A demora e dificuldade no processo de adoção sempre foram temas muito pautados. Mas pouco se fala sobre o perfil de filho exigido pelos adotantes, fazendo com o tempo de espera na fila seja muito maior.
Ainda hoje os dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) mostram que a preferência das famílias é por meninas brancas. O juiz assessor da Corregedoria Geral de São Paulo, Iberê de Castro, afirma as informações do sistema, e ressalta uma leve mudança. "A preferência continua sendo para meninas brancas. Mas atualmente o gênero e raça não interferem tanto nas adoções. Temos mais pessoas querendo adotar meninas do que meninos", diz.
A idade das crianças é outro problema recorrente, mas que apresenta alterações nos últimos anos. As famílias passaram a adotar crianças acima de três anos. De acordo com o juiz, o obstáculo agora é a adoção de crianças maiores de 10 anos. “Atualmente encontramos mais dificuldade em crianças acima dos 10 anos em serem adotadas. Mas já é uma evolução, tendo em vista que por volta dos anos 90 apenas crianças até 2 anos eram adotadas”, conta.
Kandre Requião, de 35 anos, e seu marido foram uma das famílias que partiram pela contramão dos perfis mais concorridos. Eles adotaram Bernardo, um menino negro que na época estava prestes a completar 7 anos.
Atualmente o casal tem dois filhos, Bernardo, de 11 anos, e Liv, de 3. Kandre se tornou mãe pelas duas vias, a adoção e o processo natural biológico. E afirma que por ter optado adotar um menino negro com a primeira infância concluída sofreu com diversos comentários preconceituosos, sendo um dos principais motivos para se mudarem para os Estados Unidos, em 2021.
“Me mudei principalmente pelos comentários negativos que ouvia sobre a adoção. Comentários de amigos e da própria família. Por conta da idade do Bê e por ele ser uma criança negra. Cheguei a escutar um comentário 'porque você não adotou um bebê branquinho?'. O Bê escutava muitas coisas que eu não acho que ele merecia, vindo até de nossa família como 'você não faz parte da nossa família', 'você não tem nosso sangue'”, lamenta.
Quanto ao processo de adoção de Bernardo, ela conta que não houve morosidade. Já que antes mesmo de iniciar o procedimento já havia separado os documentos necessários e se preparado para o momento. Foram necessários apenas quatro meses para concluir todo o procedimento e ter seu filho em seus braços.
“A burocracia que falam é simplesmente o processo que precisa existir para proteger a criança. O processo é feito para ela e não para as pessoas que querem adotar. É para que aquela criança que está em situação de vulnerabilidade possa ter uma família”, explica a mãe.
Assim como Kandre, Iberê também detalha que parte da lentidão do processo é para assegurar que aquela criança que será adotada estará segura, tendo em vista que muitas já passaram por um processo traumático. Analisar se os pais estão com um bom psicológico, se tem condições de cuidar e providenciar afeto.
ENTREGA VOLUNTÁRIA PARA ADOÇÃO
Com o recente caso da atriz Klara Castanho, que entregou a criança fruto de uma violência sexual para adoção, o tema acabou gerando dúvidas nas pessoas.
A entrega para adoção é direito de toda mulher, prevista pela Lei 13.509/2017 e pode ser realizado de maneira sigilosa. Em contrapartida, a mãe que desampara ou expõe seu bebê a perigo comete o crime de abandono de recém-nascido, descrito no artigo 134 do Código Penal.
O juiz Iberê de Castro diz que o primeiro passo deve ser comunicar ao sistema de saúde, Ministério Público ou Conselho Tutelar o desejo de entregar a criança para adoção. Ao receberem esse pedido deverão encaminhar à Vara da Infância que irá analisar se este é o real desejo da mãe, ou se a conduta está sendo tomada decorrente de alguma situação que possa ser resolvida. Caso seja um desejo genuíno, a mulher é submetida a tratamentos psicológicos e a criança passa a ficar aos cuidados da Vara de Infância.
Caso a mulher opte por entregar a criança de maneira sigilosa, ninguém da família será comunicada dessa entrega e ela será encaminhada para adoção. Já se ela abrir mão do sigilo, os órgãos competentes irão verificar a disponibilidade e vontade da família de ficar com a criança, antes de encaminhá-la a um centro de acolhimento.
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