A rodovia tem várias faixas e velocidade máxima limitada pela autoridade de trânsito. Conforme estabelece o Código de Trânsito Brasileiro (CTB: Art. 29, inc. IV), as pistas da direita destinam-se aos veículos mais lentos, e as da esquerda, aos mais velozes. A liberdade de expressão também trafega em estradas com muitas pistas e em várias intensidades. Algumas conduzem opiniões de consenso, que não produzem polêmica. Outras tantas transportam o contraditório, forçando a reflexão sobre os padrões estabelecidos. Em comum, opinião e velocidade têm o limite da civilidade, principalmente, mas também contam com o limite das leis vigentes.
Qual motorista, estando nas pistas destinadas aos veículos mais rápidos, nunca levou um “empurrão” do veículo de trás, mesmo já estando no limite máximo da velocidade permitida? Nessa hora, uma decisão de bom senso é necessária, pois todo cidadão tem o direito de trafegar na velocidade que quiser – ou dar a opinião que quiser – desde que assuma suas responsabilidades, as consequências de seus atos e não limite a liberdade dos demais.
Uma das missões do jornalismo e da educação nas democracias é exatamente forçar ponderações sofisticadas e contraditórias, para além do óbvio e do consenso, mas que não incorram em crimes ou em fraturas no acordo cívico. Vira e mexe surgem defensores de limites para o que o professor pode dizer em sala de aula ou recomendações sobre o que a imprensa deve ou não abordar. Nos dois casos, já há regulamentação para punir profissionais que ultrapassam a “velocidade” sem a necessidade de cercear liberdades adquiridas. Há vários exemplos neste sentido país à fora, basta dar um Google.
Também para todos os outros cidadãos, a comunicação contemporânea tem à disposição ferramental vasto e acessível de produção e distribuição de opiniões, como redes sociais, blogs e canais de vídeo. Mas o uso desses recursos sem a compreensão de suas consequências põe em xeque a liberdade de expressão e enseja todo tipo de ideia de regulamentação, aquelas oportunas e outras com viés autoritário, que resvalam em indesejável e antiquada censura.
“Vejo como necessária a introdução (nas escolas) de disciplina ligada às habilidades de leitura e interpretação de notícias, seus gêneros, suas fontes, hierarquias e formas de apresentação”, ressaltou o professor Ricardo Gandour no estudo Um novo ecossistema informativo, realizado na Universidade Columbia, nos EUA (Knight Center, 2016). Tal proposta de educação midiática – que não precisa, necessariamente, estar confinada em disciplinas escolares - serviria não apenas para organizar o ambiente noticioso, mas também para proteger pessoas que desejam expressar suas opiniões sem ferir qualquer outro direito, seu ou de terceiros.
Muitas pessoas flertam com o inoportuno, incorreto ou ilegal ao expressar suas ideias por estarem pressionadas por forças mal-intencionadas sem se dar conta. É como se um carro impusesse ao imediatamente à frente uma velocidade acima do limite permitido na via. Se o motorista do veículo da frente puder dar passagem com segurança sem afetar sua viagem, provavelmente o fará e deixará a responsabilidade do ato para o infrator. Mas já estando no limite máximo de velocidade permitido e não encontrando espaço na pista mais lenta para dar a passagem com segurança, provavelmente vai ignorar a solicitação ou adiar a decisão.
Ninguém é obrigado a acatar opiniões ou ilações que esfarrapam valores pessoais ou sociais só porque alguém julga ter liberdade para expô-las. E se o fizer, que assuma as consequências perante os muitos mecanismos que existem na lei e na civilidade.
Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018).
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