Fundação Padre Anchieta

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Estamos na Semana da Independência, o que me faz aproveitar para refletir sobre quadrinhos brasileiros (todos os textos da semana no blog Hábito de Quadrinhos, primo-irmão desta coluna, serão sobre autores verde-e-amarelos). Quis aproveitar a data e escrever sobre uma HQ nacional nesta coluna, mas mudei de ideia e abordarei duas: “Isolamento”, de Helô D’Angelo, e “Confinada”, de Triscila Oliveira e Leandro Assis. São duas grandes obras e merecem reflexões.

Ambas surgiram nas redes sociais e têm como ponto de partida a pandemia que nos atormenta desde 2020. Em “Confinada”, o foco são uma mimada ricaça brasileira e uma das empregadas domésticas que trabalha para ela. Graças à Covid, ambas ficam isoladas (daí o título) no luxuoso apê da patroa – e temos, a partir daí, um ótimo retrato da sociedade brasileira.

Fran, a ricaça, é uma influenciadora. Ou seja, brilha nas redes sociais com fotos de ostentação e frases de autoajuda. Ela impõe às diaristas que trabalham para ela uma escolha: ou ficam isoladas no apê ou não trabalham. E, se não trabalham, não têm salário...

Ju é a única diarista que consegue aceitar essa condição – as outras têm questões pessoais e sociais, como com quem deixar o filho pequeno (não que isso tenha sido levado em conta por Fran ou por muita gente ao meu redor, aqui no mundo real).

O fato que Ju é mais do que parece. Inteligente e engraçada, acaba tendo de lidar com as manias e injustiças de Fran. Quem tem dinheiro tem poder e há de fazer o que quiser com ele – não importa se isso vá ferir emocionalmente (assédio moral, por exemplo) ou fisicamente (contaminação por Covid, mas não só) outros a seu redor. Também neste caso “Confinada” reflete o mundo que enxergo pela minha janela – e aposto que você da sua.

Por falar em janelas: elas são o ponto de entrada em “Isolamento”, de Helô D’Angelo. Nós, leitores, vemos, página após página, 12 janelas de um edifício em que as pessoas estão, claro, isoladas. Mais uma vez, trata-se de um pequeno universo representativo do Brasil. Há negacionistas da pandemia, pessoas sofrendo com a Covid e o luto, parentes tentando curar cicatrizes antigas, empregos (e profissões) sendo ameaçados (ou transformados) pelo home office...

Assim como “Confinada”, “Isolamento” foi sendo criada durante a pandemia. Helô D’Angelo não sabia o que seria da vida dela no mês seguinte, assim como seus personagens. Quando viria a vacina? Como assim (tom indignado) tem tanta gente morrendo? Como assim (tom de raiva) há quem não acredite que tem gente morrendo? Página após páginas, vamos conhecendo – e nos afeiçoando – a personagens cuidadosamente bem construídos.

O meio original (internet) e o ponto de partida (pandemia) são os mesmos, mas o caminho é diferente. “Os Santos”, outro trabalho da dupla Triscila Oliveira e Leandro Assis, é definido como uma tira de “ódio”, e esse sentimento passa por “Confinada”. Não ódio aos personagens, mas às injustiças sociais, ao preconceito, à impossibilidade de mudar um mundo egoísta e cruel.

Por outro lado, “Isolamento” consegue transbordar “amor” e “carinho” diante da Covid. A tragédia está lá, claro, e em mais de uma maneira. Mas há uma doçura permeando seus quadros - uma ponta de otimismo, apesar de tanta desgraça.

Vou concluir esta apresentação das obras com mais um ponto que “Confinada” e “Isolamento” têm em comum: a qualidade. São dois belos quadrinhos. Se você ainda não os conhece, dê uma chance. A enorme e diversificada produção brasileira de HQs não pode, obviamente, ser resumida a apenas duas obras, mas está decididamente bem representada.