Fundação Padre Anchieta

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Divulgação Cena do filme “A vida é bela”, com Roberto Benigni and Giorgio Cantarini

O legítimo refúgio do cidadão exausto da vida real é dar um tempo de tanta notícia ruim e focar em entretenimento durante a quarentena. Passar por uma situação de pandemia com banda larga à disposição é um pequeno alívio. São muitas as plataformas de vídeos e músicas, “lives” de artistas e DJs a todo momento, ofertas de gratuidade em museus e bibliotecas virtuais. E, caso queira se informar, estarão lá as “notícias pesadas” a um clique de distância.

Nem precisa clicar de fato. Basta uma tirada de olhos da maratona de séries que as tragédias humanas aparecem, estampadas nos sites, nas TVs, nos jornais. Até consórcio entre empresas concorrentes já existe para manter os dados da pandemia no país atualizados. “Parece que estão torcendo pelo vírus”, lê-se nos memes que circulam pelas redes sociais e que critica a pauta “alarmista” da imprensa. Para esse grupo, o jornalismo deveria destacar as boas notícias, histórias com final feliz para colocar a população para cima, gerar otimismo. Todo o resto entraria, segundo esse raciocínio, no campo do sensacionalismo.

Seria mais ou menos como viver em um filme tipo “A vida é bela”, do Italiano Roberto Benigni (1997). A obra - que superou o nacional “Central do Brasil” (1998) na corrida pelo Oscar de melhor filme estrangeiro, em 1999 – narra a passagem de pai e filho por um campo de concentração em Berlim, na Segunda Guerra. Para aliviar o terror, fingiam estar em um jogo cheio de estratégia e humor. Nem por isso o sucesso cinematográfico deixou de apontar a desumanidade do nazismo, registre-se.

Diferentemente das guerras mundiais, a notícia não é compulsória: lê e assiste quem quiser. E igualmente as guerras, torcer contra ou a favor de uma crise sanitária não mudará sua evolução. Atitudes, ações práticas, essas podem mudar os eventos. A discussão, portando, fica mesmo no campo teórico, de conceitos e ideologias.

A tendência popular de dizer aos jornalistas o que eles devem ou não cobrir – desejo de pautar a imprensa, no jargão da profissão - não é nova nem exclusiva de momentos de crise. A obra clássica Opinião Pública, de Walter Lippman, de 1922, já cravava que “se o jornal nos dá um relato satisfatório do que pensamos que sabemos, é quase certo que estará imune de uma crítica violenta”. E mais à frente, Lippmann conclui: “Um bom jornalista encontrará notícias mais frequentemente que um charlatão”.

Nesses trechos do livro do jornalista norte-americano há, pelo menos, uma reflexão urgente para os nossos dias, com informações e desinformações se alastrando como fogo em capim seco: a notícia precisa ser encontrada, não está na superfície, portanto. Faz parte da missão da imprensa livre investigar a informação relevante e jogar luz sobre ela. Iluminar para que todos vejam e, melhor ainda, que o fato danoso possa ser revertido. Muitas mazelas, por exemplo, já tiveram seu curso alterado por conta da exposição a que foram submetidas na mídia.

Três em cada quatro brasileiros têm acesso à rede, mas apenas 60% desses contam com conexão minimamente decente em casa, segundo dados da pesquisa TIC Domicílios 2019, divulgada há duas semanas pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br). Para essa parcela privilegiada da sociedade, há muitos subterfúgios para evitar as chocantes notícias da nossa época. Para os demais, sobram filas em hospitais e cemitérios, realidade impossível de mapear com notícias fofas que, convenhamos, existem às pencas.

No ambiente digital não faltam informações de namorados e ex-namorados de famosas e famosos, de supostas contratações milionárias do seu time de futebol e até de milagres contra doenças graves. Há também histórias com finais felizes. Verdadeiras. Mas muitas pessoas preferem engolir em seco e lidar com a realidade nua e crua mesmo. Sites noticiosos batem sucessivos recordes de audiência, e certamente o sucesso não se deve às fofocas conjugais das celebridades.

É uma evolução da comunicação ter lugar para muitas informações simultaneamente sem os limites de espaço ou tempo da mídia pré-internet, que precisava selecionar poucos assuntos de modo a abrigá-los em páginas de jornais e revistas ou no reduzido espaço de tempo dos telejornais. Quando esse trabalho de hierarquizar a notícia a ser dada é feito de forma correta, a relevância da informação se impõe em detrimento do otimismo que possa estimular.

“Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique”, decretava a seus funcionários, no século passado, o empresário norte-americano do ramo editorial William Randolph Hearst (1863 - 1951). Em vez de dizer como a imprensa deve fazer seu trabalho, instituições públicas, principalmente, seriam mais eficientes no combate a “notícias ruins” se aplicassem empenho em suas ações sociais, com ações práticas e responsáveis, deixando a fantasia para a ficção de séries e filmes dos aplicativos e sites de entretenimento.

Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018).