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De quando em quando, André Dahmer volta a um tema em suas tiras, quando um personagem pergunta a outro: "em matéria de quadrinhos, tudo já foi feito?". Acho a pergunta ótima e tenho vontade de a repassar a todo quadrinista que encontro. E, de uns tempos para cá, pensando nesse questionamento, tenho vontade de recomendar a leitura de "Rusty Brown", de Chris Ware, a todo leitor de HQs.

O livro foi publicado por aqui no final do ano passado. É grande, 350 páginas, e não é uma leitura rápida. São quatro histórias reunidas no livro, e eu dei um tempo entre cada uma, para refletir um pouco e ficar com aquele gosto de "talento do Chris Ware" na boca.

Chris Ware é excelente roteirista e ilustrador. Mais do que isso: um dos raros nomes dos quadrinhos atuais que sabe conjugar texto & desenhos para criar algo novo e surpreender o leitor.

Antes, vamos tentar um resumo de "Rusty Brown": são quatro histórias independentes centradas nas vidas de pessoas comuns (que, por vezes, se entrelaçam). Elas moram na mesma cidade e estudaram ou trabalharam na mesma escola.

O que cada um dos quatro protagonistas tem de especial para estrelar sua própria história? Gostaria de perguntar isso pessoalmente a Ware, mas deixo aqui uma possível resposta. São homens e mulheres comuns, e toda pessoa traz, em si, histórias que valem a pena ser contadas. Ninguém é superficial. Há erros, acertos, conquistas, decepções, orgulhos, mágoas nunca cicatrizadas. Eu tenho estes seis itens na minha vida, e aposto que você tem na sua também. Ou seja: você também poderia servir de matéria-prima para uma história de Chris Ware, e esta HQ seria ótima.

E aqui entramos no segundo ponto: como Ware narra histórias. Não vou falar de cada um dos quatro enredos de "Chris Ware", mas do que eles têm em comum. São histórias profundas. Cada decisão, por mais aleatória que pareça, não é necessariamente tomada de uma hora para a outra. Há as impensadas, claro, mas a maior parte só pode ser compreendida quando nos colocamos no papel do personagem - uma empatia que faz com que, mesmo que não simpatizemos com ele, sintamos um pouco da sua dor (ou alegria).

Ao mesmo tempo em que há as decisões, há o imponderável. “A vida é aquilo que acontece enquanto fazemos planos”, diz o ditado popular. A maior parte da nossa vida está além do nosso controle. E os personagens de “Rusty Brown”, humanos que são, não escapam disso.

Para narrar histórias tão complexas – e detalhadas -, Ware abusa de um recurso específico: seu talento como ilustrador. Às vezes, embora seu estilo permaneça o mesmo (e reconhecível de longe), há uma diferença na narrativa gráfica. O melhor exemplo, para mim, é sobre o trecho que mostra um bebê nascendo. Ele poderia fazer como a maioria, e mostrar o hospital, a mãe, a alegria etc. Em vez disso, vemos tudo do ponta de vista do recém-nascido. As primeiras imagens, inclusive, são mais “embaçadas”, como que reproduzindo a maneira como a criança vê o mundo. E o ritmo da história vai acompanhando as descobertas que ela faz conforme envelhece... um casamento fantástico entre roteiro e arte, forma e conteúdo.

“Rusty Brown” é um primor. Conforme a história avança e recua no tempo, é possível ver o quanto cada personagem é complexo. Suas decisões, a maneira como a vida “decide” por eles, vitórias, derrotas, tudo demonstra a imprevisibilidade das personagens. Porque elas, como você e eu, somos complexos e imprevisíveis.

Complexos e imprevisíveis: as personagens de “Rusty Brown”, você, eu e as histórias de Chris Ware.