Fundação Padre Anchieta

Custeada por dotações orçamentárias legalmente estabelecidas e recursos próprios obtidos junto à iniciativa privada, a Fundação Padre Anchieta mantém uma emissora de televisão de sinal aberto, a TV Cultura; uma emissora de TV a cabo por assinatura, a TV Rá-Tim-Bum; e duas emissoras de rádio: a Cultura AM e a Cultura FM.

CENTRO PAULISTA DE RÁDIO E TV EDUCATIVAS

Rua Cenno Sbrighi, 378 - Caixa Postal 66.028 CEP 05036-900
São Paulo/SP - Tel: (11) 2182.3000

Televisão

Rádio

Getty Images
Getty Images

Verônica* só descobriu que estava vivendo um relacionamento abusivo após dois anos. Ela estava morando com o namorado em outra cidade e frequentemente passava por diversas situações que, para ela, eram normais.

“Ele não me deixava sair. Quando ele saía de casa, me deixava trancada e falava que tinha esquecido de deixar a chave. Uma vez, ele viu um papel de bala no quarto e surtou, porque eu não tinha saído. Para ele, tinha ido alguém lá. Ele também quebrava e jogava as coisas”, relata.

Uma vizinha de Verônica que a alertou, disse que aquelas atitudes não eram comuns em um relacionamento saudável. Até então, Verônica nunca tinha ouvido falar sobre o assunto. “Eu não tinha conhecimento, não sabia as denominações”, diz.

A história de Verônica é muito maior e mais complexa, e assim como várias outras mulheres, ela não percebeu sozinha que estava vivendo um relacionamento abusivo. 

Verônica saiu da casa que morava com o namorado tempos depois, quando um amigo a motivou a ir embora e voltar para a casa do pai no interior. 

Segundo a ONU, aproximadamente uma em cada três mulheres em todo o mundo sofreram violência física e/ou sexual por parte do parceiro ou de terceiros durante a vida.

Como identificar que você está em um relacionamento abusivo?

Para a psicóloga e fundadora do Grupo Reinserir, Natália Silva, é muito difícil a mulher chegar à conclusão sozinha de que está em um relacionamento abusivo. "Normalmente, são esses três fatores que fazem a mulher chegar na clínica procurando ajuda: uma angústia que ela não sabe de onde está vindo, ela viu algo que se identificou nas redes sociais ou alguém apontou para ela”, diz.

Essa angústia, segundo Natália, vem da vergonha, do medo e da culpa que a mulher sente. Pessoas próximas a ela, que a psicóloga denomina como “rede de apoio”, são importantes nesse momento para ouvir e acolher a vítima. Muitas vezes, o aviso vem dessa rede.

“A pessoa chega para mim na clínica porque alguém disse para ela: “você não acha que isso está estranho?”, “você não acha que essa pessoa está te fazendo mais mal do que bem?”, “você está estranha, você mudou”, “você está muito distanciada” ou “você está muito esvaziada, sem brilho”. Por isso, para a psicóloga, o olhar “não punitivo e não julgativo” da rede de apoio é fundamental para ajudar a vítima a encontrar uma saída.

“Dizer que está tudo bem, que ela não precisa se sentir envergonhada e que a partir dessa rede de apoio e de um acompanhamento especializado, ela vai conseguir sair dessa relação e restabelecer a autoestima, autoconfiança e autonomia, que são elementos completamente retirados de uma mulher quando ela está em um relacionamento abusivo”, pontua Silva.

Mas afinal, o que é um relacionamento abusivo?

Natália explica que o relacionamento abusivo não se restringe apenas ao âmbito da violência física. Mas na verdade, para chegar a esse patamar ou até mesmo ao feminicídio, a mulher já passou por uma série de outras agressões, como psicológica, moral e estrutural.

No início, tudo é lindo, acolhedor e começa com atos de cuidado, que vão se intensificando com o tempo até virar a mais absurda forma de controle e manipulação.

“É um ciclo: ele briga com a mulher, ele acaba com a autoestima dela. Ele a xinga, faz se sentir mal, culpada e no final pede desculpas. Ele fala que vai mudar, que estava nervoso, faz um agrado. Ele tira toda a autoestima e a autoconfiança dessa mulher”, explica Silva.

A psicóloga ainda diz que: “Todas as manipulações, chantagens emocionais, controle, posse, a invalidação das falas e dos sentimentos da mulher são formas de violência psicológica. Quando ele desvalida a fala, tenta reverter, quando a coloca num lugar de louca, quando ele diz que ela está viajando, quando ela expõe os sentimentos pra ele e ele desconsidera, ele desvalida. Tudo isso faz parte de um relacionamento abusivo e não somente a agressão física”.

Além disso, relacionamentos abusivos não são limitados apenas em relações afetivas-sexuais, mas sim, em todas as relações humanas, como familiar e interpessoal. Toda e qualquer pessoa pode ser vítima dessas ações, porém, mulheres são a maioria.

Em relatório divulgado pela ONU, a violência contra mulheres, especificamente a violência por parte de parceiros e a violência sexual, é um problema de saúde pública e de violação dos direitos humanos das mulheres.

No Brasil, foram registrados nos primeiros seis meses de 2020, 1.890 mortes de mulheres por forma violenta durante a pandemia do novo coronavírus. Aumento de 2% em relação ao mesmo período de 2019, segundo o Monitor da Violência da USP.

O número é ainda mais alarmante entre mulheres pretas. Ainda de acordo com a pesquisa do Monitor da Violência, três a cada cinco mulheres mortas por feminicídio no Brasil, são negras. Elas também compõem mais da metade da porcentagem de vítimas de lesão corporal em decorrência da violência doméstica.

Quando procurar ajuda e como tratar?

A vítima precisa estar atenta aos sinais de abuso em qualquer uma de suas relações interpessoais. Entre as pontuações feitas por Natália, estão:

- Não conseguir ser você mesmos com o outro, com medo de julgamento, de punição; 

- A partir do momento que o outro demanda em excesso;

- Situações em que o outro desvalida ou coloca a vítima em lugares ruins;

- Quando a vítima não atende a expectativa ou projeção criada pelo outro;

- O outro faz a vítima se sentir culpada o tempo inteiro;

- A relação está trazendo mais malefícios do que benefícios; 

-  A relação não vem somando tanto; 

- A vítima percebe angústia, chora muito, se distancia da nossa rede de apoio, o discurso está mais esvaziado e se percebe deprimida.

Nessas situações, o mais indicado é procurar por uma rede de apoio em que a vítima se sinta acolhida. A psicoterapia faz um papel fundamental neste processo. "O papel do psicólogo é conversar sobre a temática, apontar para essa mulher, por mais doloroso que seja, que ela está em um relacionamento abusivo, o que é um relacionamento abusivo, trabalhar tudo o que vem a partir disso", afirma Natália. 

As consequências deixadas em uma mulher que sofre abuso físico, psicológico ou sexual dentro de uma relação, a deixam debilitada e enfraquecida, tanto emocionalmente, como fisicamente. No processo terapêutico, a mulher vai por um caminho de autoconhecimento e redescoberta da identidade, analisando os caminhos e entendendo o que foi feito com ela. É um processo de empoderamento para se libertar de algo tóxico. 

"Ela precisa ser uma mulher muito empoderada para conseguir colocar um fim nessa relação, muito lúcida de tudo o que aconteceu com ela, do processo dela, do que é uma relação abusiva. É uma mulher que vai sair desse processo empoderada, se conhecendo, entendendo o que ela quer, o que ela não quer, o que é violento ou não dentro das relações afetivas", afirma a psicóloga.

Natália vê a saída da mulher de um relacionamento abusivo como algo "muito potente", e que depois das análises "essa mulher possa continuar, mesmo após esse relacionamento abusivo, continuar em processo de terapia, para que ela possa se conhecer cada vez mais e se empoderar cada vez mais de si".

O Grupo Reinserir, fundado pela Natália, é um grupo de psicólogos que atua em atendimento na área social, voltada para negros, LGBTs, mulheres e pessoas de baixa renda. 

Grupo Reinserir Psicologia

Local: Rua Barão de Itapetininga, 273 - 9º andar, sala C e 10º andar, sala 1

Telefone: 11 95106-4510

E-mail: contato@gruporeinserir.com.br

Site: www.gruporeinserir.com.br  

*Nome fictício a pedido da entrevistada