No dia 7 de julho, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) sancionou o texto da revisão do Plano Diretor Estratégico da capital. Após ser aprovado na Câmara Municipal de São Paulo por 44 votos a 11, Nunes vetou alguns pontos, mas manteve os aspectos mais importantes do documento.
O texto foi amplamente criticado por especialistas, principalmente nas questões sobre a verticalização no entorno do transporte público e a alteração de bairros históricos.
O site da TV Cultura conversou com a arquiteta e urbanista Paula Freire Santoro, coordenadora LabCidade, da Universidade de São Paulo (USP), que estuda a relação da regulação urbana com a produção imobiliária. Ela falou sobre os temas mais polêmicos da revisão e afirmou que parte do texto é “inconstitucional”.
Antes de falar sobre as mudanças no texto, é importante explicar o que é o plano diretor. O ‘Plano Diretor Estratégico’ tem como objetivo organizar o crescimento e o futuro da cidade, como aponta a especialista. Baseado na Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001 - Estatuto da Cidade), dentre outras características, obriga as cidades a realizarem uma revisão de 10 em 10 anos, como um planejamento da evolução do local.
A Constituição Federal de 1988 determina que todas as cidades com mais de 20 mil habitantes devem, obrigatoriamente, elaborar um Plano Diretor para ser aprovado pela Câmara Municipal. Cabe aos municípios a definição da política de desenvolvimento urbano, que tem que ser fixada em lei
“A Política de Desenvolvimento Urbano é o conjunto de planos e ações que tem como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e o uso socialmente justo e ecologicamente equilibrado e diversificado do território, de forma a assegurar o bem-estar e a qualidade de vida de seus habitantes”, diz a lei.
A prefeitura de SP resume o programa como “plano que direciona as ações dos produtores do espaço urbano, públicos ou privados, para que o desenvolvimento da cidade seja feito de forma planejada e atenda às necessidades coletivas de toda a população, visando garantir uma cidade mais moderna, equilibrada, inclusiva, ambientalmente responsável, produtiva e, sobretudo, com qualidade de vida”.
O PDE busca compatibilizar as ações do poder público e da iniciativa privada para que o planejamento do município atenda às necessidades coletivas de toda a população. Em vigor desde 31 de julho de 2014, o PDE ainda tem diretriz de aproximar emprego e moradia, segundo a prefeitura.
O Plano Diretor define objetivos, diretrizes, ações estruturantes, normas e procedimentos para a realização da política urbana. Além disso, olha para o meio ambiente, patrimônio cultural, transporte, habitação, regularização fundiária, saneamento e serviços públicos, mas também as políticas econômica, social e de gestão.
Plano Diretor SP
O prefeito Ricardo Nunes vetou os temas da nova proposta: o ponto que previa o teto de R$1.980 para o valor do aluguel de famílias com renda de três a seis salários mínimos em unidades de Habitação de Interesse Social; e a previsão de complementação do auxílio-aluguel pela Prefeitura.
Dentre os pontos mais importantes da revisão, o prefeito manteve os seguintes trechos: prédios mais altos nos eixos de transporte; prédios mais altos nos miolos de bairros; apartamentos com valores mais altos; e a verticalização.
Paula Santoro critica o texto e afirma que ele apenas “regula o mercado imobiliário” e não olha para áreas periféricas da capital paulista.
“É um plano que só regula o mercado imobiliário, quando, na verdade, ele deveria ser um plano para a cidade, para todas as regiões da cidade, olhando inclusive onde não tem um mercado”, destaca.
A especialista aponta três questões polêmicas do texto: eixos de estruturação urbana, produção imobiliária e a verticalização
O eixo de estruturação urbana diz respeito ao tamanho que os prédios podem ser construídos na cidade. Com a aprovação da revisão, os edifícios mais altos podem ser construídos em um raio de até 700m das estações de trem e metrô. Anteriormente, era 600m. O objetivo desta parte do projeto é incentivar o uso de transporte coletivos e a diminuição do uso de carros.
Apesar do objetivo ser a aproximação da população com os transporte público, por exemplo, a arquiteta afirma que essa medida não consegue beneficiar todos os moradores, uma vez que os valores não atendem a população de baixa renda. A especialista traz um levantamento com o número de construções ao longo dos anos para explicar a teoria.
Segundo ela, a cidade passou de 35.000 em 2008 para 75.000 unidades em 2022. No entanto, Paula Santoro destaca que o aumento não significa mais moradia para todo mundo.
“A gente está produzindo muito, vendo os efeitos da regulação e vendo a cidade se transformar. A combinação fez com que a gente ficasse muito no desenvolvimento imobiliário e não na cidade real. Qual o plano para Itaquera, Cidade Tiradentes, Itaim Paulista, Grajaú? O plano de agora não propõe para esses lugares, ele está focado na produção de Imobiliária, em torno dos eixos ou na produção imobiliária. Tem uma leitura muito segmentada de um plano para poucos para regular o mercado e regular mal”, diz.
A arquiteta também destaca os valores dos imóveis, de acordo com ela, produções chamadas de ‘segmento econômico’, que custam até 350 mil reais, registram crescimento nos últimos anos. Elas saíram de menos de 10% das unidades produzidas para quase 50% das unidades produzidas no período entre 2014 e 2019. Ou seja, mais unidades com valor durante o período, o crescimento aconteceu com o incentivo do plano diretor antigo.
Ela informou que São Paulo produziu 100 mil unidades de habitação com preço de até R$ 350 mil entre 2014 e 2019. Entretanto, apenas 15%, cerca de 15 mil, foram construídos nos eixos, o que a arquiteta chama de “fake HIS” (habitação de interesse social). Os eixos são locais conhecidos por estarem perto de estações de metrô, trem e corredores de ônibus.
A prefeitura define os locais como “áreas de influência dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, isto é, as áreas nas quais valem os instrumentos e incentivos previstos para os Eixos foram demarcadas na Lei Municipal 16.050/14 – Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo. Os Eixos, definidos pelos elementos estruturais do sistema de transporte público coletivo, como o metrô, trem e corredores de ônibus, determinam as áreas de influência potencialmente aptas ao adensamento construtivo e populacional”.
“Na hora em que a gente vai olhar onde estão essas habitações em tese mais baratas, elas estão fora tão longe dos eixos. Nos eixos, onde as construções estão bem localizadas, elas são minúsculas e são mais caras. Quando a gente olha o preço fora de eixo, ele aumentou, mas muito menos do que no eixo. O eixo sofreu o maior aumento, então eles são bem localizados, são minúsculos e são muito caros. Ou seja, são inacessíveis a quem precisa mais de acessibilidade”, aponta Paula.
Segundo a arquiteta, a cidade, diferente do que o plano prevê, que é a aproximação do transporte, não vem priorizando esse tipo de medida, visto que os modelos construídos ainda incentivam o uso de carro. Isso pode ser observado em construções de prédios com uma ou mais garagens para os moradores. Paula Santoro avalia que houve falta de regulação do mercado no projeto final.
O plano diretor aprovado prevê um adensamento populacional, ou seja, a maior concentração de pessoas em um menor espaço de terra.
O texto estabelece medidas como: delimitação no número de vagas de garagem e prédios maiores nas intermediações de estações do Metrô e da CPTM, do monotrilho, de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), de Veículo Leve sobre Pneus (VLP) e corredores de ônibus.
No entanto, o plano permite uma vaga de garagem por unidade de apartamento que tenha, no mínimo, 30m².
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Inconstitucionalidade
Além dos problemas citados pela arquiteta, ela ainda aponta outra questão em relação ao Plano Diretor de São Paulo, que é a questão da constitucionalidade. Paula Santoro avalia que a proposta é inconstitucional, uma vez que altera parâmetros da Comissão de Avaliação de Empreendimentos Habitacionais de Interesse Social (CAEHIS).
A especialista explica que a proposta permite que a comissão tenha permissão de alterar os parâmetros do solo, algo que poderia ser feito somente por meio de uma lei
“Tem uma inconstitucionalidade grave e em uma tentativa de mercantilizar o território popular. Temos ocupações na área central e algumas em frente a imobiliárias. Elas estão sendo ameaçadas de remoção historicamente. Agora, as CAEHIS perdem sua função tanto de elaboração de um plano de urbanização de reconhecimento dessas comunidades, como também de desenvolvê-las em um processo democrático”, argumenta.
Falta de debate
A proposta do plano diretor era para ser discutida e votada em 2021, no entanto, a pandemia da Covid-19 adiou os debates, já que as audiências precisam acontecer com a sociedade.
De acordo com a Câmara, foram realizadas 51 audiências públicas, com a participação de mais de 2,5 mil pessoas e mais de mil manifestações durante os encontros e na página online, além de mais de 100 contribuições de vereadores.
Apesar da quantidade de encontros, a arquiteta diz que faltou uma discussão sobre o conteúdo proposto no texto. “Muita gente não ficou sabendo do processo de discussão do Plano Diretor, é muito e o processo ficou muito técnico, ele só foi compreendido por duas ou três pessoas que leram partes do processo do PL, porque imagina você ler analítico?”, afirma.
Segundo Paula Santoro, o processo de revisão do Plano Diretor, em sua visão, teria que ser recomeçado do zero, para que o projeto contemplasse um planejamento da cidade real e que mais pessoas fossem ouvidas.
Com a sanção do prefeito Ricardo Nunes, as mudanças aprovadas valem agora até o ano de 2029.
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