Preço do arroz, reabertura das escolas, vacinas em teste, Brasileirão, reality show, eleições municipais, picada de cobra, desmatamento, queimadas, Mega-Sena. Sempre há muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo e é impossível acompanhar todas as notícias que são publicadas. Por essa razão, o cidadão recorre a mediadores, seja o jornalismo profissional, os algoritmos das redes sociais ou o tio do zap.
A curadoria algorítmica é a mais confortável e jovial. Entre a foto de gatinho fofo e a imagem das férias da prima, aparece uma informação na tela da rede social. Aquela é a notícia recomendada pelos algoritmos. Pode não ser a mais importante nem a mais urgente, mas tem a ver com o comportamento daquele usuário na internet, seus gostos e preferências como estão gravados nos bancos de dados.
Quem só se alimenta desse tipo de curadoria acaba em uma bolha informativa. Vive a ilusão de que tudo é como acredita ser, pois dificilmente será impactado pelo contraditório. As redes sociais não querem aborrecer seus clientes com temas dos quais duvidam ou não gostam, por isso programam suas ferramentas para dar ao público aquilo que o agrada, sem ligar muito para a relevância ou origem da informação. Leitor de notícias nas redes sociais é, sim, um pouco mimado.
Já o grupo da família no celular é abastecido pelas informações do antigo instituto “data portão”, atual “datazap”. Aqui o contato é mais informal e rápido, como um papo entre vizinhos na calçada, só que em plantão permanente. Então, a notícia chega sem rodeios, na lata mesmo, pois a tia sabe o que é importante e certo. Nesse canal, quanto mais bizarra e secreta a informação parecer, mais chances terá de impactar e, consequentemente, de pular para outros grupos, e assim sucessivamente. Como um vírus, daí a expressão marqueteira e agora inoportuna “viralizar”.
Beber apenas dessa fonte pode tornar tudo mais fluído e, muitas vezes, divertido com uma conversa de boteco. Todo mundo já deve ter recebido uma notícia em primeira mão por mensagem de celular ou na mesa de bar. Mas sem um método confiável de checagem, o parente desavisado pode espalhar água não potável e causar doenças graves ao grupo – como fake news. No entanto, a maioria dos consumidores desse tipo de informação é assintomática: foi contaminada e transmite o mal, mas ninguém diz que é curadoria.
A parte mais exuberante dessa tríade é a curadoria jornalística, pois fica exposta nos sites, jornais e telejornais para muita gente ver e admirar. Reserva uma certa soberba de quem já deteve a exclusividade nessa tarefa. Na teoria, a notícia selecionada por profissionais de comunicação é fruto de um processo consolidado e rigoroso, que envolve métodos claros de apuração e produção. Na prática, a tendência é outra.
Em crise de financiamento há décadas, esse tipo de mediação tem buscado um espaço entre a popularidade das redes e a intimidade do grupo da família. Essa receita quer parecer financeiramente saudável, mas provoca indigestão. Ao tentar cozinhar modelos narrativos e de distribuição semelhantes aos das redes – sociais ou de mensagens -, o jornalismo se confunde com a informação, digamos, despretensiosa desses intermediários, mas com uma desvantagem: os outros dois segmentos circulam gratuitamente a informação que não produzem.
O resultado é um jornalismo com credibilidade próxima à de uma lista de trending topics ou daquele tratamento de saúde milagroso que o tio compartilhou no grupo do zap, mas sem a grana desses serviços, que não vivem de vender notícia. É o incrível caso do negócio que tenta ganhar dinheiro adotando estratégias de quem não cobra pelo mesmo produto. Não há nenhum exemplo de sucesso no mundo.
Essas três dimensões contemporâneas de curadoria da informação resumem o que parece ser a dieta média dos consumidores de notícias, que ficaram com a responsabilidade de achar sua melhor fonte. Como se estivesse em um restaurante por quilo, cada indivíduo tem a liberdade de se servir da porção que quiser das comidas. Mas um prato saudável precisa ser diversificado e colorido. E é fundamental confiar no local, na higiene, nos processos adotados pela turma da cozinha.
Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018) e pesquisador associado ao ESPM MediaLab.
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