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Em 19 de maio, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que autoriza o homeschooling, também conhecido como ensino domiciliar, no Brasil. A modalidade é proibida no país por conta de uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).

O texto ainda será analisado pelo Senado. Na Casa pode sofrer alterações, caso os parlamentares optem por mudanças, o projeto volta à Câmara. Se for aprovado, segue para sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro.

O PL divide opiniões dentro do Congresso e de especialistas em educação. Ao site da TV Cultura, a professora da FGV Direito Rio Elisa Cruz critica a proposta e afirma que o texto é inconstitucional.

Entenda o que diz o projeto de lei:

O projeto do PL propõe uma alteração no entendimento na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A proposta prevê uma mudança para admitir o ensino domiciliar na educação básica, ou seja, pré-escola, ensino fundamental e médio.

Com a mudança na lei, os pais passariam a ser responsáveis pela educação dos filhos. No entanto, não são todas as famílias autorizadas para a prática da modalidade. O projeto prevê algumas exigências.

- comprovação de nível superior: um dos responsáveis deverá ter ensino superior;

- certidões criminais da Justiça Federal e Estadual ou Distrital dos pais ou responsáveis;

- acompanhamento com um docente tutor da instituição em que a criança estiver matriculada;

- relatórios trimestrais com a relação de atividades pedagógicas realizadas no período;

- cumprimento de conteúdos curriculares de acordo com a Base Nacional Comum Curricular;

- manutenção, pelos pais ou responsáveis legais, de registro periódico das atividades pedagógicas;

- avaliações anuais de aprendizagem.

No texto, o projeto prevê que os responsáveis deverão ainda formalizar junto a uma instituição de ensino credenciada a opção pelo ensino domiciliar. As instituições de ensino também devem seguir regras.

- atividades pedagógicas que promovam a formação integral do estudante;

- manutenção de cadastro dos estudantes;

- avaliações anuais de aprendizagem e participação do estudante nos exames dos sistemas nacional, estadual ou municipal de avaliação da educação básica.

- acompanhamento com um docente tutor da instituição em que a criança estiver matriculada;

- estudantes que reprovarem duas vezes seguidas ou três alternadas terão que frequentar a escola;

- realização de avaliações anuais de aprendizagem e participação do estudante nos exames do sistema nacional de avaliação da educação básica e nos exames do sistema estadual ou sistema municipal de avaliação da educação básica;

- encontros semestrais com os pais ou responsáveis.

“Eu acho o controle por escolas ou por órgãos viável, mas não é adequado porque o aluno aprende a fazer prova e a dizer que você tem um determinado conhecimento, mas isso não significa que de fato a pessoa teve contato com toda a base curricular. O maior problema que está sendo apontado é que o controle não vai ser efetivo. Então essa gestão da informação, do que está sendo passada para crianças e adolescentes, vai ser perdida”, pontua Elisa.

Inconstitucionalidade

Elisa Cruz aponta inconstitucionalidade do projeto. A advogada afirma que o projeto fere o artigo 207 Constituição Federal. O parágrafo citado diz que:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

Segundo a especialista, o artigo é a base para entender o princípio do melhor interesse, também fala sobre direito da criança e a convivência comunitária. “Neste caso específico, eu diria que o artigo 207 é a base do 205 sim. É dele que se justifica a inconstitucionalidade do 205”, explica.

O parágrafo 205 destaca que "a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Além disso, a advogada relembra que o Brasil é signatário da convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) que preza, em especial, o direito da criança. A convenção de 1990 ainda tem como objetivo fornecer o direito à educação e de princípio de melhor interesse. Por essa razão, Elisa também considera que a medida ainda viola um tratado de direito internacional.

Prejuízos ao ensino

O ensino domiciliar apresenta alguns riscos ao ensino e até sobre a sociabilidade das crianças e dos adolescentes, segundo Elisa. A advogada argumenta que a medida não é positiva pois afeta a função da educação, que não apenas repassar conhecimentos técnicos e teóricos. A escola também tem o papel de ajudar na socialização, no desenvolvimento de habilidades e de aptidões.

“A educação também ajuda no desenvolvimento de aptidões, de emoções seja o amor ou afeto, a raiva e o controle também fazem parte dos sentimentos. A educação expande a sua visão de mundo. A escola também serve para expandir esse conhecimento, além que no direito da criança a gente chama de direito à convivência Comunitária, então é uma possibilidade da própria criança estabelecer as suas relações, o seu mundo, o seu pequeno seu universo e ela se relacionar nesse universo que é dela. então esse projeto vai muito diretamente contra os direitos da criança”, destaca.

Além de socialização, a escola ainda é um espaço de debate de ideias, segundo a advogada, as crianças perdem a oportunidade de aprender sobre outros temas que não estão, necessariamente, na base curricular.

“No direito tem um debate sobre o direito da criança, o princípio surge que é o melhor ‘melhor interesse da criança’. Existe uma proposta, principalmente por julgados europeus e americanos, de entender esse princípio como de dar um futuro aberto à criança, para permitir que ela seja a melhor pessoa possível e com um futuro mais amplo. Então me parece que o projeto afeta diretamente, do ponto de vista jurídico, o princípio. Não porque seja uma falha dos pais, ou que eles sejam ruins, não é sobre isso, mas porque quanto menos interações, menos as possibilidades de conhecimento”, explica.

Outro ponto que os especialistas em educação colocam em alerta é a questão da violência doméstica e infantil. O ambiente escolar é um espaço em que as crianças contam situações de abuso e violência que sofrem ou observam em casa. O ensino domiciliar acabaria com a possibilidade.

Os números do primeiro semestre de 2021 mostram que 81% dos casos de violência contra crianças e adolescentes ocorreram dentro de casa. Os dados são do Disque 100, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (ONDH/MMFDH), foram 50.098 denúncias de violência contra os jovens no Brasil.

“A violência contra criança é principalmente uma violência intrafamiliar,. A criança sair para outros espaços permite que ela fale, se ela sentir confiança, em segundo lugar, que o comportamento seja analisado. Então a escola é o melhor lugar para isso. E os casos são muitos, pode não parecer, mas são muitos relatos nas instituições”, acrescenta.

Defesa do projeto

O PL é defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores. O presidente tenta agradar a base aliada com o projeto que foi enviado ao Congresso em abril de 2019. A justificativa dos entusiastas do projeto e a “liberdade” no modelo de ensino.

Os apoiadores afirmam que os pais devem ter o direito de ensinar os filhos. Segundo informações da Associação Nacional de Ensino Domiciliar Associação Nacional de Ensino Domiciliar (Aned) 7.500 famílias praticavam o ensino domiciliar no Brasil educadoras, os números são de 2018.

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu a modalidade do ensino domiciliar no Brasil. Os ministros justificaram que, segundo a Constituição, a educação é compartilhada entre Estado e família, sem exclusividade dos pais.

Por conta dessa decisão, o projeto de lei pode esbarrar no STF antes de ser sancionado ou vetado pelo presidente Jair Bolsonaro. Ainda não há nenhuma discussão marcada na Corte sobre o tema.