Li no sempre informativo Shoujo Café uma notícia interessante, mas sem final feliz.
A mangaká Mariko Kikuchi criou a série "Kami-sama no Iru Ie de Sodachimashita Shūkyō 2-Sei na Watashi-tachi". Não sei como traduzir este nome enorme (o Shoujo Café chama de "Uma vida doméstica com Deus", o que me parece casar com a temática), mas me interessei pelo tema: fanatismo religioso.
Eu sou religioso. Sigo minha religião e não tento converter ninguém ao meu redor. Tenho (poucos) amigos que tentaram me converter à religião deles e outros (poucos) amigos que acham que ateus são mais inteligentes do que religiosos - dizem que viram isso em uma "pesquisa científica". Ã-hã.
Enfim! O mangá abordava crianças que eram obrigadas a seguir a religião dos pais. Pelo menos nos primeiros números, cada edição abordava uma religião diferente.
Até que veio o quinto capítulo, que abordou uma seita chamada Happy Science (幸福の科学, Koufuku-no-Kagaku), fundada em 1986. Nunca tinha ouvido falar nela, pesquisei na grande mídia brasileira e não achei nada a respeito. Não sei o que pregam.
O pessoal do Happy Science não gostou da abordagem do mangá. A editora, a ótima Shueisha, tirou a história do ar - não só o quinto capítulo, mas todos os anteriores. (Por isso que nem todas as imagens deste artigo são de "Kami-sama no Iru Ie de Sodachimashita Shūkyō 2-Sei na Watashi-tachi", as duas últimas são de trabalhos anteriores da Mariko Kikuchi.)
Não li o mangá - mesmo quando estava acessível, era disponível apenas em japonês. Mas não acredito que uma atitude como essa faça bem a alguém. Nem aos leitores, nem aos artistas em geral, nem à editora, nem aos seguidores do Happy Science. Respeitados os limites da lei do país onde é publicado, me parece que toda discussão é bem-vinda.
Sou cristão. Há alguns anos, o divertido pessoal do Porta dos Fundos fez um especial de Natal esculhambando o cristianismo. Não vi, não sei se era humor pelo humor ou se havia alguma crítica social como "Kami-sama no Iru Ie de Sodachimashita Shūkyō 2-Sei na Watashi-tachi". De qualquer modo, eu simplesmente não me interessei a ponto de dar o play, e por mim tudo bem, quem quisesse que assistisse. Mas houve quem lutasse pela censura do programa. Algo como: não se faz piada com a minha religião. Como o Porta dos Fundos já tirou, várias vezes, sarro de outras religiões, a mensagem implícita é: fazer humor com a religião dos outros, tudo bem. Com a minha...
Acredito que obras de artes (HQs, mas não só) que abordem o tema do fanatismo religioso, como o mangá de Mariko Kikuchi, sejam relevantes. Elas trazem para discussão pontos importantes sobre a sociedade em que vivemos. São temas delicados: não será uma conversa simples.
Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.
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