Por que Rússia cortou gás da Polônia e da Bulgária — e quais as consequências disso
Ao cortar o fornecimento de gás para Polônia e Bulgária, dois países da União Europeia, a Rússia mostra que não está disposta a tolerar sanções.
28/04/2022 17h00A Rússia anunciou que vai cortar o envio de gás para dois países da União Europeia: Polônia e Bulgária.
A Rússia perde assim dois clientes importantes para o seu gás e as receitas geradas por estes contratos, mas envia uma mensagem forte ao mundo: de que pretende se defender com todas as armas disponíveis contra as sanções internacionais.
As exportações de hidrocarbonetos são a ferramenta mais poderosa da Rússia nesse sentido.
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"O anúncio da Gazprom (estatal russa de gás) de que suspenderá unilateralmente as entregas de gás a clientes na Europa é mais uma tentativa da Rússia de usar o gás como instrumento de chantagem", disse a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em nota.
1. Por que esses países tiveram seu suprimento cortado?
A recusa de ambas as nações em pagar à Gazprom em rublos em vez de dólares ou euros as colocou na mira do Kremlin, que fechará a torneira dos gasodutos que transportam seu combustível.
A Rússia mudou o método de pagamento para seus clientes após as sanções econômicas impostas pela Europa.
Desde 1º de abril, as empresas europeias são obrigadas a abrir uma conta em moeda local no Gazprombank.
Os pagamentos em rublos beneficiariam a economia russa e melhorariam a cotação da sua moeda.
Especialistas acreditam que, com essa medida, Moscou está tentando frear a desvalorização da moeda russa, que perdeu cerca de 40% de seu valor em relação ao dólar desde o início do ano.
"Por que a Rússia quer receber rublos, quando pode imprimir quantos rublos quiser?", pergunta Paul Donovan, economista-chefe do banco suíço UBS Global Wealth Management.
"Evitar sanções financeiras é mais fácil com o rublo, que faz do rublo o Bitcoin do mundo das moedas (embora obviamente o rublo seja menos volátil e tenha um valor intrínseco)", responde ele.
Mas os Estados-membros da UE alegam que a mudança é uma "grave violação de contrato".
Na terça-feira (26/4), a Polônia, que durante a guerra recebeu mais de um milhão de refugiados ucranianos, anunciou sanções contra grandes empresas russas e contra 50 oligarcas cujos ativos no país serão congelados.
Segundo a Bloomberg, algumas empresas europeias já pagaram pelo sistema novo da Rússia, embora o nome das companhias não tenha sido divulgado.
Nathan Piper, chefe de pesquisa de petróleo e gás da Investec, disse à BBC que a interrupção do fornecimento para Polônia e Bulgária foi o "início da pressão econômica da Rússia sobre a Europa" e um movimento que pode "escalar" com outros países da UE.
2. O plano europeu para reduzir a dependência do gás russo é viável?
A Rússia atualmente fornece à Europa entre 35% e 40% de suas necessidades de gás.
Muito antes da guerra na Ucrânia, vários países europeus começaram a avaliar como reduzir sua dependência energética de Moscou.
O primeiro país a alcançar a independência total foi a Lituânia. Em 2015, quase 100% do fornecimento de gás vinha de importações russas.
Mas a situação mudou drasticamente nos últimos anos depois que o país construiu um terminal de importação de gás natural liquefeito (GNL) offshore na cidade portuária de Klaipeda.
Agora, a busca de alternativas viáveis ao gás russo tornou-se uma prioridade para a Europa, que lançou o plano conjunto "REPowerEU".
O objetivo é reduzir as importações europeias de gás russo em dois terços no próximo ano.
"A guerra na Ucrânia destacou a necessidade urgente de a Europa diversificar suas fontes de gás, bem como o objetivo de longo prazo de transição para fontes de energia limpa", disseram Mark Lacey, Alexander Monk e Felix Odey, analistas globais da Schroders.
"O plano europeu REPowerEU é extraordinariamente ambicioso", acrescentam.
No final de março, a UE assinou um importante acordo com os EUA sobre gás natural liquefeito (GNL) segundo o qual os EUA fornecerão à Europa, até o final do ano, um volume de gás natural equivalente a aproximadamente 10% do que recebe da Rússia.
"O problema é que os EUA não podem abastecer uma demanda tão grande, e a Europa está competindo com outros países por embarques de GNL importado", dizem os especialistas da Schroders sobre o aumento das necessidades da Índia e da China.
"Outro obstáculo é que o GNL, como o próprio nome diz, é líquido e para usá-lo é preciso transformá-lo novamente em gás. Este é um processo chamado de regaseificação, e a Europa tem pouca capacidade de regaseificação de GNL."
Para John Kemp, analista de mercado da Reuters, "cortar o fornecimento de gás pode abalar os mercados de energia e aumentar ainda mais os preços do gás e as contas domésticas e comerciais, quando o custo de vida já está nas alturas".
3. Que consequências globais terá a decisão da Rússia?
"Cortar o fornecimento de gás tem menos impacto na Europa durante a primavera, e a Polônia diz que possui reservas suficientes. No entanto, os mercados provavelmente verão isso como o início de uma militarização geral da energia", explicou Donovan em um comentário ao mercado.
No entanto, se o fornecimento de gás russo terminasse, a Europa poderia recorrer aos exportadores de gás existentes, como Catar, Argélia ou Nigéria.
Espera-se também que um novo gasoduto da Noruega comece a operar em outubro próximo.
Mesmo assim, os preços do gás na Europa após o anúncio de Moscou dispararam cerca de 20%.
Os preços mais altos da energia decorrentes da guerra russo-ucraniana significam que a probabilidade de uma desaceleração ou recessão significativa é maior, principalmente na Europa.
"Em países de baixa renda da Ásia, África e América Latina, o aumento dos custos com alimentos e combustíveis afetará ainda mais os gastos com bens duráveis" que são mais caros, como carros, móveis, geladeiras, fogões, televisores ou computadores, acredita o analista de mercado.
"Com os consumidores sob pressão em todas as principais economias, a probabilidade de uma recessão ou pelo menos uma desaceleração significativa em uma ou mais regiões é muito alta e começou a pesar nos preços das commodities industriais e da energia", acrescentou.
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