Por que os opostos se atraem cada vez menos no amor e no sexo
O velho ditado não só está errado — como também pode ser menos verdadeiro do que nunca.
17/04/2022 19h14As pessoas estão acostumadas a ouvir que "os opostos se atraem" — o introvertido vai se apaixonar pelo extrovertido, o bad boy pelo melhor aluno da escola. Esta crença está arraigada na cultura popular há anos.
Embora muita gente possa concordar de cara com este ditado, e até citar um exemplo em sua vida pessoal, vários pesquisadores desmistificaram esta teoria ao longo dos anos.
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"As pesquisas são bastante claras que não é verdade", diz o psicólogo clínico Ramani Durvasula, especialista em relacionamentos tóxicos, na Califórnia, nos EUA.
"Pessoas que compartilham interesses, temperamento e tudo mais tendem a ser mais propensas a se relacionar."
De fato, vários estudos mostram que amigos e parceiros românticos tendem a compartilhar hobbies, crenças e valores básicos; as pessoas costumam se sentir atraídas ou confiar em quem tem características físicas semelhantes; e algumas pesquisas sugerem que buscam alguém com personalidade parecida.
Basicamente, tanto pesquisadores quanto psicólogos dizem em sua maioria que as pessoas há muito tempo são atraídas por aquelas com características, crenças e interesses compartilhados.
Há também uma série de evidências que sugerem que os opostos se repelem — particularmente no que se refere a pontos de vista e valores.
E com o clima social, político e cultural cada vez mais polarizado em países no mundo todo, é possível que estejamos ainda menos propensos a nos apaixonar por alguém que pensa de maneira muito diferente de nós.
Alguns fatores, como as redes sociais, indicam que está se tornando significativamente mais fácil encontrar um parceiro em 'bolhas' formadas por pessoas com a mesma opinião, deixando a teoria de que "os opostos se atraem" mais desatualizada do que nunca.
É difícil identificar exatamente a origem do ditado "os opostos se atraem", mas o sociólogo americano Robert F Winch sugeriu esta teoria em um artigo de 1954 na American Sociological Review.
A pesquisa dele se concentrava nas "necessidades complementares na seleção de parceiros" — a ideia de que as pessoas procuravam parceiros que tinham certas qualidades que faltavam a elas (como o introvertido escolhendo o extrovertido, talvez como uma forma de o introvertido se beneficiar da influência do extrovertido).
Logo após a pesquisa de Winch, no entanto, outros cientistas começaram a tirar conclusões diferentes. Menos de uma década depois, outro pesquisador de psicologia social dos Estados Unidos, Donn Byrne, desafiou a teoria de que opostos se atraem com um artigo.
Byrne levantou as hipóteses de que "um estranho que é conhecido por ter atitudes semelhantes às do sujeito é mais benquisto do que um estranho com atitudes diferentes das do sujeito [e] é considerado mais inteligente, mais bem informado, mais ético e mais ajustado". Sua pesquisa respaldou ambas as hipóteses.
"Este foi o começo", diz Angela Bahn, professora associada de psicologia do Wellesley College, nos EUA. "Desde então, tem havido evidências muito fortes e generalizadas de atração por similaridade".
Bahn constatou isso em um estudo que realizou em 2017, no qual pesquisadores analisaram pares de pessoas abordando-as em espaços públicos em Massachusetts. Eles observaram que a semelhança entre os pares era estatisticamente significativa em "86% das variáveis medidas", incluindo atitudes, valores, atividades recreativas e uso de drogas.
Mais especificamente, duplas de amigos e casais tinham atitudes parecidas em relação a casamento gay, aborto, papel do governo na vida dos cidadãos e importância da religião.
Ainda assim, há muitas razões pelas quais pode parecer que os opostos se atraem, como diferenças superficiais que fazem as pessoas parecerem mais opostas do que realmente são.
Um "economista certinho" com um "artista desinibido", por exemplo, a princípio pode parecer um casal antagônico, sugere Durvasula — mas "seus valores, seja em torno da família [ou] ideologia política", provavelmente vão ser semelhantes.
Curiosamente, a personalidade continua sendo uma área em que as conclusões são menos evidentes. No estudo de Bahn, por exemplo, os pares apresentaram "níveis mais baixos de semelhança" na personalidade, especificamente quando se tratava do que é conhecido como os "cinco grandes" traços de personalidade — abertura, conscienciosidade, extroversão, agradabilidade e neuroticismo.
Bahn explica, por exemplo, que "duas pessoas que são altamente dominantes não vão funcionar bem juntas, então essa é a única área em que a complementaridade, que você pode chamar de 'os opostos se atraem', é bem mais comum".
Mas outro estudo de 2017, da professora de psicologia social Youyou Wu, da University College London (UCL), no Reino Unido, apresentou descobertas diferentes.
Ao analisar os perfis do Facebook de cerca de 1 mil casais e 50 mil pares de amigos, Wu e seus colegas "mostraram que há uma semelhança mais forte do que a encontrada anteriormente... para todos os cinco traços de personalidade" entre os pares — mais uma indicação de que os opostos podem de fato não se atrair, mesmo que possa parecer o caso.
Aplicativos incentivam busca de parceiros parecidos
Isso não quer dizer, no entanto, que pessoas com valores e pontos de vista polarizados não serão bem-sucedidas juntas; claro que acontece, e pode haver benefícios na divergência — ou até mesmo na oposição de princípios — para os casais.
Ipek Kucuk, de 29 anos, especialista em tendências de relacionamento no aplicativo de encontros Happn, com sede em Paris, conta que recentemente terminou com uma pessoa com quem "concordava em tudo" para sair com alguém que tem perspectivas alternativas sobre questões polêmicas, como vacinação e religião.
"Antes de terminar com meu ex, eu não sabia o quanto estava entediada", diz Kucuk.
"Embora tenha sido uma montanha-russa de conversas com meu parceiro atual porque ele me chocou com algumas de suas opiniões, tudo isso realmente me fez crescer... ampliou minhas perspectivas. Aprecio muito isso."
No entanto, Kucuk diz ter certas crenças que precisa compartilhar com seu parceiro — como feminismo e apoio aos direitos LGBTQ. E muitos outros parecem ter a mesma preferência.
Hoje, compartilhar visões políticas tem sido essencial para os casais darem "match". Por exemplo, as menções ao movimento "Black Lives Matter" aumentaram 55 vezes em 2020 no aplicativo de relacionamento Tinder, indicando que as pessoas não estavam dispostas a se envolver com parceiros que não compartilhavam suas convicções mais importantes.
Depois que o OkCupid lançou um selo que os usuários podiam colocar em seus perfis para mostrar seu apoio ao "Black Lives Matter", os usuários que adotavam o selo se tornaram duas vezes mais propensos a dar "match" com outros usuários que tinham o selo, informou um representante do OkCupid à BBC Worklife por e-mail.
A enorme influência cultural das redes sociais — e seus algoritmos que conectam indivíduos com crenças semelhantes — pode estar empurrando as pessoas ainda mais em direção àquelas que compartilham as mesmas opiniões e atitudes.
Como Wu explica, vários aplicativos de relacionamento recomendam pessoas em suas redes sociais, ou com base em 'curtidas' compartilhadas no Facebook ou seguidores no Twitter.
E cerca de 48% dos adultos dos EUA entre 18 e 29 anos usavam aplicativos de relacionamento, de acordo com um estudo do instituto Pew Research de 2019.
"Com base em nossa pesquisa que mostra que os amigos têm personalidades parecidas", diz Wu, as pessoas que usam aplicativos de relacionamento que recomendam amigos de amigos estão apenas conhecendo mais gente como elas.
Aplicativos de relacionamento que atendem a pessoas com opiniões específicas também surgiram nos últimos anos, especificamente na época da polarizada eleição presidencial de 2016 nos EUA.
Entre os aplicativos que foram lançados neste período visando usuários politicamente conservadores, estavam o Righter, o Conservatives Only e o Donald Daters.
Dois anos após a eleição, o Bumble instituiu um recurso de "filtro" que permitia aos usuários desconsiderar perfis de pessoas que não se encaixavam em suas preferências políticas e de estilo de vida.
"É fácil se conectar com pessoas com as quais você concorda online", diz Bahn.
"Os algoritmos nas plataformas de rede social nos mostram coisas com as quais acham que já concordamos."
Os serviços de relacionamento online parecem adotar isso — é um recurso, não um bug. De acordo com o porta-voz do OkCupid, "o OkCupid é conhecido por ajudar as pessoas a se conectarem em questões sociais e políticas devido ao nosso algoritmo baseado em perguntas".
Entre estas questões, estão direito reprodutivo, porte de armas, vacina contra covid-19 e o movimento "Black Lives Matter".
O lançamento de selos, como o do "Black Lives Matter" e de "Defensor do Clima", para ajudar as pessoas a encontrar facilmente outras que compartilham suas principais crenças, sugere que esta tendência está crescendo.
Agora, as redes sociais e sites que muitos de nós usamos para encontrar amigos, relacionamentos e, finalmente, amor, estão nos aproximando de pessoas que parecem pensar de forma semelhante a nós.
Isso não é de todo ruim — a grande quantidade de dados mostrando a alta porcentagem de casais que compartilham pontos de vista e valores sugere que é um bom indicador de relacionamento duradouro.
Mas também há desvantagens; se a gente se relacionar só com quem pensa como nós, é menos provável que tenhamos o tipo de conversa que Kucuk está desfrutando com seu parceiro — os debates que desafiam nossas suposições e talvez até abram nossos olhos para visões de mundo diferentes.
No entanto, dada a prevalência e o poder da tecnologia — e o fato de que os opostos não se atraem exatamente — o ditado pode muito bem estar em vias de ficar ultrapassado.
Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Worklife.
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