Fundação Padre Anchieta

Custeada por dotações orçamentárias legalmente estabelecidas e recursos próprios obtidos junto à iniciativa privada, a Fundação Padre Anchieta mantém uma emissora de televisão de sinal aberto, a TV Cultura; uma emissora de TV a cabo por assinatura, a TV Rá-Tim-Bum; e duas emissoras de rádio: a Cultura AM e a Cultura FM.

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Getty Images Interesse por smart TVs cresceu 110% em buscas no Google em 2020

Três botões e está tudo resolvido: liga/desliga, volume e canais. Mesmo no escuro e com sono, um telespectador consegue acionar esses três comandos no controle remoto sem precisar olhar para o equipamento. Do ponto de vista da usabilidade, a boa e velha TV dá um banho em qualquer equipamento que acessa internet, inclusive a própria TV - que agora é smart TV e também entrou na rede dos computadores, transformando o público em “interespectador”.

Para consumir qualquer coisa na internet não basta ligar o equipamento, há de se escolher um programa depois disso, como um navegador ou um APP de celular. Depois tem aquela sucessão de cliques até encontrar o que se quer. Às vezes, ao se chegar lá aparece uma incompatibilidade com este ou aquele sistema operacional, a página web que não monta direito na tela do celular e os travamentos recorrentes das aplicações. O jeito é sair e entrar novamente para o software voltar a funcionar. Ou reiniciar a máquina para começar tudo de novo – expediente incomum em aparelhos de TV.

Há de se considerar a experiência da longevidade – a TV está disponível no Brasil desde 1950 e a internet surgiu por aqui por volta de 1995 – e o volume de processamentos possíveis nas redes de televisão em relação ao que trafega pela internet. Mas quem já nasceu com banda larga disponível em casa não liga para esses detalhes, pois pretende aproveitar os benefícios da rede sem ter de fazer um curso de TI ou ter um estoque adicional de paciência. O uso da rede em smart TVs vive seus dias de Bombril na antena, para fazer uma comparação incompreensível para gerações a partir da Z, mas que revela o caráter “gambiarra” da convergência de tecnologias.

O físico britânico Tim Berners-Lee deu uma baita força para os leigos quando criou a linguagem de hipertexto para desbloquear a popularização da internet, há mais de três décadas – mesmo assim, lá no começo da rede era preciso ser meio nerd para utilizar bem todos os recursos. No século 21 já não faz mais sentido haver tantos formatos e padrões tecnológicos diferentes para se utilizar algo que 70% dos domicílios brasileiros já dispõem, segundo a pesquisa TIC Domicílios 2019.

A televisão chega a quase 100% dos lares nacionais. Esse fato é mais um agravante quando se sabe que o consumo de vídeos da internet aumenta com a adoção cada vez maior dos aparelhos com acesso wi-fi, sejam os embutidos nas próprias TVs ou a partir de equipamentos externos, como Google Chromecast ou Amazon Alexa. Entre fevereiro e julho de 2020, as buscas pelo termo smart TV cresceram mais de 110%, segundo o Google Trends, consequência direta da quarentena pela covid-19 e da tendência de uso da TV para assistir vídeos online.

Muita gente que só se interessava por redes sociais e por aplicativos de conversas vai entrar no mundo dos vídeos de internet também pela TV, mas pode desanimar ao se deparar com limitações técnicas e ações complicadas para parte dos novos “interespectadores”, que já se esforçam para entender a enxurrada de termos em inglês. Isso se não quiser interagir com um vídeo, pois a saga para abrir uma caixa de comentários já é desafiadora no celular ou no computador, imagine no tecladinho de controle remoto de TV.

Segundo pesquisa da Kantar Ibope Media, divulgada em março, as três telas preferidas pelo brasileiro para assistir vídeos são a TV (92%), o Whatsapp (77%) e o Youtube (64%). A mesma pesquisa mostra que o Brasil gasta o dobro do tempo da média mundial em frente à TV, passando das seis horas diárias. Certamente, produtores de conteúdo em vídeo para internet pretendem abocanhar parte desse tempo. Mas vão precisar de uma mãozinha do pessoal de pesquisa e desenvolvimento para otimizar o acesso do usuário menos familiarizado com as tramas das redes.

Sim, houve muita evolução desde os anos 1990, quando era preciso primeiro se conectar ao cabo telefônico com um modem – aquele que a gente usava só depois da meia-noite para pagar menos. Hoje já temos redes disponíveis em tempo integral até em ônibus. Tinha também que baixar um monte de programas para que aquele computador justificasse seu custo: softwares navegadores, de e-mails, de conexão, de jogos, de mensagens, plug-in Java, Flash e mais um punhado de utilitários. Mas o conceito 2.0 trouxe o processamento em nuvem e quase não instalamos mais nada nos computadores contemporâneos.

É certo que estamos repetindo essa odisseia tecnológica com os apps para smartphones, que ocupam espaço na memória do celular, pedem atualizações constantes e a maioria nem é utilizada depois da instalação. Mas essa é outra conversa. O ponto aqui é a usabilidade primitiva que as telas – grandes ou pequenas – oferecem aos usuários, especialmente aos “interespectadores”, que estão amando ver séries e filmes nas telas maiores e podem começar a amar também outros conteúdos da internet, se o uso for facilitado.

Vale esclarecer que o “interespectador” aqui proposto não é o mesmo que o “prosumidor” idealizado pelo escritor Alvin Toffler (1928-2016), na famosa obra “A Terceira Onda” (Editora Record, 1981), e que trata do ambiente em que o público é produtor e consumidor ao mesmo tempo. O sujeito deste texto está mais voltado para a relação de consumo de vídeos em plataformas, ou seja, é a junção de internauta + espectador, sempre partindo da premissa de que são as pessoas que geram demandas para a tecnologia, não o inverso.

Dito isto, já é bem “anos dois mil” esse negócio de página web abrir truncada em alguns navegadores, precisar desta ou daquela extensão para carregar determinado conteúdo, mostrar caracteres incompreensíveis na tela. Mal superamos essas barreiras de codificação e já vem a TV pressionar por protocolos unificados, por inovação na maneira como acessamos a internet, dando mais fluidez e abrangência ao conteúdo da rede.

Claro que não é razoável ter um programa da TV Cultura, por exemplo, que só apareça bem em aparelhos de TV de uma fabricante específica, com uma tela de tamanho específico. Se não se admite essa possibilidade para a septuagenária televisão, a lógica deveria valer também para a jovem internet. Seja em computadores, celulares ou smart TVs, a expectativa do consumidor é ligar o equipamento e pronto, está lá o vídeo, o site, o serviço que desejar. Chegamos até a nuvem, bora voar um pouco mais para chegar ao céu.

Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018) e integrante do ESPM Media Lab.