O complexo ano letivo vai chegando ao fim com aquela sensação de que o país tem muito a desenvolver em seu sistema educacional. Seja no modelo público ou no privado, a pandemia fez pipocar deficiências de uma prioridade que só aparece em marketing político ou em proselitismo de ocasião.
Da infraestrutura ao conteúdo programático, cada escola terá uma história de insucesso para contar sobre este período excepcional. Internet inexistente ou que não funciona, professores e alunos sem equipamentos mínimos adequados, metodologias arcaicas e falta de planejamento compõem a lista de reclamações mais comuns. Mas o troféu Didi Mocó de trapalhadas vai para o modelo de avaliação da aprendizagem.
Em geral e com pouquíssimas exceções, o que se exige dos alunos é que tenham a capacidade de responder questões sobre o conteúdo estudado – presencial ou virtualmente – consultando apenas a memória, aquela mesma que estava focada no WhatsApp durante as explicações do professor. Claro que as lembranças não estarão disponíveis naturalmente durante a prova e sempre há quem busque maneiras criativas de refrescá-las.
Nas aulas presenciais, as chamadas “colas” contam com algumas ferramentas. No período analógico da nossa era, havia os lembretes em pedaços minúsculos de papeis, os rabiscos na mesa escolar, nas abas de bonés etc, tudo teoricamente muito discreto para ninguém desconfiar.
Já na parte digital ainda no período pré-pandemia, a prática ganhou aliados mais sofisticados, como celulares, relógios digitais, fones de ouvido “invisíveis” e por aí vai. Na falta de uma tecnologia adequada para acionar a memória externa, o aluno sempre poderá recorrer à inadiável visita ao banheiro.
Nos dois casos, fica na conta do professor – que quase não tem atribuições no processo educativo – bancar o bedel dentro das salas e garantir um mínimo de isonomia entre os alunos. É muito frustrante para todos ter a certeza de que um estudante que trapaceia na hora da avaliação tem chance de receber nota melhor do que aquele que procurou reter na memória pontos importantes do aprendizado.
Mas neste ano da crise sanitária, em que todos tiveram de ocupar assentos em plataforma digitais, a questão que deveria ser apenas pedagógica ganhou ares de comédia sem graça. Um único sujeito do outro lado da tela e a quilômetros de distância dos alunos não pode blindar uma avaliação de malandragens. Todos os envolvidos sabem disso, mas “fazem a egípcia”.
Algumas plataformas educacionais trazem recursos anticópia, como sinalização de texto colado de outro lugar e alerta de print de tela, o que só inibe a fraude do tipo amadora. Trapaceiros experientes têm muitas outras maneiras de copiar algo sem acionar esses mecanismos. Afinal, o aluno não está orientado a valorizar o que aprendeu, mas a nota que recebe seja como for.
Muitas escolas também adotaram a obrigatoriedade de câmera e microfone ligados durante a avaliação, o que só garante que o aluno é ele mesmo e está ali. Mas o estudante pode ter duas telas e ter as respostas a sua frente. De novo, um fingimento de imparcialidade.
Pelo menos, o fechamento das escolas deixou essa verdade escancarada dentro dos lares, o que pode ser um primeiro passo para a revisão desses conceitos. Pais e tutores podem refletir se nota é um vetor adequado para medir retenção. É uma oportunidade, portanto, na linha do que assegurava o pensador italiano Antonio Gramsci (1891 – 1937), “dizer a verdade é revolucionário”.
Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação e da cibercultura. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018) e pesquisador associado ao ESPM MediaLab.
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