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Historiadora explica interferência dos EUA nas ditaduras latino-americanas: “está tudo documentado”

Recentemente, o Golpe de Estado que levou Augusto Pinochet ao poder no Chile completou 50 anos


09/10/2023 09h43

Recentemente, o Golpe de Estado que deu início à ditadura liderada por Augusto Pinochet no Chile completou 50 anos. Em 11 de setembro de 1973, morria Salvador Allende, um dos únicos políticos que tentaram implementar o socialismo de maneira eleitoral.

Allende estava no Palácio de La Moneda - sede do governo chileno - quando a estrutura começou a ser bombardeada por integrantes golpistas das próprias forças armadas do país, que contaram com um apoio militar e financeiro vindo dos Estados Unidos.

O Chile de Allende, no entanto, não foi o único país da América do Sul que sofreu influência dos EUA. Diversas nações sul-americanas, como por exemplo Argentina, Bolívia, Paraguai, Uruguai e o próprio Brasil, passaram por ditaduras após interferências políticas dos norte-americanos.

Em entrevista exclusiva ao site da TV Cultura, a historiadora e professora Edy Carla Rossi dá exemplos de como os EUA implementaram sua ideologia nessas nações e lista os motivos pelos quais o imperialismo estadunidense segue em vigor sempre que “necessário”.

“As pessoas acham que, quando a gente fala em participação dos EUA nos golpes da América Latina, é teoria da conspiração. Também dizem que não há provas, mas elas existem. Está tudo documentado”, aponta.

Não há nenhum país na América Latina que tenha passado por um governo de exceção durante o século XX sem a interferência dos EUA”, completa.

Guerra Fria

O mundo observou uma escalada nas tensões entre meados dos anos 1940 e o final dos anos 1980 - final da Segunda Guerra Mundial e dissolução da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), respectivamente. O conflito, que nunca chegou a ser direto, dividiu o planeta entre aliados dos EUA e da URSS - capitalismo contra socialismo.

Para Edy, a revolução cubana e, consequentemente, a aliança entre o bloco socialista e a ilha caribenha, formaram um "baque muito grande" para os estadunidenses. Diante desse cenário, a nação não poderia correr o risco de observar outros países da América Latina se converterem ao modo de produção disseminado pelos soviéticos: “Isso emplacou nos EUA um medo muito grande de que esse processo revolucionário e a expansão do socialismo pela América Latina criassem mais aliados da URSS".

Com isso, os norte-americanos "começaram a articular uma série de ações em conjunto com a classe burguesa e com as forças armadas na América Latina", ainda de acordo com a historiadora.


Operação Condor

Deflagrada pelos Estados Unidos, a ação foi uma campanha de repressão política contra opositores ideológicos e possíveis adversários na Guerra Fria. Oficial e formalmente implementada em meados dos anos 1970, ela funcionava por meio de operações de inteligência e assassinato de lideranças das eventuais ameaças ao imperialismo norte-americano.


Aliança para o progresso

Iniciada no início dos anos 1960 com a chegada de John F. Kennedy à presidência dos EUA, a iniciativa também visava combater o avanço das ideias marxistas-leninistas no continente americano.

“É a ideia de que investimentos do capital norte-americano em setores da educação, do desenvolvimento e da indústria estreitariam o laço da nação com países latino-americanos. Isso serviria para que eles progredissem em função de uma espécie de imperialismo de desenvolvimento. Ou seja, é uma forma de imperialismo, mas um ‘imperialismo legal’. ‘Eles estão investindo e a gente está progredindo’. No Brasil, essa verba foi, em grande parte, para partidos de direita", pontua Edy.

Chile de Allende

Assim como seus vizinhos, a nação recebeu diversas influências políticas e ideológicas por parte dos EUA. No entanto, os esforços norte-americanos tiveram um efeito contrário nesse exemplo. “O governo que antecedeu Allende recebeu incentivos da Aliança para o progresso. Mas a ideia - que era aumentar esses laços e garantir o controle econômico – acabou tendo um efeito diferente, porque o Chile sempre deu muita atenção à educação. Diante desse cenário, o país acabou observando o crescimento de uma classe estudantil muito politizada. Foram criados setores operários e sindicais muito fortalecidos. Foi aí que, em 1970, Allende chegou ao poder”, esclarece Edy.

A deposição do político comunista, no entanto, não aconteceu de um dia para o outro: "desde quando ele chegou ao poder, o golpe esteve em preparação". 

Diante da tentativa frustrada de afastar a esquerda do Chile, os EUA partiram para uma ofensiva mais direta, o que resultou na morte do então chefe das forças armadas do país, René Schneider, ainda durante o processo eleitoral vencido pelo médico e fundador do Partido Socialista Chileno.

Allende assumiu a presidência chilena "com a ideia de que manteria a constitucionalidade e de que haveria um processo quase que evolucionário – e não revolucionário – do capitalismo para o socialismo dentro da democracia", esclarece a historiadora.

Diversas condutas do marxista foram prejudiciais para os EUA. Dentre elas, estão a desapropriação de latifúndios e a estatização de mineradoras, destaca a profissional.

“Ele desapropriou 80% das grandes fazendas no país, e vale lembrar que os latifundiários não eram só chilenos, também tinha muitos estadunidenses (...) na época, quase que a totalidade da exploração do cobre estava nas mãos do capital estrangeiro. Allende nacionalizou tudo. Algumas empresas estrangeiras, assim como bancos, também foram nacionalizadas”, lista.

Represálias e concretização do golpe

Com os investimentos estadunidenses, os grupos reacionários do Chile iniciaram suas respostas às reformas propostas por Allende. 

Decidiram que parariam o país. O setor industrial parou, os comerciantes começaram a segurar as mercadorias, houve uma grande greve de caminhoneiros organizada pelo setor patronal. Isso fez os preços subirem de maneira exponencial", lembra a historiadora.

Edy também explica que essa série de medidas prejudicou o país intencionalmente: "Isso foi fazendo com que o desemprego crescesse, com que a miséria avançasse, e o governo foi perdendo o apoio dos próprios trabalhadores".

Grupos de extrema-direita promoviam atentados na nação, como por exemplo a destruição de gasodutos. Ainda de acordo com a professora, “todos esses eventos levaram ao acontecimento do 11 de setembro de 1973”.

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