Eva Schloss e Anne Frank foram amigas de infância, vizinhas na Amsterdã ocupada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
Eva lembra que o apelido de Anne era 'Miss Quack Quack' — segundo ela, a autora do diário que viria a ser tornar um dos ícones do Holocausto ganhou a alcunha porque adorava papear.
E assim como os Frank, a família judia de Eva foi forçada a se esconder, mas acabaria sendo descoberta e enviada para o campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau, na Polônia.
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Após a guerra, Eva se tornou irmã postiça póstuma de Anne, quando sua mãe se casou com o pai dela, Otto Frank.
Aos 93 anos, ela é hoje uma das últimas sobreviventes do Holocausto.
Em entrevista à jornalista Emily Webb, do programa de rádio Outlook, da BBC, ela conta como foi capturada e escapou da morte no campo de extermínio nazista.
Eva Geiringer Schloss vivia uma infância feliz ao lado dos pais, Erich e Elfriede, e do irmão mais velho, Heinz, em Viena — adorava esquiar nas montanhas no inverno e nadar no lago nos meses de verão.
Mas as tropas nazistas invadiram a Áustria, em 12 de março de 1938, para anexar o país à Alemanha.
Da noite para o dia, amigos e vizinhos se voltaram contra a família de Eva simplesmente porque a família era judaica. Eva tinha 9 anos na época.
"Minha melhor amiga era uma garota católica. Quando fui à casa dela, a mãe dela me viu chegando, me olhou com tanto ódio e disse: 'Não queremos mais te ver aqui'. E bateu a porta na minha cara", relembra Eva em entrevista ao programa Outlook, da BBC.
"Fiquei em choque. Fui para casa chorando. E minha mãe disse: 'Infelizmente é isso que vai acontecer, as pessoas parecem não gostar mais de nós'."
Seu irmão, Heinz, então com 12 anos, chegou a ser atacado fisicamente pelos próprios amigos.
"Ele chegou em casa num estado lamentável. Seu rosto estava todo coberto de sangue, suas roupas estavam rasgadas. E quando meus pais perguntaram (o que havia acontecido), ele disse: 'Meus melhores amigos fizeram isso, e os professores ficaram apenas assistindo'."
Para escapar da perseguição na Áustria, os Geiringer se refugiaram então primeiro na Bélgica, e depois na Holanda.
E foi em Amsterdã que Eva conheceu Anne Frank — a autora do diário mais famoso do mundo morava no prédio para onde se mudaram.
"Todas as crianças iam brincar depois da escola na área aberta (do prédio). E um dia uma garotinha veio até mim e se apresentou, o nome dela era Anne Frank."
"Ela perguntou de onde eu vinha, eu disse que da Áustria, e assim por diante. 'Então você fala alemão?', ela disse, 'Ah, meus pais também falam alemão'."
"Ela me levou depois até seu apartamento para conhecer sua família. E foi assim que conheci Otto, que mais tarde se tornou meu padrasto, sua irmã e sua mãe", afirma.
As duas se tornaram amigas — "não melhores amigas", esclarece Eva, devido a interesses distintos na época.
"Eu queria brincar. Anne era mais feminina, mais interessada em roupas e meninos já. Quando eu disse a ela que tinha um irmão, ela falou: 'Ah, posso conhecer?'", recorda.
"(Mas) Ele não estava interessado em uma garota da idade da sua irmãzinha. Queria uma namorada mais velha."
Pouco tempo depois de os Geiringer chegarem a Amsterdã, em 1940, os nazistas invadiram a Holanda — e a perseguição aos judeus logo começou. Eles tentaram deixar o país, mas desta vez não conseguiram.
"Não podíamos usar o transporte público, tínhamos que andar de bicicleta, fazer compras em lojas de judeus, pessoas cristãs eram proibidas de vir à nossa casa, éramos proibidos de ir a casas cristãs. Não podíamos ir ao cinema, à piscina... Falaram que tínhamos que deixar nossa escola e ir para escolas judaicas", diz ela.
Mas, apesar de tudo, Eva ainda guarda boas lembranças deste período — sobretudo do irmão, Heinz, que tocava músicas para ela dançar no piano e, como não podiam mais ir ao cinema, preparou uma apresentação especial do filme Branca de Neve e os Sete Anões, que estava em cartaz, para a irmã, com os personagens desenhados em cartolina.
"Ele fazia de tudo para me fazer feliz, para me agradar."
"Então a ocupação ainda não era tão terrível", avalia Eva.
Mas o pior ainda estava por vir. Em 1942, os nazistas apresentaram a chamada "solução final", o plano para o genocídio do povo judeu, que culminou no assassinato de dois terços da população de judeus da Europa.
Foi quando o irmão de Eva, assim como outros jovens, recebeu uma carta de convocação para se apresentar para ser enviado a um campo de trabalho nazista na Alemanha — e seu pai decidiu que a família deveria se esconder.
"Meu pai explicou que todo país ocupado (pelos nazistas) tinha um movimento de resistência, o que significava que estavam boicotando o que os alemães estavam fazendo."
"Estas pessoas encontraram casas para nós nos escondermos", afirma.
A família Geiringer se dividiu estrategicamente em casas diferentes — Eva se refugiou com a mãe, enquanto seu irmão, Heinz, se escondeu com o pai.
Como havia incursões constantes da polícia nazista, a resistência holandesa construiu um pequeno esconderijo para Eva e a mãe no banheiro da casa em que estavam refugiadas, atrás de uma parede falsa.
Ela lembra do pavor que sentiu quando um dos soldados entrou no banheiro.
"Ouvi (o barulho) das botas dele entrando, e meu coração batia tão alto que achei que ele ouviria pela divisória, mas é claro que não (ouviu). Apenas abriu a porta, olhou para dentro e provavelmente já saiu de novo."
Após dois anos se escondendo, em 11 de maio de 1944, dia em que Eva completou 15 anos, aconteceu o que os Geiringer temiam.
"Era meu aniversário de 15 anos, havíamos nos mudado recentemente para a casa desta família, uma família muito bacana, um casal mais velho. Tinham feito um café da manhã especial de aniversário com ovo, porque só comíamos um ovo por semana."
"De repente, ouvimos uma batida na porta. Bem, de manhã não tinha problema. O dono da casa desceu e abriu a porta — havia dois nazistas e dois policiais holandeses. Eles subiram as escadas e foram direto em mim e na minha mãe."
A família de Eva havia sido traída por um agente duplo da Resistência Holandesa.
Elas foram levadas até a sede da Gestapo, a polícia secreta nazista, onde Eva foi exaustivamente interrogada. O que ela não sabia é que seu pai e seu irmão também haviam sido capturados.
"Eles acabaram me liberando, e me jogaram em uma salinha. Lá estavam meu pai, Heinz e minha mãe."
Mais tarde, descobriu-se que a enfermeira que estava abrigando o pai e o irmão de Eva entregou cerca de 200 famílias de judeus para os nazistas, incluindo os Geiringer.
Os nazistas ofereciam grandes recompensas para quem entregasse os judeus que estavam escondidos.
"E quando nós fomos visitar, nos seguiram, então sabiam onde estávamos", diz ela.
Na sequência, os Geiringer foram levados em um trem de carga para o campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, dentro de um vagão para transporte de gado.
"Cerca de 70 pessoas foram empurradas para dentro (do vagão). Não havia lugar para sentar, apenas no chão. Trouxeram dois baldes, um para água e outro para (servir de) banheiro. Um balde comum pequeno."
"Depois vieram e fecharam a porta, já nos sentíamos numa prisão. E então seguimos viagem. Uma vez por dia, a porta era aberta, e eles jogavam pedaços de pão para dentro. E trocavam os baldes", relembra.
Àquela altura, eles ainda não sabiam para onde estavam indo.
"Viajamos talvez por três ou quatro dias. As pessoas desmaiavam, choravam, era um clima terrível."
A viagem de trem foi a última ocasião em que os Geiringer estiveram todos juntos como família.
"Meu pai pediu desculpas a nós, disse que não poderia mais nos proteger."
"E nos deu instruções: 'Lavem sempre as mãos, tentem sempre ajudar uns aos outros. Tentaremos ficar juntos. Lembrem-se: temos uma chance, podemos conseguir, nós quatro'."
Quando chegaram a Auschwitz, em território polonês, os homens foram quase que imediatamente separados das mulheres. Eva teve que se despedir então do pai e do irmão.
"Foi uma despedida terrível, porque nos demos conta que talvez nunca mais nos veríamos de novo", diz Eva.
Pelo menos 1,1 milhão de pessoas seriam assassinadas em Auschwitz, que com suas câmaras de gás e crematórios, se tornaria o complexo de campos de extermínio mais mortal do Terceiro Reich.
Eva e a mãe foram levadas para Birkenau, um anexo de Auschwitz, onde passaram por outra triagem, feita desta vez por Josef Mengele, o médico nazista conhecido como "Anjo da Morte".
"Ele não estava ali para cuidar da saúde das pessoas, mas para decidir quem ia morrer e quem ia viver. A gente não sabia, claro."
Enquanto estavam enfileiradas, ela conta que a mãe insistiu para que botasse seu casaco e chapéu.
"Era um casaco enorme, que não servia em mim de jeito nenhum, e eu não queria, estava quente. Mas minha mãe disse: 'Use, talvez seja útil'."
"Mengele vinha, ele olhava para você por uma fração de segundo e dizia: 'Deste lado, para aquele lado, deste lado, para aquele lado'. Era muito rápido. E como não viu o quão jovem eu era, fui para o lado 'bom' com minha mãe."
Na ocasião, Eva não sabia o que significava ser selecionada para o outro lado.
"Pensamos: Talvez elas sejam levadas para um acampamento melhor, um campo (de trabalho) mais fácil, não queríamos pensar em outra coisa."
Na sequência, tiveram que se despir completamente — Eva se lembra dos soldados nazistas rindo da sua humilhação —, tiveram o cabelo raspado e foram tatuadas.
"'Vocês vão ser tatuadas agora. Vamos colocar um número no seu braço, e se precisarmos de você, vamos te chamar pelo número. Esqueça que você tem um nome e é um ser humano'", Eva se lembra de terem dito.
Ainda nuas, mãe e filha foram levadas para fora, onde havia pilhas enormes de roupa.
"Você só podia ter uma peça, que poderia ser um casaco pesado ou um vestido de noite, apenas uma, tanto fazia. E então dois sapatos, todos sem cadarço, claro, e nunca era um par — podiam ser duas botas de cano alto ou uma sandália e uma bota…", descreve.
Enquanto isso, as prisioneiras foram informadas em tom de escárnio pelos guardas que as familiares separadas delas na primeira triagem haviam sido executadas.
"Quando vocês saírem em alguns minutos, já vão poder sentir o cheiro da carne queimada, porque elas já foram mortas na câmara de gás, só vão ser incineradas agora."
"Foi uma crueldade extra. Não precisavam nos dizer isso."
Mãe e filha foram encaminhadas então até um galpão, uma espécie de alojamento, onde havia apenas beliches de madeira.
"Eram (beliches) de três andares, sem cobertor, sem (forro de) palha. Nada. E oito (mulheres) tinham que caber em um desses", descreve Eva.
"Eles disseram: 'Apenas encontrem um lugar, é aqui que vocês vão morar enquanto estiverem vivas'. E nos deixaram lá."
Poucos dias depois, Eva adoeceu com tifo — doença causada por bactérias transmitidas por piolhos e outros artrópodes, que provoca febre alta, dores musculares e erupções cutâneas. Na época, matava entre 10% e 40% dos infectados.
Uma das vítimas mais famosas do tifo durante a Segunda Guerra Mundial foi Anne Frank, que morreu da doença no campo de extermínio nazista de Bergen-Belsen em 1945.
"Sabíamos que havia um hospital onde Mengele estava trabalhando. Então minha mãe disse que poderia me levar até lá para ver se conseguíamos algum remédio."
"As outras presas diziam: 'Não leve (a menina), porque ela nunca sairá viva'. E minha mãe falou: 'Mas ela vai morrer de qualquer jeito se eu não for'. Tenho que ir'."
Ao chegarem lá, encontraram uma conhecida.
"Uma mulher sai e olha para minha mãe, minha mãe olha para ela.... E acabou que era uma prima, uma das melhores amigas dela, na verdade. Elas se conheciam muito bem e se abraçaram."
Era Minnie, prima da mãe de Eva, que estava trabalhando como enfermeira no campo — e se tornaria uma importante aliada das duas em Auschwitz.
O marido dela, um médico judeu, havia sido recrutado para trabalhar com os nazistas — e negociou uma vaga de enfermeira para a esposa, como assistente de Mengele, que conduzia experimentos mortais em prisioneiros.
"Claro, era um trabalho terrível."
"Mas ela era a única mulher no campo que não tinha a cabeça raspada porque tinha a proteção do Mengele", relembra.
Minnie conseguiu então remédio para Eva, que logo melhorou.
"Definitivamente, salvou minha vida", diz ela.
As condições no campo eram deploráveis — Eva e a mãe não só ficaram infestadas de piolho, como passaram fome.
Ela se lembra que as guardas costumavam cozinhar batata — e, se estivessem de bom humor, davam a água da batata para elas.
"Elas eram muito cruéis. Às vezes, em vez de despejar na nossa caneca, elas derramavam no chão. Era horrível."
Eva conta que inicialmente foram levadas para trabalhar em um galpão conhecido como "Canadá" — uma menção à terra da fartura, onde os pertences dos judeus presos eram vasculhados em busca de objetos de valor.
"Era (um trabalho) muito melhor (do que os outros), porque encontrávamos comida. Uma das minhas tarefas era abrir as bainhas de todas as roupas, porque as pessoas escondiam dinheiro, joias, todo tipo de comida nas roupas."
E foi durante uma pausa no trabalho que algo inesperado aconteceu — Eva avistou um homem de uniforme listrado do outro lado da cerca que parecia seu pai.
"Eu chamei: Papi, pai... O homem se virou, e era meu pai! Um grande milagre também."
"Foi maravilhoso, porque eu não tinha ideia de onde ele estava, o que havia acontecido… perguntei como o Heinz estava, porque não sabia se ele havia sido selecionado. E ele disse: 'Não, Heinz está bem. Ele trabalha em um jardim'. Não sei se era verdade. Mas foi o que ele disse."
A maré de sorte não durou muito tempo, no entanto. Depois do "Canadá", mãe e filha foram submetidas a um trabalho mais pesado — tiveram que carregar enormes blocos de pedra de uma ponta a outra do campo e depois martelar até ficarem em pedacinhos. Um trabalho extenuante.
A comida era tão limitada que, certa vez, elas comeram abóbora mofada e folhas de cenoura do lixo — Eva diz que fizeram de conta que era melão e salsinha.
Cada vez mais magras e fracas, elas viviam diariamente sob o temor das triagens conduzidas por Mengele, que semanalmente selecionava prisioneiros para a câmara de gás.
"Um dia, fomos tomar banho, eu saí primeiro, nua, e Mengele estava lá, com alguns soldados da SS, e a triagem estava acontecendo. Tive que dar uma volta, e fui aprovada."
A mãe de Eva, que já havia perdido muito peso, foi avaliada na sequência, chegou a dar duas voltas, mas não passou pelo crivo de Mengele — e acabou sendo despachada para a morte junto a outras 40 prisioneiras
"Fiquei em choque. Corri para me despedir. Ela só olhou desesperada para mim e disse: 'Tente achar Minnie'."
Para chegar até Minnie, Eva teria que atravessar o campo sem permissão — e se fosse pega, seria executada.
Obviamente, era uma missão extremamente arriscada. Ela esperou até anoitecer.
"Poderia facilmente ter dado errado, mas não deu. Eu sabia em que galpão a Minnie estava. Então corri rapidamente entre os diferentes beliches, a acordei e disse: 'Mutti (forma como Eva chamava a mãe) foi selecionada, tente pedir a Mengele para salvá-la'. Foi tudo muito rápido, e corri de volta'."
Meses se passaram, e Eva começou a perder a esperança de ver a mãe novamente. E, com isso, suas forças.
"Era inverno, a neve estava alta, e eu havia perdido meus sapatos, estava descalça (...) Meus dedos estavam todos sangrando e com feridas abertas, eu estava faminta, estava sozinha."
"Honestamente, estava quase a ponto de desistir. Pensei: Minha mãe está morta, não sei se Heinz e meu pai ainda estão vivos. Estou morrendo de fome, faminta, não tenho forças, não sou capaz de continuar."
Foi quando uma guarda a chamou do lado de fora — "será meu fim agora?, pensei" —, e Eva teve uma grande surpresa.
"Eu saio e vejo meu pai com um homem da SS (a milícia armada do Partido Nazista). Era um milagre. Claro que nos abraçamos, perguntei como Heinz estava, e ele disse que estava bem", conta Eva, que não fazia ideia de como o pai havia convencido o guarda a deixá-lo ver a filha.
"Ele me perguntou então onde Mutti estava, e eu comecei a chorar... Disse a ele: 'Ela foi para a câmara de gás'."
"Pude ver o rosto do meu pai desmoronando, ele perdeu a postura, a força, mas logo se recuperou e disse: 'Você não pode desistir. A guerra deve acabar logo, nós vamos conseguir, nós três ainda estaremos juntos. E Mutti cuidará de nós'."
A visita inesperada ajudou Eva a recuperar suas forças — o que ela não sabia é que seria a última vez que veria o pai.
Em janeiro de 1945, um clima de pânico começou a se espalhar pelo campo à medida que o exército russo avançava. Mas o horror ainda estava longe de terminar.
Os guardas nazistas começaram a destruir documentos e a demolir o crematório. Corpos que haviam sido enterrados atrás das câmaras de gás foram desenterrados e queimados em enormes valas a céu aberto.
"Muitos nazistas haviam ido embora, aviões russos estavam sobrevoando, e percebemos que algo estava acontecendo. Mas nós realmente não sabíamos o que era."
Em meio ao caos que se instalava, Eva encontrou algumas mulheres que conheceu durante seus primeiros dias em Auschwitz. E mais um "milagre" aconteceu.
"Elas disseram: 'Ah, que maravilha, nós vimos sua mãe'. E eu falei: 'Não, não pode ser. Vocês estão enganadas. Porque minha mãe foi selecionada'. E elas disseram: 'Não, não. Ela está no alojamento dos doentes com sua prima Minnie, veja se você consegue ir até lá', e elas me disseram onde era."
Eva ainda não conseguia acreditar que a mãe estava viva. Mas poucos dias depois, conseguiu ir até o complexo do hospital para ver com seus próprios olhos.
"Minha mãe estava na cama de cima. Eu chamei: 'Mutti, Mutti'. E sua cabecinha, muito fraca, apareceu: 'Eva, Eva...' Ela não conseguia acreditar. Foi fantástico."
Por intermédio de Minnie, Eva e a mãe passaram a dividir a mesma cama e ficaram juntas novamente.
"Foi maravilhoso."
"Na ocasião, eu estava muito otimista de que tudo ficaria bem", afirma.
Pouco tempo depois, os nazistas abandonaram o campo de Auschwitz e levaram muitos prisioneiros com eles, no que ficaria conhecido como marcha da morte.
Os presos foram forçados a caminhar pela neve para cidades a mais de 50 km de distância — muitos morreram de frio, fome, exaustão ou fuzilados pelos guardas alemães ao longo do trajeto.
"Uma noite, eles entraram no alojamento e falaram: 'Todas para fora, vamos marchar. E se você não vier, vamos trancar o alojamento e queimar todo o acampamento'. É o que estavam dizendo."
Mas a mãe de Eva estava muito fraca — e não tinha condições de marchar.
"É claro que eu também fiquei. Em todo o campo, ainda havia cerca de 300 ou 400 pessoas, que estavam muito fracas ou não podiam ir e ficaram para trás", recorda.
"E então, nós acordamos uma manhã, e os alemães tinham ido embora, levando com eles a maioria dos presos."
Mas ainda não havia motivo para comemorar. Depois que eles foram embora, Eva teve que encarar a morte de frente. As pessoas ao seu redor estavam definhando — havia muito pouca comida, muito pouca água. E muita gente simplesmente não sobreviveu.
"Eu tive que levar os corpos para fora, porque era uma das pessoas que ainda tinha força. E não conseguíamos nem sequer fechar suas pálpebras porque estavam congeladas."
"Foi terrível, porque eu tinha falado com aquelas pessoas no dia anterior e, de repente, tinha que colocar (seus corpos) para fora. Foi, na verdade, a pior experiência para mim. Tive pesadelos com isso durante muitos e muitos anos", conta.
"Minha mãe também estava muito fraca, mas como estávamos juntas, tínhamos um pouco de força extra de alguma forma."
Naquela época, Eva passava grande parte do dia em busca de água e comida — "se encontrasse um pouco de pão, eu levava para as pessoas que não podiam sair", diz ela.
E, certa vez, decidiu fazer uma incursão até o acampamento masculino de Auschwitz, junto a outra sobrevivente, no intuito de descobrir o que aconteceu com seu pai e irmão.
Quando chegou lá, não os encontrou, mas viu um rosto conhecido.
"Fui até ele e disse: 'Você me parece um pouco familiar'. E ele olhou para mim e perguntou: 'Você é Eva Geiringer'? E eu disse: 'Sim, sim'. 'Sou Otto Frank, pai da Anne'."
Ele não tinha notícias da mulher e das filhas, mas contou a Eva que seu pai e irmão haviam deixado o campo na marcha com os nazistas.
"Naquela época, não sabíamos sobre as marchas da morte. Achamos que era uma boa notícia. Eles ainda estavam vivos, e tinha certeza de que iam conseguir."
Eva e a mãe foram finalmente salvas de Auschwitz pelo exército soviético — e Otto Frank se juntou a elas.
"Ainda estávamos ansiosos, tudo havia sido bombardeado, era uma situação de caos. Acho que a primeira vez que nos sentimos realmente seguras, foi quando estávamos de volta a Amsterdã em nosso apartamento. Mas ainda estávamos muito ansiosas, porque não tínhamos notícia da nossa família."
Os três voltaram para Amsterdã em junho de 1945. Enquanto Otto procurava as filhas e a esposa, Eva tentava encontrar o pai e o irmão.
"Era um momento de muita ansiedade, mas ainda de esperança."
Esta esperança acabou em agosto de 1945, quando Eva descobriu que seu pai e irmão foram forçados a marchar até Mauthausen, na Áustria, o último campo de concentração a ser liberado pelos aliados.
Heinz morreu de exaustão, e seu pai faleceu apenas três dias antes do fim da guerra.
"Eu não queria aceitar, não acreditava. Era impossível. Meu pai era um homem tão forte, estava bem alguns meses atrás, eu o tinha visto", diz Eva.
Mais ou menos na mesma época, Otto também descobriu que era o único sobrevivente da família.
Os três passaram então a se apoiar mutuamente — e, certa vez, Otto apareceu para fazer uma visita, segurando um livro que pertencia à sua filha Anne.
"Estava em um pequeno pacote, ele abriu com muito, muito cuidado e disse: 'Preciso mostrar o que achei. Um milagre. Encontrei o diário da Anne. Posso ler algo para vocês?'."
"Nós dissemos: 'Claro'. Ele lia uma passagem, mas sempre acabava caindo em prantos. Levou três semanas para ler. Ele simplesmente não tinha forças."
Com a ajuda da mãe de Eva, Otto publicou o Diário de Anne Frank em holandês em 1947. Traduzido posteriormente para 70 idiomas, se tornaria o documento mais lido sobre o Holocausto. Mais de 30 milhões de cópias foram vendidas até hoje.
Para Eva, a descoberta do diário de Anne reavivou a lembrança da última conversa que teve com o irmão, Heinz, dentro do trem a caminho de Auschwitz.
Ele e o pai haviam começado a se dedicar à pintura durante a ocupação nazista — na ausência de telas, usavam panos de prato, fronhas de travesseiro, qualquer superfície que pudessem encontrar.
E Heinz contou a ela que havia escondido todas as suas obras de arte sob o assoalho da casa onde estavam escondidos. Se ele não sobrevivesse, Eva teria que buscá-las.
"A casa estava ocupada por um jovem casal, mas eles disseram: 'Não, não, não tem nada na nossa casa'. E fecharam a porta", recorda.
"Eu comecei a chorar, e minha mãe falou: 'A gente volta outro dia'. Eu disse: 'Não, não, não'. Então fomos lá de novo, e eles falaram: 'Ok, entrem e vejam, mas não tem nada na nossa casa'."
"Mas claro que tinha. E, claro, foi incrível!"
"Abrimos as tábuas do assoalho e vimos todas aquelas pinturas com um bilhete em cima: 'Pertencem a Heinz Geiringer, depois da guerra vamos voltar para buscá-las'. Foi muito emocionante, foi incrível."
Em 1951, Eva se mudou para Londres para estudar fotografia.
Foi lá que ela conheceu o marido, Zvi Schloss, um judeu alemão que fugiu para a Palestina durante a guerra depois que o pai foi preso no campo de concentração de Dachau.
"Ele me pediu em casamento, e eu disse não. Falei para ele que tinha uma mãe viúva em Amsterdã e era muito próxima dela, não podia imaginar me casar e deixá-la sozinha."
Mas quando Otto foi visitá-la, e Eva contou esta história para ele, teve uma grata surpresa.
"Ele ficou um pouco envergonhado e disse: 'Sua mãe e eu também nos apaixonamos, e depois que você se casar, nós gostaríamos de nos casar'."
"Então eu voltei para aquele rapaz e disse: 'Você pode se casar comigo agora'", relembra.
Eva construiu uma nova vida com o marido em Londres, onde vive até hoje, e teve três filhas.
Como cofundadora da Anne Frank Trust UK, ela preserva a memória não só da irmã póstuma, mas também do irmão.
Ao longo dos anos, Eva esteve envolvida na montagem de uma peça de teatro sobre Heinz — há também um documentário em andamento.
Mas o maior legado de Heinz é, obviamente, sua arte. Ele deixou vinte pinturas, que Eva doou ao Museu da Resistência Holandesa em Amsterdã.
"Meu pai prometeu a ele que ele viveria também no que conquistou em sua curta vida", diz ela, lembrando de uma conversa que o pai teve com o irmão durante a ocupação nazista, quando ele estava com medo de morrer.
"Certamente, ele não será esquecido."
Ouça a íntegra da entrevista de Eva Schloss ao programa de rádio Outlook — parte 1 e parte 2 (em inglês).
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