O artigo desta semana traz uma reflexão sobre métodos que muitos youtubers adotam para aumentar o alcance de suas produções na plataforma de vídeos e na internet como um todo e das consequências dessa prática com a cibercultura em geral. Antes, porém, peço que curta este texto nas redes sociais e compartilhem desde já, antes de continuar a leitura.
Se a leitora ou o leitor achou estranho o pedido de engajamento antes mesmo de conhecer o conteúdo do artigo é porque não deve acompanhar nenhum canal ou influenciador no Youtube. Quem costuma assistir a esses vídeos já sabe que o pedido para curtir e compartilhar no início da transmissão tem sido a regra, é comum e incentivado em larga escala.
A prática se origina na observação de que quanto mais curtidas e compartilhamentos um vídeo tem, mais ele aparecerá como sugestão para outros interespectadores – como nomeio os espectadores interativos. Consequentemente, o material terá seu potencial de audiência ampliado, métrica quantitativa que é a base da monetização na plataforma e também da manutenção do ego dos apresentadores, duas metas legítimas na comunicação desde sempre.
Um olhar qualitativo, no entanto, pode questionar que tipo de consumidor aprova e recomenda publicamente algo que ainda não utilizou de fato. Há, pelo menos, duas respostas possíveis: o tipo fã, que confia totalmente no que o canal transmite, e o tipo alienado, que ignora as consequências de sua ação no ecossistema da internet. Não por acaso, são dois perfis que dialogam perfeitamente com o processo de desinformação e de disseminação de mentiras – as chamadas fake news.
A autorregulação das redes, condição festejada no início dos anos 2000 a partir do conceito de web 2.0 (Tim O’Reilly, 2004), encontrou rapidamente abrigo na tecnologia. Globalmente, sites e serviços baseados na internet criaram botões que permitem ao usuário declarar com apenas um clique sua concordância ou discordância em relação a um conteúdo. E a cultura do espaço virtual popularizou os ícones de joia, coração, negativo, bloqueio, denúncia etc.
Ocorre que para cada ação do público em uma tela de computador ou celular há um registro no banco de dados da rede. Ou seja, ao clicar em “curtir” o usuário alimenta um complexo sistema de armazenamento de informações que marca não só o conteúdo curtido, mas seus próprios hábitos na rede. Faltou explicar essa parte para o cidadão médio, que ainda ignora o alcance de um simples clique no coraçãozinho das fotos de amigos.
Os youtubers, no entanto, compreendem esse processo com bastante precisão, seja pela observação da rotina ou a partir de instruções formais da plataforma. A autogestão, neste caso, parte de uma lógica tão simples quanto nobre: vídeos que agradam mais gente têm mais exposição e ganham mais dinheiro, gerando um ciclo – em tese virtuoso - entre oferta e demanda do mercado de conteúdo online.
A questão é que pedir para alguém afirmar que gostou de algo que ainda não viu detona o propósito da sonhada autorregulação, que faria da internet um espaço democrático e livre de controles externos, além de deseducar sobre o propósito da mídia. É o exato contrário do que se ensina como boas práticas do consumo de informação, em que se instrui as pessoas a conhecer bem o conteúdo antes de recomendar ou compartilhar. Ou seja, deseja-se que usuários tenham uma abordagem crítica em relação ao que encontram na internet, mas pede-se para que adiante sua confiança em um “like”.
Do ponto da vista da tecnologia, parecia tudo muito bem. Havia uma oportunidade de criar e disponibilizar conteúdo classificado por relevância, qualidade e utilidade de forma rápida e barata. Faltou combinar com os usuários que o botão “curtir” só deveria ser acionado quando considerassem a publicação boa e não para movimentar uma rede de publicidade. E que o botão “denunciar” deveria ser clicado quando houvesse uma suspeita de conteúdo inadequado e não para destilar ódio anonimamente.
Para ser justo, vale registrar que youtubers não são os únicos nem os primeiros a subverter o processo da inteligência coletiva na rede, embora sejam os mais exuberantes. A cibercultura está repleta de casos de “trollagem” de verbetes em sites de conteúdo compartilhado, como a Wikipédia, e de falsas denúncias para atacar a reputação de alguém ou, simplesmente, para fazer aquela vingança contra o “crush”.
Na área editorial, há vários exemplos de autogestão frustrada, como a dos comentários em notícias – que demandam moderação milionária para não virarem palco de teorias da conspiração malucas -, da indexação por tags – palavrinhas que o público ainda não sabe bem para que servem – e dos botões “gostei” e “não gostei” nas reportagens. Esses últimos foram abandonados por uma inconsistência semântica: quando clico em “gostei” em uma notícia é porque achei ela bem produzida e útil ou porque concordo com a informação que ela traz?
O fato é que a boa ideia de um ambiente mantido e regulado pelos cidadãos – com mediação tecnológica – continua em suspenso pelo uso irregular da rede e de suas atribuições interativas. O resultado frustrante deve-se um pouco à falta de explicação de como o sistema funciona e bastante ao oportunismo, cuja combinação torna o ciclo potencialmente virtuoso em vicioso. Fica a certeza de que, assim como o inferno, de boas intenções a internet está cheia.
Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018) e pesquisador associado ao ESPM MediaLab.
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