Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) apontam que, entre 2023 e 2025, cerca de 73.610 novos casos de câncer de mama devem ser diagnosticados no Brasil, sendo este o de maior incidência em mulheres depois do câncer de pele.

Devido ao cenário, a busca por novos procedimentos que potencializem os efeitos positivos dos tratamentos convencionais e que deem mais qualidade de vida a pacientes mobiliza pesquisadores de diversas áreas.

Um estudo conduzido na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual de Campinas (FCF/UNICAMP) aponta que componentes encontrados no veneno de uma espécie de aranha-armadeira (Phoneutria nigriventer) combinados com o de quimioterápicos retarda a progressão de tumores e aumenta o bem-estar de camundongos fêmea.

A análise faz parte da pesquisa de doutorado de Ingrid Trevisan, e os testes foram conduzidos no Laboratório de Terapias Avançadas (Latera), coordenado pela professora Catarina Rapôso.

O interesse pelo veneno da aranha-armadeira acompanha a trajetória da cientista desde a pós-graduação. Na época, ela integrava projetos de pesquisa do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp que investigavam propriedades gerais do composto.

De acordo com a especialista, o veneno dessa espécie de aracnídeo chama a atenção por atuar no sistema nervoso das presas, especialmente nas células astrócitos, causando efeitos neurotóxicos, como convulsões. Ciente desse efeito, ela analisou a ação do composto em células cancerígenas formadas em gliomas. “Gliomas são tumores do sistema nervoso central que se originam, principalmente, nos astrócitos. Como o veneno tem um efeito muito seletivo em astrócitos, pensei nessa possibilidade de aplicação”, explica.

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A resposta farmacológica positiva abriu caminho para o trabalho com outras células tumorais, desta vez caninas, tais como o mastocitoma, o linfoma cutâneo, os carcinomas de bexiga e os carcinomas de mama, e nos quatro casos, também apresentou bons resultados.

Antes dos testes em animais de laboratório, as pesquisadoras trabalharam na separação dos componentes do veneno para identificar quais moléculas eram responsáveis pela resposta farmacológica.

O procedimento, necessário pois não seria possível aplicar o veneno bruto dada sua toxicidade, realizou-se por meio de um processo de separação baseado na massa molecular dos componentes. Com isso, elas chegaram a duas moléculas de interesse: uma delas ataca diretamente as células tumorais, retardando o processo de metástase, e a outra atua na modulação do sistema imunológico.

De acordo com Rapôso, esse efeito se mostra proveitoso no tratamento da doença pois estimula uma resposta imune mais equilibrada. Após identificação e isolamento, a segunda molécula foi testada em camundongos fêmeas que apresentavam tumor mamário experimental, isto é, induzido em laboratório.

Ao todo, três tipos de teste foram realizados: com a molécula isolada, com ela combinada a um quimioterápico convencional e apenas com o quimioterápico. Nas duas primeiras modalidades, observou-se uma redução em torno de 30% nos tumores. No caso do combinado, mostraram-se mais receptivos à resposta imune do organismo, além de ter sido registrada uma melhora no bem-estar dos animais. “Vimos que elas ficavam muito mais dispostas, comiam mais e não sofriam com a toxicidade da quimioterapia convencional”, detalha Trevisan.

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Para a realização dos testes, elas contaram com diversas parcerias, entre elas com o IB da Unicamp, a Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein, em São Paulo, a Universidade São Francisco, em Bragança Paulista (SP), e uma clínica de oncologia veterinária de Campinas.

Quais os próximos passos?

Após a produção de uma molécula sintetizada em laboratório, o próximo passo da pesquisa será testar os seus efeitos. Nessa nova fase, a sobrevida dos animais após o tratamento será analisada.

A doutoranda explica que, dependendo dos resultados que obtiverem, os compostos serão testados em animais em clínicas veterinárias parceiras. A ideia consiste em tratar cadelas com câncer de mama, em uma etapa que pode abrir caminhos para futuros testes clínicos.