Fundação Padre Anchieta

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Há alguns anos alguns anos eu estava em uma livraria e vi um casal um pouco mais jovem do que eu observando os lançamentos de quadrinhos. O rapaz pegou uma HQ de “The Walking Dead” e olhou para a moça sorrindo com desdém: “Que patético! Eles não podem ver uma série fazendo sucesso na TV que já a transformam em quadrinhos...”

O que ele não sabia, e acho que você sabe, é que o caminho foi o inverso: a série de terror “The Walking Dead” surgiu como um quadrinho em 2003 escrita por Robert Kirkman e ilustrada por Tony Moore (que seria substituído por Charlie Adlard) e só anos depois que virou a cativante série de TV.

Se você não a conhece, aqui vai um resumo: um policial, Rick Grimes, entra em como após um combate. Quando ele acorda, semanas depois, houve um apocalipse: a maior parte da humanidade morreu ou foi transformada em zumbi.

Xi, mais uma história de zumbi... Não, não é “só mais uma”: ela rompe as convenções não escritas para revistas mensais de quadrinhos.

Por anos – décadas – nós lemos revistas em que o status quo não muda. O Batman é sempre o Batman, o comissário Gordon é um péssimo policial incapaz de descobrir a identidade secreta dele, o Bruce Wayne não se casa nem tem filhos etc. Vez ou outra, algo acontece, como o Morcegão descobrir que tem um filho adolescente. Mas isso é de repente, do nada, não é algo que vemos acontecer com o tempo. E tudo bem: é algo aceito pelos autores e leitores, está dentro da regra não-escrita do jogo. E vale não só para o bilionário gothamita, mas para todos do gênero dos super-heróis.

Em “Walking Dead”, nada é perene. E você, leitor, só vai descobrir isso aos poucos. Um personagem querido pode perder um olho, uma mão, o que for – e vai ficar assim, não tem raio púrpura secreto que resolva. Do mesmo jeito, algum personagem querido pode - e vai! - morrer. E não vai ter cubo cósmico que ressuscite.

Outra convenção pisoteadas pelos zumbis de Robert Kirkman: o lado “mau” dos antagonistas não é atenuado para não ferir a sensibilidade do leitor. Há violência explícita: física e psicológica. Não é chocar por chocar, pois Kirkman não é um escritor rasteiro: as cenas chocantes estão lá em função do enredo, e não o contrário. Você vai se lembrar delas, mas também de muitas outras coisas.

Um terceiro comentário sobre ser uma série diferente: ela teve fim. Não precisou seguir para sempre. Após 193 números, os autores sentiram que não precisavam ir além, já haviam contado o que desejavam. A série acabou por cima – e com direito a pegadinha. Os leitores não sabiam que a edição 193ª seria a última. Aliás, foram induzidos a pensar que ela continuaria, já que as “capas” dos números 194, 195 e 196 chegaram a ser divulgadas. E no entanto... E no entanto, acabou.

À parte estas características, vale dizer que Kirkman é um ótimo narrador. Suas histórias são envolventes, com muito suspense e surpresas, grandes cenas de ação, personagens cativantes. E profundas. Há reflexões – por vezes até explícitas – que os personagens se fazem a respeito do que o mundo virou após o apocalipse... E quando você, leitor, percebe, está se questionando se aquelas perguntas e indignações não se aplicam à sua própria realidade.

A editora Panini começou, em janeiro, a republicar os 32 volumes de “TWD”. Se você conhece o seriado, mas não a HQ, não seja como o casal do início deste texto: não deixe passar a oportunidade de entrar em contato com uma ótima história de terror. “The Walking Dead”, a HQ, é muito boa.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.