As palavras escritas em papel - “preto no branco”, como se diz – confere aos registros um caráter indelével. Seja em jornais ou revistas, diários pessoais, cartas ou bilhetinhos, como os do ex-presidente Jânio Quadros (1917 – 1992), a palavra impressa numa folha gera a sensação de compromisso, enquanto as digitais se supõem efêmeras, mas não são.
Durante o ataque ao Congresso dos EUA, nesta quarta-feira (6), lia-se na internet termos como “manifestantes”, “multidão”, “protestos”, “revolução” e semelhantes para definir a tentativa de golpe que estava em curso na maior democracia do planeta. Ao abrir os jornais no dia seguinte, as palavras tinham outro tom: “extremistas”, “turba”, “vândalos” eram os sujeitos da invasão do Capitólio.
Mais ágeis e abrangentes, as palavras utilizadas em sites e redes sociais de jornalismo tendem ao eufemismo, já plataformas de ativismo político disfarçadas de noticiosas buscam palavras de efeito, fortes, polêmicas. Em nenhum dos dois casos se observa assertividade, mas a busca pelo clique do usuário, embora os propósitos sejam distintos.
No caso do jornalismo online, parece haver o receio da interpretação equivocada que sempre custa caro à credibilidade do produto notícia. Esse medo faz o profissional utilizar palavras genéricas para conservar uma margem de segurança aos veículos, que precisam publicar com rapidez para alcançar os algoritmos de distribuição da rede e gerar audiência, meio que agradando gregos e troianos.
No entanto, em tempos líquidos como os atuais, a fluidez das palavras escritas em bits não isenta o emissor do compromisso com o posicionamento cívico. Em vez de papel, a covardia fica impressa em imagens capturadas de telas por toda parte. Impacta a credibilidade do mesmo jeito, mas só depois do clique computado, é verdade. Difícil de acreditar que isso ainda seja uma métrica aceitável.
Os jornais impressos, que não estão na partilha dos dividendos dos cliques, ainda reconhecem na credibilidade da palavra seu ferramental para subsistir no ecossistema. Com vendas em queda e redações enxutas, não serviria de nada optar pela quantidade em vez da qualidade. É um desafio libertador.
Além de tempo maior para apuração dos fatos, esses produtos têm a palavra gravada no papel e entendem que precisam ser firmes em suas publicações, pois podem ser confrontados no futuro próximo. Todo jornalista sério sabe que não trabalha para agradar, mas para informar. O público que opta pela transparência valoriza essa característica.
Já nas páginas militantes, a comunicação é totalmente outra, e a credibilidade é um termo vazio de significado. São serviços que se alimentam das tempestades ideológicas que criam. Quanto mais discussão controversa publicam, mais alcançam os robôs da circulação, gerando e fidelizando sua audiência de súditos. O melhor a fazer com esse grupo é ignorá-lo e não valorizar suas palavras nas capas dos portais, numa falsa simetria informativa.
Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação e da cibercultura. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018).
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