Antes de anunciar da decisão, Nasser esperou, durante muito tempo, por um empréstimo americano para a construção da Barragem de Assuã. A Casa Branca, no entanto, temia que o líder egípcio pudesse apoiar os soviéticos na Guerra Fria, e por isso o então presidente americano, Dwight D. Eisenhower, reteve esse dinheiro.
Indignado, Nasser resolveu obter de outra forma os recursos para construção da barragem: estatizando o Canal de Suez, que pertencia majoritariamente, contudo, à Sociedade Franco-Britânica de Suez. O presidente egípcio prometeu compensação adequada, mas os dois Estados europeus se recusaram a aceitar. Com o fracasso das negociações, os dois países atacaram o Egito no fim de outubro, com o apoio de Israel.
Em resposta ao ataque na região do canal, por intermédio da ONU os Estados Unidos e a União Soviética forçaram a retirada das tropas francesas, britânicas e israelenses. O Oriente Médio deveria ser uma região de influência das grandes potências e não dos europeus.
Segundo o cientista político Thomas Demmelhuber, da Universidade de Erlangen-Nürnberg, Nasser desejava com a ação, sobretudo, arrecadar recursos para seu projeto de prestígio, a Barragem de Assuã, no entanto, desde sua inauguração, o Canal de Suez sempre foi um objeto de prestígio nacional.
"Desde que foi construído, há mais de 150 anos, por agricultores egípcios, o Canal de Suez é um símbolo do progresso do país. Esse pensamento também teve um papel na estatização", pondera Demmelhuber.
O próprio Nasser deu a entender, em outubro de 1956, que a estatização era mais do que um mero ato econômico. Para ele, a tomada do canal era um sinal do nacionalismo que "brota dos sentimentos dos árabes, dos corações dos árabes. Eles querem viver com dignidade e ser independentes", exortava o presidente egípcio.
Obra entre dois mares
Os planos para a construção de um canal entre o Mar Mediterrâneo e o Mar Vermelho existiam há muito tempo, explica Demmelhuber. "Os otomanos já pensavam nisso desde o século 16. Engenheiros franceses também foram ao Egito junto com as tropas de Napoleão em 1798 e realizaram estudos, porém, chegaram a conclusão de que o projeto não era viável. Inicialmente os britânicos tinham uma opinião semelhante, mas Ferdinand de Lesseps levou a ideia adiante."
Na construção, milhares de europeus foram engajados para abrir a zona navegável. Diante da dificuldade de recrutar homens suficientes para tocar a obra, em 1861 o governante egípcio Mohammed Said obrigou cerca de 10 mil trabalhadores do Alto Egito a trabalharem no canal. Um ano depois, mandou trazer mais 18 mil homens.
O líder egípcio tinha também preocupações demográficas, temendo que a zona do canal pudesse se transformar num posto europeu. Embora inicialmente o canal tenha permanecido egípcio, ele acabou se tornando uma zona internacional de fato.
"Port Said é quase uma cidade", comentava o orientalista francês Narcisse Berchère – que passou um mês na região a convite de Lesseps – sobre o local ao norte do canal onde se iniciaram as obras, em 1861/1862. "Contam-se 1.023 europeus e 1.578 árabes. Há restaurantes, cafés, alfaiates e cantinas."
Um viajante inglês ponderou, ainda, que os que foram atraídos para a cidade não eram apenas "pessoas honradas": "É um lugar onde os pecados do Ocidente e do Oriente encontram asilo comum."
O canal realmente promoveu uma mudança enorme no Egito. As cidades de sua região, principalmente Port Said, se tornaram centros comerciais dinâmicos, que conectaram o país à rede de comércio global.
A "Estrada do Império Britânico", como o canal era chamado, encurtou consideravelmente a distância entre Londres e Mumbai, de 19.855 quilômetros para 11.593 quilômetros. A mudança impulsionou o transporte marítimo.
Em 1870, atravessaram o canal 486 navios, somando 26.758 passageiros. Em 1913 eram 5.085 embarcações com 234.320 viajantes. "Meu país não é mais parte da África", afirmou então o paxá do Egito Ismail, durante a abertura do Canal de Suez, em 17 de novembro de 1869. "Eu o tornei parte da Europa."
Novo canal
Desde 2015, com a conclusão das obras de ampliação, mais navios podem navegar pelo Canal de Suez. Depois que o presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sisi, deu o aval para a obra, foram retirados 258 milhões de metros cúbicos de areia e a via foi ampliada num trecho de quase 40 quilômetros.
"A construção da rota paralela mais de 35 quilômetros, assim com a ampliação e aprofundamento de um trecho igualmente longo, representa para Sisi basicamente o mesmo que a Barragem de Assuã foi para Nasser: um objeto de prestígio que deve testemunhar a eficiência do governo", resume Demmelhuber.
A obra duplicou a capacidade de transporte do canal. Em vez de 49, até 100 navios podem agora cruzá-lo por dia. Economicamente, porém, o uso do canal ainda não chegou ao máximo. "No orçamento de 2018/19, está prevista uma receita de 5,9 bilhões de dólares. Isso é imenso, mas longe de ser a receita que a expansão pretendia gerar", diz o cientista político.
Assim, o canal permanece um parâmetro do prestígio nacional e, ao mesmo tempo, um lembrete de que o país ainda não esgotou suas possibilidades.
______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos no Facebook | Twitter | YouTube
| App | Instagram | Newsletter
REDES SOCIAIS