Rússia e Ucrânia: a devastação em Irpin, ‘cidade heroica’ que conteve avanço de tropas russas
Correspondente da BBC volta a Irpin, nos arredores de Kiev, onde o exército ucraniano resistiu aos ataques russos.
04/04/2022 07h34Irpin, uma cidade devastada pela guerra, é agora um exemplo de resistência ucraniana e de derrota russa.
As forças do presidente Vladimir Putin conseguiram entrar lá, mas não foram capazes de seguir adiante. Se tivessem conseguido, Kiev teria sido o próximo alvo, já que a capital fica a apenas 21 km de distância. Deter o avanço russo era, portanto, fundamental.
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Chegamos ao centro da cidade sob escolta militar, atravessando ruas repletas de escombros e postes de energia derrubados. Quase não há vida.
As forças ucranianas nos levaram para um tour cauteloso evitando as estradas principais. Nos alertaram de que as forças russas poderiam estar presentes nas florestas vizinhas, embora o prefeito, Oleksandr Markushyn, insista que a cidade esteja novamente sob controle ucraniano.
As tropas nos mostraram com orgulho um veículo blindado russo destroçado, com sua torre retorcida. Havia outro veículo russo incendiado mais à frente. Mas nos levaram rapidamente de um local para outro devido à ameaça contínua da artilharia russa.
A maioria das 70 mil pessoas que viviam na cidade fugiu no mês passado, deixando os porões e arriscando suas vidas diante da implacável artilharia russa.
Muitos vão encontrar quase nada ao voltar. O presidente russo, Vladimir Putin, diz que não tem como alvo áreas civis, mas as casas destruídas em Irpin contam outra história.
Vimos muitos danos em áreas residenciais, incluindo um arranha-céu em que o fogo de artilharia havia aberto um buraco no canto de um apartamento. Um carrinho de brinquedo vermelho jazia no chão, perto de um parque abandonado. Havia carros com janelas crivadas de balas e casas queimadas com telhados estraçalhados.
Alguns dos mortos ainda permanecem sob os escombros. Outros foram enterrados às pressas nos quintais e parques porque era impossível dar a eles um funeral adequado. O prefeito estima que entre 200 e 300 civis foram mortos aqui, alguns deles foram alvos diretos enquanto fugiam. O número final provavelmente será maior.
Os russos haviam tomado de 20% a 30% da cidade, mas a resistência foi perseverante. O Ministro da Defesa da Ucrânia a reconheceu com o título honorário de "Cidade Heroica Ucraniana" por "heroísmo e resistência em massa de moradores e defensores". Esta honraria remonta à Segunda Guerra Mundial, quando foi concedida a várias cidades na antiga União Soviética.
'Putin vai perder se não tomar Kiev'
Dentro da cidade, sob vigilância da polícia e de tropas fortemente armadas, o nível de tensão é palpável.
Esta vitória foi conquistada com muito esforço, mas os soldados com quem conversamos reconheceram que os russos poderiam voltar em algum momento.
"Sim, achamos que sim", disse Serhiy Smalchuk, cuja ocupação em tempos normais é apresentador de TV.
"Eles precisam de Kiev, certo, porque Putin vai perder se não tomar Kiev. Então eles vão tentar de novo, mas estamos preparados para caso eles voltem. E vamos derrotá-los."
"Não sabemos o que eles estão pensando", diz Ivan Kolehin, um jovem recruta do exército de defesa territorial. "Não acho que eles vão tentar novamente tão cedo. Suas forças terrestres se retiraram, mas a artilharia ainda pode nos atingir."
Ivan trabalhava na área de marketing antes de pegar em armas. Ele parece ter dificuldade de processar a batalha por Irpin e o fato de ainda estar vivo.
"Nunca pensei que sobreviveria", diz ele.
"No terceiro dia, ouvimos um apito, e eles começaram a nos bombardear diretamente. Estávamos sentados no porão e o teto começou a desmoronar. Isso nos assustou muito."
Agora, ele se preocupa com o futuro da cidade.
"Ainda não é seguro estar aqui, mas com o tempo vamos reconstruí-la", afirmou.
"Provavelmente levará anos, considerando os danos. Estou tentando não pensar no fato de que todas as casas destruídas foram construídas por alguém, às vezes com as próprias mãos."
Antes, ele tinha amigos russos, mas já não tem mais.
"Odeio os russos do fundo do meu coração", diz ele. "Isso não tem desculpa."
Moscou anunciou que agora vai reduzir drasticamente os ataques ao redor da capital e se concentrará na região leste de Donbas. Na verdade, o Kremlin tinha pouca opção, uma vez que suas ofensivas ao redor da capital haviam sido inviabilizadas.
Mas com o tempo, as forças russas podem se reagrupar e cercar a capital novamente. Se fizerem isso, terão que passar mais uma vez pela "cidade heroica", que estará na linha de fogo.
Ao sairmos de Irpin, um grupo de civis era retirado a pé, atravessando o leito de um rio por meio de tábuas de madeira precariamente colocadas sobre escombros e rochas. São os restos de uma ponte que foi explodida pelas forças ucranianas para bloquear o avanço russo — mais um dos sacrifícios feitos por Irpin.
Uma ambulância aguardava duas mulheres idosas que estavam sendo carregadas em macas ao longo da margem do rio, sobreviventes do implacável, mas mal-sucedido ataque russo.
Mais adiante, uma coluna de tropas ucranianas alardeava com arrogância a vitória, irrompendo em um canto obsceno contra Putin.
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