Mães não precisam só de autocuidado, mas sim de alguém que cuide delas, diz pesquisadora
Suniya Luthar, estudiosa da resiliência emocional, diz que autocuidado, por mais benéfico que seja, virou 'tafefa adicional' para mulheres e desconsidera uma necessidade básica humana: a de sermos cuidados pelos demais e amados incondicionalmente.
07/05/2022 11h10Uma metáfora comumente ouvida por mães sobrecarregadas é de que elas devem, assim como ditam as regras de segurança em voos de avião, colocar a máscara de oxigênio em si mesmas antes de colocarem-na nas crianças. A frase costuma se referir à importância das mães em cuidarem de si mesmas, em vez de só priorizarem as crianças.
Para a pesquisadora Suniya Luthar, porém, essa metáfora tem uma falha: o que as mães precisam mesmo é serem cuidadas por outras pessoas, mais do que apenas tirar momentos para cuidarem de si mesmas, argumenta.
"Não se trata de autocuidado, mas sim de cuidado que venha dos outros", diz Luthar, que é professora emérita da Faculdade de Professores da Universidade de Columbia (EUA) e pesquisadora de resiliência emocional.
"Quando usam a metáfora da máscara de oxigênio, eu digo que não se trata de colocar a própria máscara de oxigênio antes de colocar a dos filhos. Mas sim ter alguém perto que possa colocar a sua máscara para você. Porque nós, mães, também muitas vezes estamos sem ar. Eu certamente estive nos últimos dois anos (da pandemia de covid-19), e muitas outras mulheres estiveram, porque foi um período muito traumático", explica ela em entrevista à BBC News Brasil.
O autocuidado — muitas vezes visto como momentos de descanso das atividades diárias ou como momentos de massagem, sessão de manicure ou uma noite com amigos — tem seu valor, diz Luthar. Mas a ênfase atual em pedir à mãe que cuide de si mesma enfrenta dois obstáculos.
Primeiro, o autocuidado acaba virando uma "tarefa a mais a ser cumprida" pela mãe. "Ouvi de uma professora: 'se mais uma pessoa me disser que preciso cuidar de mim mesma e me reerguer, vou perder a cabeça, porque estou tão estressada, tão abalada pelo luto e pelo medo (na pandemia), que não quero que me digam para fazer mais isso'", conta Luthar.
"Como vou praticar o autocuidado se mal consigo terminar tudo o que tenho que fazer no dia, com tantas obrigações, tendo que cuidar de todas as outras pessoas?", prossegue.
O segundo problema, afirma a acadêmica, é que o autocuidado, por mais relevante que seja, não leva em conta uma necessidade do ser humano: o apoio emocional e incondicional de outros seres humanos.
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"As mães não só não estão recebendo amor e apoio de que precisam, como já não têm expectativa de recebê-lo, o que talvez seja o maior problema. Aceitamos essa narrativa de que nós (mães) temos de fazer tudo e ficar por último na lista. Na melhor das hipóteses, você vai dizer 'mereço uma noite com as amigas, um pedicure, um dia de descanso', mas é raro que uma mãe diga: 'tenho que garantir que alguém vai cuidar de mim e fazer disso uma prioridade'. (..) É um nutriente para sua alma e espírito E não é algo que você faça por si mesma, é algo que alguém precisa fazer por você. Você tem que reconhecer que precisa dessa ajuda", afirma Luthar.
Para cuidar das crianças, é preciso cuidar de seus pais
Essa rede de apoio emocional dada a mães - ou a qualquer cuidador primário - se traduz em crianças também mais emocionalmente saudáveis e resilientes, prossegue a acadêmica.
"É essencialmente isso o que a ciência da resiliência prega. A Academia Nacional de Ciências aqui dos EUA diz de forma clara: se você quer que quer que uma criança fique bem, tem que garantir que seu cuidador primário esteja bem também. E para isso acontecer, é preciso garantir que o cuidador primário vai ter o mesmo amor e apoio que quer dar aos seus filhos."
Luthar é coautora de um estudo conduzido durante a pandemia com 14 mil crianças em idade escolar nos EUA - muitas das quais em situação de vulnerabilidade - durante os três primeiros meses da pandemia, em 2020, para avaliar sua capacidade de perseverar diante das dificuldades.
A principal conclusão é que o apoio que as crianças recebiam de seus pais era crucial para o bem-estar emocional delas.
"Análises de múltiplos fatores de risco ou de fatores protetores mostram que, em relação à depressão, o preditor mais potente era o apoio parental, que representa ao menos duas vezes (a influência) de outros preditores", diz o estudo. O mesmo valia para a ansiedade em crianças.
Essa discussão não deve fazer os pais se culparem por eventualmente não conseguirem dar esse apoio aos filhos, mas sim reconhecer a importância de cuidadores primários também terem suas necessidades emocionais atendidas, argumenta Luthar.
'Você é vista e amada por quem você é'
Luthar é fundadora de uma ONG chamada Authentic Connections Groups (Grupos de Conexões Autênticas, em tradução livre), que organiza grupos virtuais de apoio para "quaisquer pessoas que estejam em busca de redes de apoio fortes e confiáveis que sejam duradouras e que aliviem momentos de adversidade e estresse".
O grupo realiza sessões temáticas ao longo de três meses, e depois os participantes são encorajados a se manter em contato, presencialmente ou via grupos de WhatsApp, por exemplo.
Luthar diz que são aceitos participantes de todas as partes do mundo, desde que falem inglês. Há custos para as sessões, mas "ninguém é rejeitado por falta de dinheiro, porque não quero que nenhuma mãe tenha de chorar sozinha", diz.
E, embora compartilhar angústias seja um dos focos do encontro, o principal é a aceitação, prossegue ela.
"Não é só ter um ombro amigo quando você está triste, embora isso seja uma parte. É também para dividir momentos de alegria, conquistas, e ter gente que comemore o seu sucesso. Mas o mais importante, que é o nosso mantra, é que todas as pessoas se sintam vistas e amadas pela pessoa que é na sua essência. É o que todos querem - pessoas ricas, famosas, inteligentes, não importa. Todos têm que sair do grupo com essa sensação de aceitação incondicional pela pessoa que são."
Essa percepção desafia a visão de que cabe aos indivíduos cuidar de si mesmos, concorda Luthar.
"Essa ênfase no individualismo, no 'vamos lá, persevere, você consegue' — não que isso não seja importante, porque todos temos que fazer a nossa parte. (Mas) a humanidade ficou traumatizada (pela covid-19), não houve quem não ficasse, no mínimo pelas incertezas pelas quais passamos. Então achar que podemos enfrentar tudo isso sozinhos é meio desalmado no pior dos casos e também pouco prático no melhor dos casos."
Um grupo particularmente vulnerável, diz Luthar, é o de professoras - que, segundo pesquisas conduzidas nos EUA, já viviam em níveis alarmantes de estresse mesmo antes do novo coronavírus. A pandemia tornou o problema ainda mais grave.
"No início da pandemia, as taxas de burnout no trabalho (entre professores) eram de 20%. Agora, estão acima de 70%. Não se trata de uma exaustão leve, mas em níveis sérios, na zona vermelha, e especificamente em seu trabalho. Isso torna (professores) menos eficazes em seu trabalho e faz crescer as taxas de abandono - educadores talentosos estão largando a profissão porque chegaram ao seu limite. Novamente, a resposta é que temos de apoiá-los. Não basta aplaudir, dizer que são heróis, mas realmente cuidar deles, da forma como queremos que eles cuidem dos nossos filhos", afirma.
Ela diz que grupos de apoio emocional criados entre educadores têm um efeito positivo sobre esse problema, formando dentro de escolas uma cultura de resiliência e apoio emocional.
"Um professor que esteja bem beneficia todos em sua sala, até os próprios pais (dos alunos). É uma pessoa importante, um 'hub' para muitos da sociedade, então garantir que ele vai estar bem os levará a passar isso (o bem-estar) adiante."
Persuadir mulheres a participar
Luthar diz que um desafio constante em fazer com que mulheres se engajem nos grupos de conexões é garantir que as sessões não sejam desmarcadas por conta dos afazeres diários. Assim como é desafiador para as mulheres reservarem um momento para o autocuidado, é difícil ter tempo para receber apoio emocional. Mas Luthar acha isso primordial.
"As mulheres veem nossos encontros como transformadores, mas é preciso que cada uma seja persuadida a assumir esse compromisso (e deixar as demais obrigações de lado). Dizemos que 'você precisa fazer isso por si mesma'. Não deixamos de ter necessidades quando nos tornamos mães ou avós."
Luthar se baseia em uma pesquisa sua, publicada em 2015, chamada "Quem materna as mães?", que aponta que a aceitação incondicional, relações pessoais autênticas e a sensação de conforto emocional foram apontadas como os principais fatores para evitar o estresse entre as mães que participaram do estudo.
"Meu conselho (para mulheres) é: ajude outras mães a entender que elas precisam ser maternadas (cuidadas) também. Diga: 'mãe, assegure-se de que você conseguirá ser cuidada do mesmo jeito que quer cuidar (dos seus filhos)'", afirma.
"Certamente é bom fazer meditação, mindfulness, são coisas ótimas. Mas o número um é receber o amor e o apoio de outras pessoas quando você estiver precisando - e todos precisamos desse conforto. Com certeza faça sua manicure, mas tenha alguém para colocar a sua máscara de oxigênio para você."
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