Os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO) apresentaram nesta segunda-feira (28/6) ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime solicitando que o procurador-geral da República, Augusto Aras, apresente uma denúncia contra o presidente Jair Bolsonaro pelo crime de prevaricação, diante das acusações de que ele deixou de tomar providências ao ser informado sobre supostas ilegalidades no contrato de compra da vacina indiana Covaxin, imunizante contra covid-19.
Segundo o deputado Luís Cláudio Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor do Ministério da Saúde Luís Ricardo Miranda, ambos avisaram em 20 de março Bolsonaro sobre indícios de ilegalidade na compra de 20 milhões de doses da vacina ao valor de R$ 1,6 bilhão e o presidente disse que acionaria a Polícia Federal. No entanto, isso não ocorreu.
Segundo o Código Penal brasileiro, o crime de prevaricação ocorre quando um funcionário público "retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal".
No caso da Covaxin, a hipótese defendida pelos senadores é que o presidente prevaricou ao não comunicar uma eventual irregularidade no contrato para outras autoridades investigarem. O Código Penal prevê pena de três meses a um ano de prisão e multa.
Os três senadores, além de solicitarem a apresentação de denúncia, sugerem a necessidade de investigar outros possíveis crimes, como corrupção passiva, organização criminosa, evasão de divisas e lavagem de dinheiro, relacionados a um possível superfaturamento no contrato para aquisição da Covaxin - até o momento as vacinas não foram entregues, nem os valores foram pagos.
Eles também pedem que o STF intime a Polícia Federal a esclarecer em 48 horas se foi aberto um inquérito para investigar o caso e qual seria seu escopo. Assim como solicite que Bolsonaro seja intimado a responder em 48 horas "se foi comunicado das denúncias, se apontou o Dep. Ricardo Barros como provável responsável pelo ilícito, bem como se e em que momento adotou as medidas cabíveis para a apuração das denúncias".
O deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Bolsonaro na Câmara, foi também implicado no caso pelos irmãos Miranda. O deputado Luís Miranda disse à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid na sexta-feira (25/6) que Bolsonaro, ao ouvir as informações dos irmãos no Palácio da Alvorada em 20 de março, teria indicado que esse contrato suspeito seria mais um "rolo" do Ricardo Barros. Ele, por sua vez, nega qualquer envolvimento com o contrato da Covaxin.
Na notícia-crime, os três senadores enfatizam que o negócio envolvendo a Covaxin é suspeito devido a indícios de superfaturamento e à velocidade com que o Ministério da Saúde fechou o contrato em fevereiro, mesmo antes de assinar contrato com a farmacêutica Pfizer em março.
Isso ocorreu a despeito de vacina da Pfizer ser mais barata (US$ 10 contra US$ 15 da Covaxin) e ter recebido antes a aprovação para uso pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). Já a Covaxin ainda não tinha aprovação e nem mesmo os estudos de fase 3 sobre sua eficácia tinham sido concluídos.
"Há uma série de irregularidades aparentes no bojo da contratação: pressões atípicas para o rápido fazimento do ajuste, exigência de pagamentos de modo diferente daquele previsto no contrato, relação negocial com empresas offshore situadas em paraísos fiscais que não apareciam no contrato original, pagamento do frete de modo diverso do ajuste contratual, autorizações excepcionais pelo próprio gestor/fiscal do contrato (ante a recusa da área técnica ordinária em autorizar medidas avessas ao contrato original)", dizem os três senadores.
"E tudo isso no contexto da vacina mais cara do Programa Nacional de Imunizações e que sequer teve aval amplo da Anvisa para importação, uso emergencial ou registro definitivo, por uma série de razões de índole sanitária (segurança, eficácia, etc.). Dito de outro modo, parece que as autoridades brasileiras apostaram muito alto na vacina que tinha tudo para receber a aposta mais baixa", acrescenta a notícia-crime.
Andamento do caso depende de Aras
Agora, a notícia-crime será distribuída entre um dos ministros do STF. O relator sorteado, porém, necessariamente terá que remeter o caso para análise do procurador-geral da República, Augusto Aras, explica o criminalista Davi Tangerino, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo.
Segundo a Constituição, Aras é única autoridade com poder de instaurar um inquérito criminal contra o presidente.
Dessa forma, ao receber a notícia-crime encaminhada pelo STF, o PGR terá três opções, nota o professor: arquivar o caso, abrir um inquérito para investigar possíveis crimes ou denunciar o presidente diretamente por prevaricação, no caso de considerar que já há indícios suficientes do crime.
"Eventual relator no STF não pode intimar o PGR para oferecer denúncia (como pedem os senadores). Pode intimar para tomar ciência das imputações (criminais contra Bolsonaro), apenas", destaca.
Visto como aliado de Bolsonaro, Aras tem arquivado a grande maioria das notícias-crime já apresentadas contra o presidente e aliados seus, incluindo seus filhos.
A única investigação aberta por ele contra o presidente ocorreu após o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, se demitir do cargo acusando Bolsonaro de interferir na Polícia Federal. Esse inquérito, iniciado em abril de 2020, está travado aguardando o STF decidir se Bolsonaro teria que prestar depoimento presencialmente ou se pode fazê-lo por escrito.
Para o professor da FGV, é difícil prever qual será a reação de Aras ao pedido dos três senadores. Na sua avaliação, a existência de provas concretas da prevaricação de Bolsonaro dificultaria um mero arquivamento do pedido.
Por enquanto, a acusação contra o presidente se baseia na versão dos dois irmãos. O deputado Luís Miranda disse que não gravou a conversa com Bolsonaro em março, mas deu diversas declarações à imprensa insinuando que seu irmão pode ter feito isso.
"Se ele (Bolsonaro) fizer isso (negar a versão dos Miranda), a gente vai ter que provar de um jeito que é totalmente desfavorável para o resto da carreira política dele. Se precisar, a gente prova. Só isso", disse o deputado em entrevista ao site Antagonista no fim de semana.
O professor da FGV também considera que há obstáculos legais para que um ministro do STF intime o presidente a responder se acionou ou não a PF, já que a Constituição impede que uma pessoa seja obrigada a produzir prova contra si mesma.
"Não é adequado intimar o presidente para confirmar um fato que, se verdadeiro for, o incrimina. Isso seria intimá-lo a produzir prova contra ele mesmo fora de uma investigação", acredita Tangerino.
Quanto ao pedido dos senadores de intimação da PF, o professor nota que a própria CPI pode solicitar esse esclarecimento à instituição.
Outras notícias-crime arquivadas
Antes de Aras assumir o comando da PGR, o mais comum era que parlamentares apresentassem notícias-crime contra autoridades diretamente ao procurador-geral.
No entanto, como Aras é visto como aliado de Bolsonaro, os congressistas passaram a levar esses pedidos ao STF, como forma de dar mais visibilidade às acusações e gerar uma pressão extra sobre o PGR.
Em maio de 2020, por exemplo, o então ministro do STF Celso de Mello remeteu a PGR três notícias-crime de partidos políticos e de parlamentares para que o celular de Bolsonaro fosse apreendido, dentro do inquérito que investiga as denúncias de Sergio Moro.
Embora fosse uma decisão protocolar, o ex-ministro enfatizou as gravidades das acusações, gerando desgaste para Bolsonaro e forte reação do Palácio do Planalto contra o STF.
No fim das contas, porém, as notícias-crime foram arquivadas por Aras sem qualquer consequência para o presidente.
Para críticos do PGR, ele tem agido como aliado de Bolsonaro porque deseja ser indicado em julho para o STF na vaga do ministro Marco Aurélio, que se aposenta ao completar 75 anos. Ainda que essa indicação não se concretize, sua boa relação com o presidente poderia lhe garantir a recondução no comando do Procuradoria-Geral da República em setembro, quando seu atual mandato se encerra.
O PGR só pode ser removido do cargo por um processo de impeachment no Senado Federal, nota Davi Tangerino, da FGV. Segundo o professor, Aras também pode ser investigado criminalmente pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal. Em tese, ele poderia ser acusado de prevaricação por não investigar uma autoridade contra a qual existam evidências de crime.
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