Há 200 anos nascia o alemão que descobriu Troia


Sabine Oelze, Torsten Landsberg, Kevin Tschierse

06/01/2022 15h47

Em 6 de janeiro de 1822 nascia o arqueólogo Heinrich Schliemann. Desde criança, seu objetivo era descobrir a lendária Troia. Ele atingiu sua meta aos 50 anos de idade e, no processo, tornou-se um saqueador de túmulos.Uma armada grega navega para o leste. Seu objetivo: trazer de volta à Grécia Helena, a mulher mais bela do mundo, que havia sido sequestrada pelo troiano Páris. Por dez anos, o exército sitiou Troia: entre os soldados estavam os lendários guerreiros Aquiles e Odisseu.

Mas foi preciso um ardil para as tropas conquistarem a cidade: os soldados se esconderam num gigantesco cavalo de madeira. Sem suspeitar de nada, os habitantes levaram para trás de suas muralhas. E assim precipitaram a própria derrota.

O poeta grego Homero transformou esse épico da Antiguidade em literatura mundial: sua Ilíada fascinou gerações, e assim a legendária cidade permaneceu viva em inúmeras mentes.

"Apesar de sua localização na Ásia Menor, Troia marca o início da história europeia", explicou à DW Ernst Baltrusch, professor de História Antiga com foco em Roma, da Universidade Livre de Berlim. A Ilíada já gozava de grande importância na Antiguidade e, "através dos gregos e romanos, o antigo entusiasmo foi levado até os dias de hoje".

Sonho de infância se torna realidade

Desde criança, Heinrich Schliemann era fascinado por Troia. Nascido em 6 de janeiro de 1822, de uma família de pastores, no hoje estado alemão de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, como quinto de nove filhos, ele era fascinado pelo livro História do mundo para crianças. Aos sete anos, ficou particularmente interessado numa imagem de Troia em chamas. Para o menino, era inconcebível que as muralhas da cidade não existissem mais. E assim ele decidiu trazer Troia à luz.

Schliemann conservou este objetivo por mais de 40 anos. Em 1870, começou trabalhos não autorizados de escavação em Hisarlık Tepe ("Lugar da Fortaleza" em turco), a estação arqueológica onde se situa a antiga Troia, hoje no noroeste da Turquia, então parte do Império Otomano.

Somente um ano e meio depois, em 11 de outubro de 1871, recebeu permissão oficial de Constantinopla para prosseguir os trabalhos de escavação, após intervenção da embaixada americana, cujo apoio ele solicitara − tão convencido estava de ter descoberto a lendária Troia dos poemas homéricos,.

Empresário, caçador de tesouros e arqueólogo

A Antiguidade era o sonho de vida do aventureiro Schliemann, embora sua trajetória profissional tenha tomado inicialmente uma direção diferente. Como a família era grande, ele não tinha como prosseguir os estudos, e iniciou o aprendizado como comerciante.

Isso o levou a Amsterdã, onde começou a trabalhar como contínuo num escritório. Seu talento para os idiomas era uma vantagem: em apenas um ano, aprendeu holandês, espanhol, italiano e português, depois russo.

Schliemann fez bom uso de suas habilidades linguísticas: na Rússia, fez negócios com matérias-primas para munições, depois cursou a universidade em Paris, onde estudou grego antigo e latim. Uma viagem educacional o levou a Ítaca em 1868, onde fez escavações em busca do palácio de Odisseu. De lá, seguiu viagem para o Mar de Mármara.

Com a Ilíada nas mãos, em busca de Troia

Schliemann era uma mistura de sonhador, pioneiro e saqueador colonial. Um sonhador porque viajou pela Turquia com uma edição da Ilíada na mão, visando localizar Troia. Um pioneiro, porque no final do século 19 inventou métodos de pesquisa utilizados ainda hoje. E saqueador, porque simplesmente carregava consigo os achados arqueológicos.

Ainda hoje ele é uma figura controvertida, e muitas vezes considerado mais aventureiro do que arqueólogo. Ele não via problemas em adicionar coisas inventadas aos seus registros. "Todo arqueólogo de hoje desaconselhará tomar Schliemann como guia, pois ele não procedia de acordo com os padrões da arqueologia da época", comenta o historiador Ernst Baltrusch.

Também o conceituado arqueólogo Ernst Curtius, seu concorrente, nunca o respeitou de verdade, conta. Muitos pesquisadores condenam Schliemann por deixar seus trabalhadores cavarem trincheiras profundas sem levar em conta as perdas, destruindo irremediavelmente importantes vestígios de assentamentos. Em vida, ele foi especialmente bem recebido na Inglaterra, onde era celebrado como o descobridor da lendária Troia.

Guerra de Troia, mito ou realidade?

A busca pela cidade dura milênios, mas ninguém conseguiu provar que havia alguma verdade no épico sobre a Guerra de Troia. "O que está escrito em Homero e o que Schliemann tomou como base para sua arqueologia ainda hoje é controverso", diz Baltrusch.

"Não se sabe se essa guerra realmente aconteceu", mas o que tornou Schliemann relevante foi sua interpretação literal da Ilíada: "Ele aprendeu grego antigo para entendê-la e depois saiu em busca dos sítios, partindo da ideia de que houve uma Guerra de Troia".

Em 1871, então com 49 anos de idade, ele tropeçou nos supostos restos da cidade de Troia sob a colina de Hisarlık, no noroeste da hoje Turquia. E não era o primeiro a acreditar que a cidade descrita por Homero ficasse exatamente ali: o britânico Frank Calvert já explorara a região antes dele.

Ambos se encontraram por acaso. Calvert era dono da terra em volta da colina, mas não tinha mais dinheiro para continuar escavando. A longa história de colonização da cidade, datada de 3000 a.C., até a Alta Idade Média, dificultou inicialmente a atribuição precisa dos achados. Calvert convenceu o alemão a continuar onde ele havia parado. E em 1872 Schliemann concluiu que os espessos muros que escavara pertenciam às fortificações da antiga Troia.

No início, deparou-se com vasilhames que não correspondiam às descrições de Homero, mas continuou cavando as ruínas de vários metros de altura. Mais tarde, as escavações seriam condenadas por arqueólogos, por terem destruído as camadas mais importantes da "verdadeira" Troia. Uma de suas descobertas mais significativas, em 1873, foi o "tesouro de Príamo", como Schliemann o batizou, atribuindo as preciosas peças ao lendário rei de Troia.

Louvre e Heremitage recusaram arte saqueada

Schliemann contrabandeou o tesouro para fora do país. Quando o governo otomano se deu conta, processou-o e exigiu a devolução de metade dos achados. Mas o aventureiro acabou entregando apenas alguns, menos importante − que mais tarde compraria de volta − e pagou uma multa de 10 mil francos de ouro.

Ele ofereceu o tesouro ao Museu do Louvre de Paris e ao Hermitage, em São Petersburgo, mas sem sucesso. Por fim, doou-o aos alemães, recebendo grande reconhecimento por isso: tornou-se membro honorário da Sociedade de Antropologia, Etnologia e Pré-História de Berlim e cidadão honorário da capital alemã.

No tumulto da Segunda Guerra Mundial, o tesouro foi parar na Rússia, sendo considerado perdido por muitos anos. Hoje é mantido no Museu Pushkin de Moscou. A Alemanha tenta, há vários anos, trazer o tesouro a museus alemães, mas a Rússia se recusa a entregá-lo, com o argumento de que se trata de uma compensação por danos de guerra. O governo turco também o reivindica e negocia com a Rússia há vários anos.

"Certamente o arqueólogo mais conhecido"

Ainda durante a vida de Schliemann, cresceram as suspeitas de que o achado sensacional não fosse o "tesouro de Príamo". Em Micenas, onde escavou de 1874 a 1876, também cometeu um grave erro: a máscara de ouro que encontrou ali não pertencia ao comandante do exército micênico Agamenon.

No entanto, a posteridade perdoou seus julgamentos equivocados. Heinrich Schliemann morreu em Nápoles em 26 de dezembro de 1890, e hoje é conhecido mundialmente. "Independentemente de seu trabalho arqueológico, Schliemann está naturalmente associado ao nome Troia para todos os tempos", afirma o historiador Ernst Baltrusch. "Ele é certamente o arqueólogo mais conhecido no mundo, por causa de seu trabalho em Troia."

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