Bolsonaro anuncia indulto a Daniel Silveira: veja reação de juristas e políticos

Parlamentar havia sido condenado pelo Supremo Tribunal Federal a oito anos e nove meses de prisão e perda de mandato.


Leandro Prazeres - Da BBC News Brasil em Brasília

21/04/2022 20h51
Getty Images
Daniel Silveira foi condenado por impedir o livre exercício dos poderes e coação em processo judicial

O presidente Jair Bolsonaro (PL) anunciou nesta quinta-feira (21/04) que assinou um decreto concedendo um indulto individual (o termo técnico é "graça") ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) extinguindo a pena de prisão à qual foi condenado na quarta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O anúncio foi feito por Bolsonaro em uma transmissão em suas redes sociais.

Por 10 votos a 1, Daniel Silveira foi condenado a oito anos e nove meses de prisão, multa, perda do mandato e suspensão dos seus direitos políticos pelos crimes de coação em processo judicial e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União.

Os crimes, segundo a denúncia, aconteceram entre 2020 e 2021 quando ele divulgou vídeos em redes sociais atacando o STF, defendendo uma intervenção militar e ofendendo pessoalmente membros da Corte.

De todos os ministros, apenas Nunes Marques, um dos indicados pelo presidente Bolsonaro, votou pela absolvição integral do deputado. Ele criticou as declarações de Silveira, mas considerou que elas se tratavam de "bravatas que, de tão absurdas, jamais seriam concretizadas".

Silveira é um dos aliados mais conhecidos do presidente Jair Bolsonaro, que nos últimos dias, saiu em defesa do parlamentar.

Ao justificar o benefício ao parlamentar, o decreto diz que haveria um clima de "legítima comoção" causada pela condenação do deputado e que os atos pelos quais ele foi processado estariam protegidos pelo direito à liberdade de expressão. Essa tese foi a mesma apresentada pela defesa de Silveira ao STF.

O perdão concedido a Silveira pelo presidente causou reações de juristas e de políticos como o líder da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que prometeu questionar a decisão de Bolsonaro junto ao STF. Apoiadores de Bolsonaro, por outro lado, comemoraram e elogiaram o decreto.

A Constituição Federal de 1988 prevê que presidentes da República possam conceder indultos ou comutar penas de pessoas condenadas. Tradicionalmente, no Brasil, o indulto é concedido no final do ano e é dado a condenados que atendam a determinados perfis, e não de forma individual.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o perdão anunciado pelo presidente agrava, ainda mais, a crise política e institucional no país.

Segundo eles, apesar da decisão do presidente, o perdão possivelmente terá de ser avaliado pelo STF, caso ele venha a ser questionado judicialmente.

Além disso, eles avaliam que o ato pode ser considerado nulo, uma vez que a sentença de Silveira ainda não havia transitado em julgado, ou seja: ainda seria possível recorrer.

É analisado também que o ato pode ser interpretado como uma interferência indevida do Poder Executivo sobre o funcionamento do Judiciário, o que configuraria um crime de responsabilidade.

'Como é possível extinguir a pena de uma pessoa que ainda é inocente?'

Para o jurista e desembargador aposentado Walter Maierovitch, o decreto anunciado pelo presidente poderia ser considerado tecnicamente nulo, uma vez que, do ponto de vista jurídico, o julgamento de Daniel Silveira ainda está em curso, pois ainda cabem recursos da decisão do plenário do STF.

"Esse ato é, tecnicamente, nulo. O julgamento ainda não acabou, pois ainda cabem recursos. Como é que ele pode extinguir a pena de uma pessoa que, do ponto de vista jurídico, ainda é inocente?", afirma o jurista.

O professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Gustavo Badaró, também aponta para a possível nulidade do perdão concedido pelo presidente ao deputado. Na avaliação dele, a medida foi tomada de forma equivocada.

"É estranho o presidente da República publicar um decreto de indulto quando o processo não transitou em julgado. Me parece um equívoco brutal. Não porque ele não possa dar esse perdão, mas porque o processo ainda está tramitando", afirmou.

Interferência entre poderes e crime de responsabilidade

Para o também professor de Direito da USP Pierpaollo Bottini, a decisão de Bolsonaro configura uma interferência indevida do Executivo no funcionamento do Poder Judiciário.

Agência Brasil
O caso Daniel Silveira foi visto como um dos mais importantes do STF nos últimos tempos e fez com que tribunal montasse esquema especial de segurança

Ele afirma que ela poderia ser, inclusive, interpretada como um crime de responsabilidade, do tipo que poderia levar ao impeachment do presidente.

"Eu entendo que, na medida em que o julgamento ainda não acabou, estamos diante de uma clara interferência indevida do presidente no funcionamento do Poder Judiciário. É uma interferência indevida e, a meu ver, ilegal. Poderia, sim, ser vista como um crime de responsabilidade", afirmou Bottini.

A lei dos crimes de responsabilidade é de 1950. É ela que norteia, por exemplo, o processo de impeachment como o que aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.

O artigo nº 6 da lei diz que são crimes quaisquer atos que atentarem contra o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário.

O jurista Gustavo Badaró também avalia que o indulto a Silveira possa ser interpretado como um crime de responsabilidade.

"É um crime de responsabilidade porque ele (Bolsonaro) está interferindo no funcionamento do Judiciário. É uma forma de dizer que, independentemente do que o Judiciário faça em relação a uma determinada pessoa, o Executivo não permitirá que ela seja punida", explicou.

Supremo deverá avaliar indulto

Os juristas afirmam que, apesar de o decreto extinguir a pena dada pelo STF a Silveira, muito provavelmente, vai caber ao próprio Supremo avaliar a legalidade da medida.

Isso acontece porque já a oposição deverá recorrer da decisão junto à Corte, como anunciou Randolfe Rodrigues em seu perfil no Twitter.

"Crimes contra a ordem constitucional não podem ser passíveis deste benefício [...] e iremos ao STF, para derrubar esse desmando por meio uma ADPF!", escreveu o senador. ADPF é a sigla para Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental.

Bottini explica que o indulto não será suficiente para acabar com a punição a Silveira.

"Muito provavelmente, vai caber ao STF fazer o controle constitucional dessa medida. Em outras palavras: se o STF for provocado, e tudo indica que isso vai acontecer, ele terá que julgar se o indulto de Bolsonaro foi constitucional ou não", diz o jurista.

A avaliação da constitucionalidade de um indulto já aconteceu na história recente do país quando o STF, em 2018, julgou o decreto assinado pelo então presidente Michel Temer (MDB) que havia reduzido as penas para condenados por crimes não violentos.

À época, a medida foi interpretada como uma forma de beneficiar pessoas presas por crimes de corrupção e colarinho branco. Em novembro daquele ano, o STF formou maioria para manter o indulto.

Tensão entre Executivo e Judiciário

Além das questões jurídicas, o indulto concedido a Silveira parece, na avaliação dos juristas, aumentar ainda mais as tensões institucionais entre o Executivo e Judiciário. Pierpaolo Bottini avalia que a medida tomada por Bolsonaro, do ponto de vista político, é um ato "gravíssimo".

"É gravíssimo e gera uma crise institucional sem precedentes na Nova República. Infelizmente, acho que faz parte da estratégia do presidente", explica.

Walter Maierovitch afirma que a medida agrava a crise política. Segundo ele, o presidente usou um dispositivo previsto na Constituição Federal para mandar um sinal à sua militância.

"Ele acenou para a militância política, que hoje corresponde a algo em torno de 30% do eleitorado. É uma medida grave pois coloca ainda mais lenha na fogueira em um momento em que o país precisaria de serenidade para enfrentar o período eleitoral", avalia.

Nas redes sociais, políticos da oposição criticaram a decisão tomada por Bolsonaro.

Aliados elogiam decisão

Políticos e lideranças aliadas do presidente Bolsonaro usaram as redes sociais para elogiar o perdão concedido a Daniel Silveira. Um deles foi o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR). Pelo Twitter, ele disse que a decisão teria sido "boa para a democracia".

"Presidente Bolsonaro concede graça ao deputado Daniel Silveira nos termos da constituição brasileira. Bom para a democracia e para a harmonia e equilíbrio entre poderes, também consagradas na constituição", escreveu o parlamentar no Twitter.

Também pelo Twitter, o deputado federal e filho do presidente, Eduardo Bolsonaro (PL-SP), também usou as redes sociais para apoiar a decisão do pai.

"Quem diria que um militar daria aula de Estado Democrático de Direito...", disse o parlamentar em uma postagem no Twitter.

Quem também elogiou medida foi a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, cujo nome é especulado para a disputa de cargos nas eleições deste ano.

Horas antes do anúncio do perdão, ela havia usado suas redes sociais para criticar a decisão do STF.

"É isto mesmo? Eu posso agora pedir condenação de oito anos de prisão para as centenas de pessoas que me agrediram com frases me ameaçando, falando que queriam me matar, esquartejar, quebrar meu rosto, furar meus olhos, me queimar viva, sequestrar e estuprar minha filha?", disse a ministra.

Logo após o anúncio, ela saiu em defesa do presidente.

"Por Decreto o Presidente Jair Bolsonaro concede graça, perdão ao Deputado Daniel Silveira conforme prevê o Art. 734 do Código de Processo Penal. E o meu Presidente, o mais extraordinário Presidente da história, ainda disse que seu Decreto será cumprido", disse em seu perfil no Twitter.

Em tese, inelegível

Após a decisão do STF, o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Henrique Neves, avaliou que, por conta da condenação, Daniel Silveira está automaticamente inelegível e, em tese, não poderá disputar as eleições deste ano, na qual ele pretendia concorrer ao cargo de senador pelo Rio de Janeiro amparado pela base bolsonarista que o elegeu em 2018.

"A inelegibilidade decorrente da condenação criminal nasce com a publicação do acórdão (decisão) condenatório, independente de recurso. Ela só será suspensa se o condenado conseguir uma liminar para conceder efeito suspensivo", explicou.

O advogado Raul Abramo, especialista em direito penal, diz que ainda Silveira ainda não será preso e nem perderá o mandato porque, apesar da condenação, sua defesa ainda pode impetrar recursos junto ao STF.

"A defesa pode recorrer e por isso ele não deverá ser preso, ainda. O mais provável é que a defesa ingresse com embargos de declaração, que é um recurso quando se entende que há algum ponto da decisão que não ficou claro ou quando a defesa acha que os ministros deixaram de prestar atenção a algum ponto relevante", diz o advogado.

Raul afirma que, se houver recursos e a condenação for mantida, o STF deverá comunicar a decisão à Câmara dos Deputados para que seja efetivada a perda do mandato. Da mesma forma, após o fim dessa fase, Daniel Silveira deverá ser recolhido a uma unidade prisional onde vai iniciar o cumprimento de sua pena.

Quem é Daniel Silveira?

Reuters
Deputado federal Daniel Silveira foi condenado pela STF

Até 2018, Daniel Lúcio Silveira era apenas policial militar do Rio de Janeiro com um histórico de faltas disciplinares. A partir daquele ano, porém, ele passou a fazer parte do grupo de militantes adeptos do bolsonarismo que dominou o ambiente político naquelas eleições.

Silveira ganhou notoriedade no período eleitoral quando participou de uma manifestação no Rio e quebrou uma placa com o nome da vereadora Marielle Franco, assassinada em março daquele ano. Foi eleito com 31 mil votos como deputado federal pelo PSL, mesmo partido ao qual Bolsonaro estava filiado.

Depois de eleito, Silveira continuou sua vinculação com o grupo bolsonarista no Congresso Nacional, apoiando pautas caras ao movimento como a flexibilização do porte de armas.

Em 2020, em meio ao aumento das tensões entre o presidente Jair Bolsonaro e o Poder Judiciário, o deputado passou a ser investigado pelo STF e pela Procuradoria-Geral da República nos inquéritos que apuravam a realização de ataques ao tribunal e a disseminação de informações falsas.

Em fevereiro de 2021, já sob investigação, ele foi preso por ordem do relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes.

A prisão aconteceu depois que Silveira divulgou vídeos defendendo o Ato Institucional Nº 5 (AI-5) e a destituição de ministros do Supremo. O AI-5 foi o ato mais severo da ditadura militar no Brasil (1964 a 1985), que suspendeu liberdades individuais e decretou o recesso do Congresso Nacional.

No vídeo, ele atacou cinco ministros do tribunal: Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Ele chamou Fachin de "moleque" e "menino mimado" e Alexandre de Moraes de "idiota".

Em novembro de 2021, ele foi solto e passou a responder ao processo em liberdade. Ele foi denunciado pela PGR e é réu por coação no curso de processo, incitação à animosidade entre Forças Armadas e o Supremo e tentativa de impedir o exercício de Poderes da União. Coação é quando há o uso de ameaça ou violência contra alguma parte de um processo judicial.

Mesmo após a prisão, ele continuou a questionar decisões do STF e chegou a se recusar a cumprir uma ordem de Alexandre de Moraes para que usasse tornozeleira eletrônica.

Em meio ao impasse, ele chegou a se refugiar dentro do Plenário da Câmara dos Deputados para impedir que policiais federais pudessem cumprir a determinação do ministro. Isso aconteceu porque, por lei, a PF não pode entrar no Plenário sem autorização da própria Câmara.

O imbróglio foi resolvido no dia seguinte, quando Silveira recuou e aceitou usar o dispositivo.


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