O cancelamento do Censo Demográfico, pesquisa volumosa realizada a cada 10 anos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), dominou o noticiário pelo impacto da informação e pela polêmica entre os Poderes da República. Mas este é só um dos indícios de que o governo reduziu seu apreço pelo trabalho estatístico. Da covid ao desemprego, há muitas razões para temer um “apagão de dados” no país.
Em junho do ano passado, por exemplo, o Ministério da Saúde mudou a metodologia de divulgação de casos e mortes na pandemia. A alteração reduziu a quantidade e a qualidade das informações, obrigando veículos de imprensa a formarem um consórcio para consolidar os dados das secretarias estaduais de Saúde. Como a tentativa de tumultuar o conhecimento sobre o impacto da doença na sociedade não prosperou, o governo recuou e voltou ao modelo de divulgação anterior.
Também no ano passado, a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) descontinuou a publicação de muitos dados regionais importantes, mantendo apenas informações nacionais de desemprego, trabalho e renda. Segundo o site oficial, a supressão de níveis geográficos se deve à alteração na forma de coleta das informações. Ao deixar de ser presencial, a quantidade de pesquisas não realizadas cresceu, comprometendo alguns dados, afirmou o IBGE (nota técnica de abril/2020).
O momento atual exige, obviamente, muitas adaptações nas tarefas de todos os brasileiros, inclusive aqueles que trabalham com estatísticas. Mas é a falta de incentivo e de priorização de análises científicas que chama a atenção e preocupa. Esse “corpo mole”, digamos assim, pode ser identificado com bastante objetividade nas peças orçamentárias dos últimos anos.
A verba destinada especificamente aos estudos e pesquisas do principal instituto estatístico brasileiro caiu 52% em 2020 - primeiro orçamento proposto pela atual gestão - em relação ao orçamento de 2019 - herdado da gestão anterior e que foi praticamente idêntico ao de 2018. Os valores despencaram de R$ 47.650.589, em 2019, para R$ 22.527.299, no ano passado. Os dados são do Portal da Transparência.
No mesmo período, a verba para o custeio total do IBGE – incluindo folha de pagamento e despesas administrativas - caiu 10%, saindo de R$ 2,9 bilhões, em 2019, para R$ 2,6 bilhões, em 2020. Considerados os valores nominais da peça orçamentária de 2021 a redução fica ainda maior: 14% a menos para o instituto, cuja verba total deve ficar em torno dos R$ 2,5 bilhões, e 38% a menos para a área de pesquisas, que vai ter de se virar com cerca de R$ 30 milhões, 20% menor que o montante de 2014.
A Pnad Contínua funciona como uma espécie de atualização de curto prazo do Censo, mas com ênfase nos estudos da força de trabalho dos brasileiros, além de algumas séries especiais. A pesquisa mostra – ou mostrava até o primeiro trimestre de 2020 – o histórico do impacto do desemprego entre trabalhadores das cinco regiões, por exemplo, já que é pouco provável que os mesmos perfis socioeconômicos estejam igualmente representados nas diferentes localidades do país.
Esses dados formam a base de conhecimento da nação, de onde viemos e onde queremos chegar. É a partir deles que se organizam políticas públicas para a evolução da sociedade - como o equilíbrio de salários entre brancos, negros, homens e mulheres, para ficar em apenas um aspecto da nossa desigualdade social. Sem Censo e com Pnad meia-bomba, as decisões públicas tendem ao “tiro no escuro” ou ao subjetivismo ideológico e, consequentemente, com difícil acompanhamento dos resultados pela sociedade.
Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação e da cibercultura. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018).
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