Fundação Padre Anchieta

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No portão de casa, Bruno anunciou que, aos 17 anos, iria se casar. A vizinhança logo espalhou a novidade e todos começaram a especular quem seria a noiva, cujo nome ele não havia revelado. O assunto foi tema de várias conversas e até de brigas durante semanas. Dizia-se que o enlace se daria porque a noiva estaria grávida. Outros diziam que era invenção do rapaz para chamar a atenção das solteiras. Houve até quem se dispusesse a desbancar a felizarda para tomar seu lugar. O fato é que o casamento do Bruno era o assunto da vez. “Virou notícia”, como se diz no popular.

Conversa de portão é como sinal de fumaça, som de tambores, arte rupestre ou
Whatsapp. Cada veículo a seu tempo comunica algo efetivamente, mas não é necessariamente notícia. Para ser classificada como tal, a conversa precisaria buscar a verdade, como registram Bill Kovach e Tom Rosenstiel em Os Elementos do Jornalismo (Porto Editora, 2001). Após análises dos debates com mais de 3.000 pessoas nos EUA – entre eles jornalistas, pesquisadores e estudantes -, os autores concluíram que a verdade jornalística pode ser interpretada como um processo, “um percurso até o entendimento”.

No caso do Bruno não há verdade alguma, pois nem existiu de fato. Trata-se de um parágrafo inventado para introduzir este texto. Mas traz informações que poderiam ser reais e que suscitam debate e mistério – ou fofoca, com queiram. Essa é a sacada da desinformação – a chamada fake news (notícia falsa, em tradução literal do inglês), expressão combatida por acadêmicos do mundo todo. Tal ojeriza tem razão de ser. Uma notícia não pode ser falsa. E se for não é notícia, atende por outros nomes: desinformação, ficção ou simplesmente mentira. Embora muito próximas, dá para exercitar alguma diferença entre as três denominações.

Ficção remete a algo com origem no imaginário, no processo criativo e sempre deixa explícita sua condição fantasiosa. Mentira é uma fraude deliberada com o propósito de enganar e pretende não ser descoberta. Desinformação cozinha fraude e criatividade com pitadas de notícia para se tornar verossímil. "O objetivo da desinformação é semear confusão", resume a pesquisadora Claire Wardle, referência mundial em estudos sobre mídias sociais e verificações. Essa confusão tem dois propósitos claros: espalhar algo que não corresponde à realidade e/ou desqualificar a produção jornalística como um todo.

Não é algo trivial. Exige tempo e dedicação – e dinheiro - produzir histórias irreais, mas com jeitão de verdadeiras, combinando com as crenças de quem as recebe. E distribuída em larga escala, a desinformação ganha força e “vira notícia” pelo barulho e não pelo conteúdo, como no caso fictício do Bruno do início dessa reflexão. De quebra, os criadores dessas mentiras intoxicam todo o ambiente informativo de modo que possam negar seus próprios atos que eventualmente sejam divulgadas naquele ecossistema. Nas técnicas de retórica, é o chamado “envenenamento do poço”.

Em tempos de ataques à verdade, jornalistas devem ser firmes, rígidos e transparentes em relação ao percurso até o entendimento da história que pretendem contar, se mantendo leais aos cidadãos, outro princípio estrutural da profissão. As escolas, em todos os níveis, podem contribuir pautando mais essa discussão basilar da democracia e da comunicação cívica. Não só na exposição do tema, mas nas propostas de pesquisas e atividades com alunos.

Há pouco tempo de uso acumulado das mídias em rede para formarmos um guia certeiro de como não cair no conto da desinformação – o Twitter é de 2006, e o Facebook, de dois anos antes -, mas já há algumas boas ideias em curso. Vale considerar, por exemplo, a inclusão em reportagens das metodologias utilizadas para que o público possa classificar o nível de confiança em relação ao que está consumindo. O Projeto Credibilidade tem boas diretrizes nesse sentido.

O público também pode se imunizar contra desinformação aumentando seu grau de exigência no consumo da notícia, combinando critérios de qualidade do produto final, relevância das fontes e independência de quem fala em relação a de quem/do que fala. E, como regra geral, é bom desconfiar se a história parece muito encaixadinha em seu sonho, pois “a vida é real e de viés”, como já cantou Caetano Veloso (O Quereres, 1984).

Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018).