Bruxelas, para mim, é a cidade mais legal do mundo para fãs de HQs. O passeio pela sua Rota dos Quadrinhos é incrível: dezenas de personagens espalhados pelas ruas, pintados em paredes. Uma das imagens, que reproduzo acima, traz não só os personagens homenageados, mas ressalta uma história em particular: “A Marca Amarela”, álbum incrível da dupla Blake e Mortimer, infelizmente desconhecida aqui no Brasil.
O homem por trás dos aventureiros Blake e Mortimer é o belga Edgar Pierre Jacobs (1904-87). Jacobs sempre foi artista – cantor de ópera, inclusive -, mas começou a trabalhar com quadrinhos tardiamente, aos 37 anos, em 1941. De 1944 a 47, trabalhou como assistente de seu compatriota Hergé na criação de histórias do Tintim, ícone mundial dos quadrinhos. E, em 26 de setembro de 1946, nascia a dupla Blake e Mortimer. Ou seja: no próximo domingo, celebramos 75 anos de dois dos maiores personagens dos quadrinhos europeus. Mas se são tão famosos no exterior, por que são desconhecidos aqui no Brasil? Boa pergunta. Antes de tentarmos alguma resposta, vou falar um pouquinho da série.
Os protagonistas são dois amigos: o cientista Philip Mortimer e o espião Francis Blake, ambos britânicos. Isto pode lembrar a dinâmica da dupla Tintim & capitão Haddock, mas não é a mesma coisa. Embora a arte seja bem similar, as diferenças estão nos enredos: Tintim é o verdadeiro herói, o cérebro por trás de tudo, enquanto Haddock e seu glossário infinito de palavrões e ofensas está mais para o alívio cômico. Já Mortimer e Blake são iguais, ambos protagonistas da série.
O tom das histórias também difere. Ambas são séries de aventuras, mas Tintim tem um pé enorme no humor (graças a coadjuvantes como Haddock, o professor Girassol e os gêmeos Dupond e Dupont), e Blake e Mortimer são mais sisudos. E mais: as aventuras de Jacobs têm um sabor de ficção científica – uma história marcante, aliás, aborda o que aconteceu com a Atlântida.
Jacobs escreveu e ilustrou poucas aventuras de Blake e Mortimer, reunidas em 11 álbuns publicados entre 1950 e 1977. O 12º álbum, lançado apenas em 1990, tem roteiro dele, mas é ilustrado por outro fera dos quadrinhos belgas: Bob de Moor. Desde então, aventuras inéditas da dupla, com alguma rotatividade entre os artistas, nunca pararam de sair: o 28º livro vem no ano que vem, e o 29º já está previsto para 2023. Ou seja, já há mais livros de Blake e Mortimer publicados por outros autores do que por seu criador. E isso é mérito de Jacobs, que criou um universo incrível, com personagens críveis e carismáticos vivendo histórias marcantes.
O mais famoso álbum de Jacobs é o mistério “A Marca Amarela”, lançado entre 1953 e 54– e eternizado em uma parede de Bruxelas. Mas todos são dignos de nota, como “O Segredo do Espadão” (lançado originalmente de 1946 a 49) e “O Mistério de Atlântida” (de 1955 e 56). Repare que há nos títulos as palavras “segredo” e “mistério”: são histórias de suspense, mais do que aventuras físicas.
Segundo o ótimo site Guia dos Quadrinhos, não houve aventura de Blake e Mortimer publicada aqui no Brasil. Procurei em sebos virtuais e encontrei sempre a mesma coisa: apenas edições portuguesas. Até podem ter sido publicadas algumas aventuras, mas muito menos do que uma série com essa qualidade – e popularidade – mereceria. E por quê? Não sei, confesso. É um estilo próximo do Tintim, então imagino que agrade ao mesmo público.
Uma possível razão é não ter sido lançada no mesmo momento em que grandes personagens europeus já estavam consolidados por aqui, como Asterix, Lucky Luke e o já citado Tintim. Ou seja, teria perdido a onda.
Outra possível razão é por não ter virado filme (ainda). Além disso, a série animada, tardia (é de 1997!), permanece inédita por aqui, o que pode fazer com que editoras acreditem que vá encontrar pouco interesse no público. Realmente não sei.
Mas se você gosta de quadrinhos como eu, ou se gosta de aventuras da escola franco-belga de quadrinhos, se dê essa chance: Blake e Mortimer, 75 anos nas costas, continuam incríveis.
Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.
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