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Bolsonaro durante a cúpula do G20 em Roma, que antecedeu a conferência do climaEm entrevista, senadora diz que estratégia da comitiva parlamentar que vai à cúpula do clima é exibir a verdade sobre a falta de proteção ao meio ambiente no Brasil.Apesar da ausência do presidente Jair Bolsonaro na COP26, na Escócia, o Brasil terá a segunda maior delegação da Conferência do Clima. O empenho diplomático reflete a tentativa do governo de melhorar a imagem desgastada da política ambiental do país. Na contramão dessa estratégia, parlamentares brasileiros de oposição irão à COP26 para contrapor a narrativa oficial do governo.

Com dados e informações científicas, deputados e senadores pretendem mostrar que a realidade do país difere muito da propaganda que será apresentada à comunidade internacional. Para subsidiar essa iniciativa, a Comissão de Meio Ambiente do Senado produziu o Relatório de Avaliação das Políticas Climática e de Prevenção e Controle do Desmatamento no Período 2019-2021.

O documento de 64 páginas foi compilado a partir de quatro audiências públicas, nas quais foram ouvidos órgãos de fiscalização, como o tribunal de Contas da União, empresas, cientistas e representantes da sociedade civil organizada. No relatório, são destrinchadas as ações e omissões do governo federal na política ambiental desde 2019.

Relatora do texto, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) viaja nos próximos dias à Escócia para participar da COP26. Em entrevista à DW, ela diz não haver indício de mudança na política ambiental do governo para além do discurso.

"Esses membros da delegação brasileira são pessoas que vão para lá por peças publicitárias. Para, mim, nitidamente, com o objetivo de mostrar o Brasil que o mundo, em tese, não conhece. Eles fazem uma maquiagem da imagem brasileira que só está na cabeça deles, na prática não existe”, afirma.

De acordo com a senadora, o grupo de parlamentares que tentará desconstruir o discurso do governo na COP26 se articula para organizar encontros com representantes diplomáticos de países como Alemanha, Noruega e Reino Unido. O objetivo é não só rebater o discurso do governo, mas também preservar acordos que interessam ao Brasil.

"Nossa ideia é ir para cima e mostrar a informação real, até mesmo para o governo se antenar e tomar alguma decisão, de fato, diferente”, diz.

Você esteve na COP de Madrid, em 2019, a primeira Conferência do Clima em que o Brasil participou no governo Bolsonaro. O governo trocou a postura agressiva que adotou na ocasião por um discurso verde, de preocupação ambiental. Como você avalia essa mudança, na prática?

Eliziane Gama: Eu percebo um movimento orquestrado e muito bem direcionado do presidente. A comitiva brasileira que vai para a COP é uma das maiores delegações. Se não me foge a memória, ela é a segunda maior delegação de país, perde apenas para os EUA. O espaço que eles reservaram lá é gigantesco, algo em torno de 200 m². Na COP, o espaço físico é extremamente disputado, as salas são pequenininhas. Você pega essa informação de forma isolada e pensa: "Nossa, o governo brasileiro está com um espaço enorme na COP, com uma delegação gigantesca, está bom". Mas vamos lá: na prática, para que essa delegação tão grande? Quem são os membros dessa delegação? Bolsonaristas. Da equipe da Câmara dos Deputados que está indo para lá, são dez parlamentares, oito da bancada ruralista.

O que você espera que eles apresentem na conferência?

Esses membros da delegação brasileira são pessoas que vão para lá por peças publicitárias. A gente inda não sabe quais são, porque eles não divulgaram até o presente momento. Para, mim, nitidamente, com o objetivo de mostrar o Brasil que o mundo, em tese, não conhece. Eles fazem uma maquiagem da imagem brasileira que só está na cabeça deles, na prática não existe. Os números estão realmente diante de nós. Eles estão indo para a COP, no meu entendimento, com essa tentativa. O governo brasileiro é isso. Quando o presidente Bolsonaro assumiu o governo, ele nem sequer queria fazer o Ministério do Meio Ambiente. A manutenção só foi possível por uma força da sociedade que foi para cima. De lá para cá, ele vem piorando a situação. Há um aumento de forma extremamente terrível no desmatamento, mais de 80%. Enquanto no mundo inteiro você teve uma redução na emissão de gases de efeito estufa em torno de 10%, o Brasil registrou um aumento em torno de 7%.

Isso nos faz lembrar uma frase lá atrás, quando o ex-ministro Ricardo Salles falou: "Olha, nós estamos em uma pandemia, está todo mundo olhando para o problema da saúde, vamos aproveitar, vamos abrir a porteira e vamos deixar passar mesmo aqui a legislação”. E foi isso que aconteceu, nós tivemos algumas alterações inclusive na legislação. Agora mesmo, lá dentro do Congresso Nacional, a gente luta para tentar impedir alguns retrocessos. Às vezes a gente consegue minimizar, mas, infelizmente, não na plenitude. A gente tem feito isso na tentativa de acordos para minimizar os efeitos, mas são impactos realmente terríveis.

Ou seja, o governo não mudou desde a última cúpula...

O discurso continua sendo este de que o Brasil não desmata. O presidente pega uns dados que só existem na cabeça dele, não correspondem nem na proporcionalidade e nem no valor real, do ponto de vista de cobertura, e aí eles dizem que o Brasil não desmata, que é um dos países com maior proteção. Só que os números realmente estão diante de nós.

Portanto, a equipe governamental vai para a COP com esse objetivo. Só que eles esquecem que também tem outro grupo que vai estar lá, de parlamentares com essa convicção. Vamos ficar muito atentos em relação a esse discurso. Daí a importância do relatório que a gente construiu para dizer: está aqui, não é uma fala do Senado, é fruto de uma construção da sociedade. Todos os dados estão apresentados no relatório foram ouvidos, compilados e trazidos pela academia, pelos movimentos sociais, de quem está no dia a dia vivenciando essa prática. Nossa ideia é ir para cima e mostrar a informação real, até mesmo para o governo se antenar e tomar alguma decisão, de fato, diferente.

O Brasil era uma potência ambiental e chega à COP26 com a reputação derretida.

Historicamente, o Brasil estava na cabeceira da mesa, era uma vanguarda. O país exercia uma posição estratégica ao lado de países defensores da política ambiental de todo mundo. De repente, o Brasil se posiciona do outro lado, como pária, junto de países que defendem a flexibilização da legislação em relação à questão ambiental, que sabotam aqueles que querem contribuir para a proteção ambiental. Os diplomatas brasileiros sempre estiveram na vanguarda dos grandes debates, nas grandes mesas dos acordos nas conferências do clima. O Brasil estava lá com posições estratégicas, fazendo a luta pela proteção ambiental. Esse respeito dos diplomatas brasileiros, infelizmente, não existe mais hoje. Acabamos indo para o outro lado.

Como se dá essa interlocução paralela entre vocês, senadores oposicionistas, e a diplomacia de outros países?

É aí que entramos nós, que temos um objetivo, uma responsabilidade maior. Estamos construindo exatamente uma agenda para conversar com esses atores, nos colocar à disposição para tentar salvar acordos importantes para o Brasil, como o da União Europeia com o Mercosul. Para tentar, na verdade, resgatar e evitar boicote internacional aos produtos econômicos brasileiros. A ideia é sentar com representantes de países estratégicos, vide a própria Alemanha, Noruega e Grã-Bretanha, que são importantes para esse debate. Tanto nós do Senado quanto colegas da Câmara estamos construindo esse agendamento, juntando as pessoas com esse nível de importância.

Temos dois parlamentares da bancada ambientalista que estão indo se juntar a governadores do Consórcio da Amazônia – alguns têm a responsabilidade, infelizmente outros não têm. Estamos fazendo esse apanhado para que possamos ter a nossa delegação, que vai tentar trazer a informação certa para o mundo e corrigir esses descontroles ambientais. A gente não torce contra o Brasil, mas pelo Brasil. A cada ação que a gente escancara, automaticamente nós temos um recuo do governo, porque o governo vai, vai, mas recua quando a pressão é muito grande. Foi assim na instalação do Ministério do Meio Ambiente. Nossa ideia é ir para cima e mostrar a informação real, até mesmo para o governo se antenar e tomar alguma decisão, de fato, diferente.

Embora a COP seja um fórum multilateral, suas decisões precisam ser referendadas pelos parlamentos nacionais. Um tema central desta edição, a regulamentação do mercado de carbono, ainda não avançou no Congresso brasileiro. Qual será o papel do Legislativo na validação desses instrumentos?

O Congresso é fundamental. Na verdade, não somente o Congresso, que faz a legislação, mas também o governo federal, que precisa regulamentar através de uma ação conjunta. De fato, precisa acontecer de uma forma sincronizada, mas a gente ainda está muito aquém dessa realidade. Inclusive, no relatório a gente faz alguns encaminhamentos que vão na tentativa de pactuar, fazer valer o Acordo de Paris, do qual o governo brasileiro é signatário. Mas ainda estamos muito aquém.

Tivemos agora uma votação que antecipa as metas do Acordo de Paris em cinco anos, mas não foi estabelecido nessa legislação o parâmetro para chegar até lá. Eu quero antecipar, mas como? Vou deixar na mão do governo federal para estabelecer essa normalização, essa regulamentação? O governo federal não vai regulamentar, não vai estabelecer, a gente precisa ter clareza nisso. Nessa mesma linha, a gente tinha um outro projeto de lei do senador Jacques Wagner que vinha todo completinho, todo organizado, e ele dizia o caminho para a gente seguir, para fazer valer inclusive do ponto de vista técnico. Acabou não caminhando.

Essa discussão é muito técnica, demanda uma leitura de fato muito apurada, em que precisamos de pessoas para nos ajudar. E quando a gente apresentar um projeto de lei, vai ser construído exatamente em cima dessa orientação. Nos governos anteriores, a gente estava tentando avançar um pouco mais. Hoje, estamos tentando evitar retrocessos. Antigamente, tínhamos a bancada ruralista e a bancada ambientalista na briga. Hoje, temos a bancada ruralista está no governo. Eles são o próprio governo. Infelizmente, a gente não consegue avançar. Mas o nosso papel, de fato, é cobrar, exigir. Nós estabelecemos pelo menos sete projetos de lei que, no nosso entendimento, precisam ser aprovados pelo Congresso Nacional.