Imagine um período eleitoral hipotético, em que há duas forças concorrendo. Nesse cenário, um jornalista tem acesso a denúncias consistentes, embora não provadas, sobre um deles, justamente o líder nas pesquisas e, portanto, considerado pela maioria dos eleitores – inclusive o próprio repórter - a “melhor opção”.
Para muitos, o profissional viveria um dilema ético ou, no mínimo, um impasse para decidir se publica ou não tais informações antes do pleito, podendo com isso prejudicar a performance do favorito nas urnas. Outros diriam que a publicação dependeria das provas, como se fosse um julgamento da Justiça.
Essa concepção parte da crença de que o jornalismo é um poder nas democracias e não um trabalho do ramo da comunicação, com missão fiscalizadora. Em geral, aqueles que cobram da mídia atitudes militantes costumam ser os primeiros a criticar suposto viés quando uma reportagem desnuda seus personagens de estimação e não o preferido dos outros.
Atacar jornais, sites e emissoras é prática comum entre políticos de todas os matizes ideológicos, em qualquer tempo. Se a denúncia é publicada no início do governo, é porque a mídia não deixa “o homem trabalhar”, mas se aparece no final do mandato, é porque a mídia quer “interferir nas eleições”.
Em tempos bicudos como os atuais, é de se esperar que se busque por culpados alheios aos eventos divulgados. É mais confortável e não é de hoje que há essa tendência de se julgar o mensageiro pela mensagem que detém, quando esta contraria a expectativa do sujeito receptor ou destinatário.
Exatamente por isso, cabe ao produtor de notícias se distanciar do que cobre e publica, mesmo sendo o jornalista um ator político no palco social. O professor Timothy E. Cook (1954 – 2006) anotou essa dualidade no livro “Governing with the news: the news media as a political institution” (“Governando com a notícia: a mídia jornalística como instituição política”, em tradução literal), um clássico do jornalismo político ocidental, publicado em 1997.
No capítulo 5 da obra, o autor reconhece que “o que complica estabelecer o papel político dos jornalistas é que sua influência política pode decorrer de sua adesão a princípios de objetividade e deferência aos fatos e sua distância ‘custe o que custar’ em relação às consequências sociais e políticas de sua cobertura, e não a despeito dessa adesão”.
O distanciamento do resultado da publicação inclui a não escolha do momento da publicação. Se os processos jornalísticos adequados foram seguidos, ou seja, se o tema foi apurado e analisado com rigor e transparência, esta é a melhor hora de se fazer a divulgação.
Guardar material informativo de interesse público para um momento oportuno para os interesses político-partidários de quem quer que seja é prática distante do bom jornalismo. Claro que, sabendo disso, muitas autoridades e instituições buscam se beneficiar dessas boas práticas. O profissional de comunicação também não pode ser ingênuo.
Inúmeros exemplos recentes de vazamentos seletivos manipularam a mídia exatamente na oportunidade do tempo de publicação, sempre estrategicamente programado. É um risco que se corre quando se faz o certo, mas que não pode ser pretexto para se fazer o errado. Que o tempo do jornalismo seja rei, como o de Gilberto Gil, para ensinar o que ainda não se sabe.
Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018).
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