”, conclui o relato.

O familiar de Analicia relatou à CENARIUM que Maurício chegou a arrancar um dos olhos da mulher durante a discussão, motivada por ciúmes, segundo o denunciante. As informações foram confirmadas por uma liderança da aldeia Nova Esperança. Fotos enviadas à reportagem mostram a vítima com um dos olhos ensanguentado.

Após os primeiros socorros, a vítima retornou à comunidade Nova Esperança, e ficou sob observação de profissionais de saúde. Até a última atualização obtida pela reportagem, ela aguardava a remoção da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) para uma unidade hospitalar.

A CENARIUM tentou contato diretamente com Analicia, mas um familiar afirmou que ela não fala português e, por esse motivo, não poderia falar com a revista. A reportagem também solicitou posicionamento da Polícia Civil do Amazonas (PC-AM) sobre o caso, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.

Violência doméstica em contexto indígena

De acordo com a professora doutora Iraildes Caldas, coordenadora do "Grupo de Estudos, Pesquisa e Observatório Social: Gênero e Poder (Gepos)", da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a violência doméstica em contexto indígena tem se manifestado de forma crescente, desde a segunda metade do século XX.

"Não é, portanto, uma situação nova. Ocorre que essa situação é invisibilizada, obliterada e não levada a sério pelo fato de se tratar de mulheres indígenas que, supostamente, 'podem' sofrer violência porque se trata de um fato cultural. Alto lá, a violência contra a mulher indígena não é um fator cultural", explicou a professora.

Para ela, essa "situação de violência brutal sobre o corpo da mulher é uma perversidade fruto do mau caráter do homem. Uma certa degenerescência do caráter humano".

"Não se justifica o mal em nome da cultura. A cultura não deve servir para promover mal-estar, para esquadrinhar o corpo da mulher até chegar ao feminicídio. O autor das agressões contra a companheira ou a mulher do indígena do Vale do Javari deve ser enquadrado nos rigores da Lei Maria da Penha. Não tem justificativa para a investida da violência contra a mulher no contexto indígena, nem em outro contexto", ressaltou Iraildes.

Informação errônea

A nota de repúdio de Edmilson Nakua e Maurício Mayuruna ressalta também, de forma errônea, que a CENARIUM “denunciou lideranças do povo Marubo por terem levado internet Starlink às aldeias Marubo” e que “chamou esses indígenas de ‘preguiçosos’, prejudicando a vida do povo Marubo em seu modo de viver nas suas aldeias, nos seus costumes, culturas, crenças”.

“[A revista] disse que [o povo Marubo] não faz roça, não se pesca e não se faz caçada, por [estar] viciado [em] assistir vídeo pornografia”. A afirmação, no entanto, não é verdadeira. A reportagem que a CENARIUM publicou, em 7 de junho de 2024, chamada “Rede indígena critica reportagens sobre impacto da internet no Vale do Javari”, expõe outros veículos de comunicação que estavam fazendo as afirmações citadas pela nota de repúdio e destaca o repúdio da Rede de Estudantes Indígenas do Vale do Javari (Rede Reivaj)

“Estudantes indígenas do Vale do Javari, o segundo maior território demarcado do País, repudiaram declarações feitas em reportagens de que a chegada da internet causou problemas nos jovens, como vícios em pornografia e jogos violentos, assim como desinteresse em questões das comunidades. A reportagem foi inicialmente veiculada no periódico americano The New York Times, com o título “The Internet’s Final Frontier: Remote Amazon Tribes“, na tradução para o português “A fronteira final da Internet: tribos remotas da Amazônia“, diz um trecho da matéria.

A publicação da CENARIUM também destaca: "Depois, o material foi reproduzido por sites nacionais, como a Folha de S. Paulo, R7, ND Mais e outros, o último com o título “Tribo indígena brasileira que recebeu Starlink se vicia em pornô e deixa de caçar. Segundo a Rede de Estudantes Indígenas do Vale do Javari (Rede Reivaj), além de infundadas e discriminatórias, as declarações também perpetuam “estereótipos negativos sobre os povos indígenas e ignora a complexidade das questões que envolvem a introdução de novas tecnologias em suas comunidades”, afirma a reportagem.