Monstros do mar? Veja por que tantos ataques de tubarão acontecem no Nordeste do Brasil
O ano de 2023 já é campeão de casos registrados desde 2006
31/03/2023 17h23
Num período de menos de 15 dias foram registrados três ataques de tubarões em Pernambuco, no Nordeste do Brasil. De acordo com o Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit), 2023 mal começou e já é considerado o ano com mais ataques na região costeira do estado desde 2006.
Com filmes como o “Tubarão”, de Steven Spielberg, a imagem desses animais é constantemente associada a “monstros do mar”. Embora existam registros de casos, os tubarões são fundamentais para a manutenção da biodiversidade marinha.
Para entender mais sobre os ataques, o portal da TV Cultura reúne as principais informações envolvendo os casos de 2023. O biólogo e gerente técnico do maior Aquário Marinho da América do Sul explica por que isso acontece.
No dia 20 de fevereiro um surfista foi atacado em Olinda (PE). Já nos dias 5 e 6 de março, dois adolescentes de 15 e 14 anos tiveram partes do corpo amputadas devido a ataques que sofreram na Praia de Piedade, na cidade de Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife.
Pernambuco: paraíso para os tubarões
Rafael Franco, biólogo marinho e gerente técnico do AquaRio, elenca diversos fatores do por que os incidentes ocorrem sobretudo nessa região do país. Em primeiro lugar, ele destaca o impacto ambiental causado pelos portos de Suape e Recife, que formam uma espécie de barreira isolando os animais na região.
Outros motivos também apontados são o aterro em áreas de mangue, a poluição humana, a falta de arrecifes que atuam como bloqueio do chamado “mar aberto” e a água turva e barrenta causada pela deságua dos rios, dificultando a visibilidade dos animais.
O verão também é propício para os ataques, já que as condições de águas mais rasas e aquecidas formam um paraíso para que os animais se aproximem da costa em busca de alimento.
Veja abaixo no gráfico, elaborado pelo portal da TV Cultura com os dados do Cemit, o número de casos ao longo dos anos desde 1992 até 2023:
“Mordida investigatória”
Os tubarões “tigre” e os “cabeça-chata”, comprovadamente envolvidos nos ataques no Nordeste do país, não possuem os seres humanos como parte do cardápio alimentar. O que geralmente acontece são “mordidas investigatórias”, conceito explicado pelo biólogo Rafael Franco:
“A mordida investigatória é a única forma do tubarão avaliar se aquilo que está passando na frente dele é ou não comida. Ele morde, identifica que aquilo não é o alimento dele e sai. Porém, devido às proporções do animal, a mordida acaba sendo muitas vezes voraz, podendo inclusive levar a óbito”, afirma o especialista.
Se tem placa avisando, por que entrar no mar?
Em trechos na Praia de Piedade, onde ocorreram os dois últimos incidentes, algumas placas que sinalizavam a existência de tubarão no mar estavam pichadas e apagadas. De todo modo, em diversos pontos com avisos banhistas insistem em entrar na água. Segundo o biólogo, o primeiro ponto a ser trabalhado deve ser a conscientização.
“É igual usar cinto de segurança, todo mundo sabe que tem que usar, mas muitas pessoas só passam a usar depois que sofrem algum tipo de acidente. Falta ter o respeito e a consciência de que naquela região existe esse animal”, destaca.
Segundo a Prefeitura de Jaboatão, depois do registro de ataques, a fiscalização foi intensificada e cerca de 20 novas placas foram instaladas na região no início de março.
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Ausência de um projeto de monitoramento concreto
Em locais dos Estados Unidos e Austrália, a partir do momento em que um tubarão é detectado, a praia é imediatamente isolada. No Brasil, Rafael Franco afirma que o país carece de um monitoramento capaz de antecipar incidentes:
“É impossível prever se ele vai atacar, mas saber se o animal está relativamente perto ou não da costa a gente consegue”, ressalta o biólogo.
Como evitar ataques e o que fazer se for atacado?
Após pressão da sociedade com os casos no estado, o governo de Pernambuco anunciou no dia 9 de março um investimento de R$2 milhões em pesquisas e monitoramentos no litoral. Ainda assim, para evitar os ataques é necessário uma atuação em conjunto:
“Deve existir um trabalho de parceria entre o meio acadêmico e científico (como universidades e instituições de pesquisa) com os órgãos regionais (governo local, órgãos ambientais, hospitais, Corpo de Bombeiros)”, destaca o biólogo.
Ao ser questionado sobre o que se deve fazer ao ser atacado, o especialista recomenda que o primeiro passo é sair da água e chamar ajuda médica o mais rápido possível. Os telefones de emergência do SAMU (192) e do Corpo de Bombeiros (193) estão à disposição da população para eventos como esses.
Os primeiros socorros são decisivos para a sobrevivência da vítima:
“Apesar do SAMU fazer um trabalho excepcional, ainda falta investimento e capacitação para esse tipo de acidente. Geralmente a pessoa não morre por conta do ataque ou porque ela foi comida, ela morre por afogamento ou hemorragia”, afirma.
Retomada de pesquisas na área?
Governadora Raquel Lyra. Foto: Reprodução/Hesíodo Góes/Secom.
Após visitar as vítimas no começo do mês, a governadora Raquel Lyra (PSDB) anunciou o investimento de pesquisas na área:
“Nós vamos intensificar as nossas ações, retomando as pesquisas com as universidades que estão paralisadas desde 2015 para que, em atuação com as prefeituras, possamos garantir segurança à população na utilização da praia”, afirmou Raquel Lyra.
Assassinos em série?
Making of do filme "Jaws", de Steven Spielberg. Foto: Reprodução/Universal Pictures
Filmes como a sequência de “Tubarão”, produzidos nos anos 90 por Steven Spielberg, alimentaram o imaginário popular a respeito desses animais. Atualmente, um dos objetivos da conscientização ambiental sobre o peixe cartilaginoso é desmistificar a visão estereotipada que a sociedade tem sobre esses animais marinhos.
“Os tubarões não são essas feras assassinas como são mostrados em filmes. Pelo contrário, esses animais têm um papel importantíssimo e crucial para a biodiversidade marinha, sem eles toda a cadeia alimentar marinha do planeta seria impactada”, conclui o biólogo.
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